Cinema

Épico A Viagem dos Comediantes é lançado em DVD

Lançamento homenageia o diretor Theo Angelopoulos, falecido há um ano

Agência Estado

Lançamento celebra Theo Angelopoulos, falecido em janeiro de 2012
Há um ano morria na Grécia, atropelado por uma moto ao atravessar uma rua em Atenas, o cineasta grego Theo Angelopoulos. Multipremiado por uma seleta filmografia de 15 longas, Angelopoulos era o principal diretor de seu país, conquistando a Palma de Ouro em Cannes, em 1988, por A Eternidade e um Dia. Como homenagem póstuma ao realizador, a Lume Filmes coloca no mercado o DVD de seu terceiro longa, A Viagem dos Comediantes, épico com quase quatro horas de duração que resume os principais acontecimentos da história da Grécia entre 1939 e 1952, relacionando-os à jornada de uma trupe de atores por várias épocas, desde a ditadura fascista de Metáxas, nos anos 1930, à adesão do país à Organização do Tratado do Atlântico Norte em 1952.


O filme começa justamente nesse ano. Um acordeonista abre a cortina de um teatro para anunciar a peça que a trupe vai representar, um "idílio moral em cinco atos" chamado Golfo, a Pastora, de Spiridon Peresiadis (1864-1918). Trama que lembra vagamente Shakespeare (o fim do casal é semelhante ao de Romeu e Julieta), Golfo é um resumo da história que Angelopoulos vai contar, cruzando dramas individuais dos atores - histórias de traições e embates ideológicos - com as transformações da Grécia durante a guerra, passando de uma ditadura fascista à Ocupação alemã, da Guerra Civil à intervenção da Inglaterra e EUA.

Não é só ao "idílio moral" de Peresiadis, muito popular na Grécia no século 19, que Angelopoulos recorre como representação metafórica de um país em ruínas, no qual a traição foi moeda corrente durante o regime fascista de Metáxas, cujo homem forte, o marechal Alexandros Papágos (1883-1955), é evocado logo no primeiro plano-sequência do filme. A trupe de comediantes acaba de colocar os pés na estação ferroviária de Aegion, em 1952, a tempo de testemunhar o avanço político do militar, preso pelos alemães nos anos 1940 e disposto a modernizar a Grécia a qualquer custo - e com a ajuda dos americanos.

É sobre a impossibilidade de o país viver a democracia - regime inventado pelos gregos - que trata A Viagem dos Comediantes, usando ainda como referência a antiga tragédia da casa de Atreu, o rei de Argos que, traído pela mulher, mata os filhos de Érope com Tiestes.

Angelopoulos usaria as mesmas referências mitológicas de crime e traição em outros filmes (Orestes, por exemplo, em Paisagem na Neblina). Em A Viagem dos Comediantes, ele se inspira em Ésquilo para fazer de Agamenon um refugiado da Ásia Menor e de Egisto um desprezível informante dos nazistas. Orestes, seu herói, escolhe o lado dos esquerdistas (Angelopoulos era marxista) e é preso como guerrilheiro em 1949, sendo morto na prisão dois anos depois. Sobrevive a ele seu amigo mais íntimo, Pylades, também um comunista exilado por Metáxas que, sob tortura, é forçado a denunciar seus companheiros.

Custa a acreditar que Angelopoulos tenha realizado o filme em 1974, em pleno regime dos coronéis, mesmo usando personagens intercambiáveis retirados da mitologia clássica para explicar três décadas da conturbada história grega. O colapso moral da Grécia contemporânea tem suas raízes justamente nesses mitos, parece dizer o cineasta - e essa certamente é uma boa lição que os gregos esqueceram. Um país que sofreu com a invasão turca, a ocupação alemã, a guerra civil e sucessivos golpes deveria ter aprendido sobre os males da intervenção do poder estrangeiro nas decisões políticas e a vocação caimita de alguns gregos vendidos à corrupção. Já na sequência inicial, uma carreata espalha panfletos da campanha política de Papágos, exortando o povo a apoiar o militar - e o marechal, que comandou as forças governamentais durante a guerra civil, acabaria com quase 50% das cadeiras do Parlamento em 1952, fazendo crescer ainda mais a oposição.

Ao morrer, Angelopoulos concluiu a segunda parte de sua trilogia sobre as raízes da Grécia no século 20, A Poeira do Tempo, retomando questões abordadas em A Viagem dos Comediantes - e prolongando a jornada por outros países além da Grécia, para entender o que aconteceu com o mundo do século 20, dividido por fronteiras, guerras nacionalistas e pela intolerância. Faz falta um cineasta como Angelopoulos, autor de um cinema de reflexão, feito com rigor formal, inteligência e sensibilidade, qualidades cada vez mais raras na tela.

A VIAGEM DOS COMEDIANTES

Direção: Theo Angelopoulos

Lume Filmes. Preço: R$ 42,90