Personagens que resistem à câmera desafiam dois documentários com estreia na Mostra de Tiradentes

'Nas minhas mãos não quero pregos' e 'Os dias com ele' competem na Mostra Aurora; ambos lidam com protagonistas que provocaram mudanças na condução dos longas

25/01/2013 12:02

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Divulgação
A cineasta mineira Cris Ventura mergulha no mundo caótico do escultor Maurino Araújo em 'Nas minhas mãos eu não quero pregos', filme procurado por curadora de Cannes (foto: Divulgação)
A quinta-feira chuvosa na cidade de Tiradentes foi marcada pela estreia de mais dois filmes da Mostra Aurora. Além de participarem da mostra competitiva, os longas 'Nas minhas mãos não quero pregos' e 'Os dias com ele' têm um traço em comum, ainda que trabalhem com temáticas diferentes. Ambos retratam entrevistados que resistem aos documentaristas. Por isso, além dos problemas inerentes à própria temática, as produções ainda colocam em cena a dificuldade em extrair testemunhos, seja de um personagem que transita na linha tênue entre loucura e sanidade, seja com um documentado teoricamente íntimo, como o próprio pai da diretora.

‘Nas minhas mãos eu não quero pregos’ atraiu grande público ao Cine Tenda no final da tarde. O documentário, dirigido por Cris Ventura, chamou ainda mais atenção após despertar o interesse de Anne Delseth, programadora da Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, na França. Uma cópia da produção, que retrata a vida do escultor Maurino de Araújo, já está nas mãos de Anne e, segundo a diretora mineira, o contato foi muito importante para abrir novos caminhos.

Já o documentário ‘Os dias com ele’, exibido às 20h, foi recebido pelo público com comoção e entusiasmo. O longa retrata conversas da diretora Maria Clara Escobar com seu pai, o intelectual Carlos Henrique Escobar. O objetivo inicial de desvendar algumas lacunas nas memórias do dramaturgo, especialmente em relação ao período da ditadura, acaba dando espaço a relatos por vezes confusos, mas de uma força enorme, de um homem que claramente prefere guardar as tristezas e revoltas daquela época para si mesmo.

Divulgação / Filmes de Abril
O dramaturgo Carlos Henrique Escobar conversa com a filha e diretora sobre lacunas de sua memória ligada à ditadura militar em 'Os dias com ele' (foto: Divulgação / Filmes de Abril)
O que parece ter instigado a diretora desde o início, que é justamente a falta de documentação e depoimentos do período do Regime Militar no país, não só de seu próprio pai, mas também de vários outros militantes, acaba aparecendo em apenas alguns momentos do filme. Por isso, ‘Os dias com ele’ não chega a ser uma produção que fala especificamente sobre a Ditadura. No entanto, nesse processo de tentar extrair memórias de um personagem tão “fechado”, Maria Clara consegue também atingir outro ponto: desvendar lacunas de sua própria relação com Carlos Henrique, certamente marcada pela vida política de seu pai.

O documentário chega a representar então, a própria dificuldade de se falar sobre um assunto tão sério, mas tão pouco aprofundado na história do Brasil. Com fotografia simples e edição bem pensada, ‘Os dias com ele’ é focado mais nas “conversas de bastidores” entre pai e filha, do que na própria entrevista que Maria Clara se propôs a fazer a princípio. "Eu não sei se eu posso dizer que eu construí um personagem. Questionei muito se é necessário construir ou definir um personagem. O que restou no final foi essa negociação. 'Porque você quer que eu seja essa pessoa, porque você quer que eu seja esse pai'. Foi um processo de debater e de olhar pro outro", explica Maria Clara.

Cristiano Trad/Universo Producao
A diretora Maria Clara Escobar ao lado da equipe de 'Os dias com ele' (foto: Cristiano Trad/Universo Producao)
Dessa forma, o filme ganha caráter humanizado, não só por retratar um assunto tão delicado – como nas duas únicas sequências em que o dramaturgo fala claramente de sua sessão de tortura – mas por escancarar na tela a relação entre pai e filha. "A gente tinha uma relação intelectual por mensagens, mas não tínhamos um relação pessoal muito forte. Quando cheguei na casa dele, era raro um momento que eu não estivesse filmando. Mesmo quando a câmera não estava ligada, eu estava observando para tentar descobrir como construir o filme", conta.

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