‘Nas minhas mãos eu não quero pregos’ atraiu grande público ao Cine Tenda no final da tarde. O documentário, dirigido por Cris Ventura, chamou ainda mais atenção após despertar o interesse de Anne Delseth, programadora da Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, na França. Uma cópia da produção, que retrata a vida do escultor Maurino de Araújo, já está nas mãos de Anne e, segundo a diretora mineira, o contato foi muito importante para abrir novos caminhos.
Já o documentário ‘Os dias com ele’, exibido às 20h, foi recebido pelo público com comoção e entusiasmo. O longa retrata conversas da diretora Maria Clara Escobar com seu pai, o intelectual Carlos Henrique Escobar. O objetivo inicial de desvendar algumas lacunas nas memórias do dramaturgo, especialmente em relação ao período da ditadura, acaba dando espaço a relatos por vezes confusos, mas de uma força enorme, de um homem que claramente prefere guardar as tristezas e revoltas daquela época para si mesmo.
O que parece ter instigado a diretora desde o início, que é justamente a falta de documentação e depoimentos do período do Regime Militar no país, não só de seu próprio pai, mas também de vários outros militantes, acaba aparecendo em apenas alguns momentos do filme. Por isso, ‘Os dias com ele’ não chega a ser uma produção que fala especificamente sobre a Ditadura. No entanto, nesse processo de tentar extrair memórias de um personagem tão “fechado”, Maria Clara consegue também atingir outro ponto: desvendar lacunas de sua própria relação com Carlos Henrique, certamente marcada pela vida política de seu pai.
O documentário chega a representar então, a própria dificuldade de se falar sobre um assunto tão sério, mas tão pouco aprofundado na história do Brasil. Com fotografia simples e edição bem pensada, ‘Os dias com ele’ é focado mais nas “conversas de bastidores” entre pai e filha, do que na própria entrevista que Maria Clara se propôs a fazer a princípio. "Eu não sei se eu posso dizer que eu construí um personagem. Questionei muito se é necessário construir ou definir um personagem. O que restou no final foi essa negociação. 'Porque você quer que eu seja essa pessoa, porque você quer que eu seja esse pai'. Foi um processo de debater e de olhar pro outro", explica Maria Clara.
Dessa forma, o filme ganha caráter humanizado, não só por retratar um assunto tão delicado – como nas duas únicas sequências em que o dramaturgo fala claramente de sua sessão de tortura – mas por escancarar na tela a relação entre pai e filha. "A gente tinha uma relação intelectual por mensagens, mas não tínhamos um relação pessoal muito forte. Quando cheguei na casa dele, era raro um momento que eu não estivesse filmando. Mesmo quando a câmera não estava ligada, eu estava observando para tentar descobrir como construir o filme", conta.