Cinema

Filme sobre o jogador Heleno de Freitas deixa o bate-bola de lado e mostra a vida pessoal do craque

Longa conta com Rodrigo Santoro no papel do centroavante do Botafogo

Thaís Pacheco Renan Damasceno

Rodrigo Santoro dá mais um show. Para fazer Heleno de Freitas, perdeu 12 quilos
Estreia hoje Heleno (116 minutos), filme todo em preto e branco sobre a trajetória do jogador de futebol e ídolo do Botafogo nos anos 1940, Heleno de Freitas. Menos focado no futebol – são apenas duas cenas do esporte – e mais no lado biográfico, o longa conta a história de um homem.

O processo para chegar aos cinemas não foi fácil, tampouco rápido. A produção, de R$ 8,5 milhões, teve início em 2005, quando o produtor Rodrigo Teixeira (de O cheiro do ralo) apresentou a ideia ao diretor José Henrique Fonseca, que aprovou na hora. “Gosto de tratar de personagens que estão num beco sem saída. Geralmente, minha formula é essa: como mostrar esse personagem e quais as chances ele pode ter na vida?”, questiona o diretor.

Outro motivo da aprovação: “Já conhecia Heleno, sempre fui metido no meio de futebol, escutava falar sobre aquele cara maluco chamado de Gilda”, diz o diretor. “Tem também o Botafogo. Todo mundo gosta do time. Imagine se fossemos fazer filme de um jogador do Flamengo”, brinca.

Decisão da produção, além da escolha do personagem, foi realizar o longa em branco e preto. Com a falência da Kodak, o diretor explica que filmes em p&b precisam ser encomendados com três meses de antecedência e são difíceis de ser encontrados. “O negativo preto e branco está sumindo, a tendência é não fabricarem mais”, garante.

Primeiro filmaram em cores, para depois ser feita a transformação em p&b, digitalmente. E José Henrique Fonseca faz questão de frisar que isso foi antes do lançamento do vencedor do Oscar, O artista, também em preto e branco. Ocorre que, filmado em 2010, Heleno só conseguiu distribuidor no fim de 2011.

Superação
Um dos coprodutores é justamente o protagonista, Rodrigo Santoro. Apoiou e acompanhou a criação do roteiro e a captação de verba. Na atuação, superou-se em limites físicos e mentais. “As cenas de futebol filmamos nas madrugadas e com o efeito da chuva, havia certo desconforto, mas eu estava me divertindo e muito feliz fingindo que era um craque. Então, tudo certo. A parte da dieta, perder todo o peso, trabalhar com a questão da saúde mental e as consequências da sífilis foram mais pesadas, porque o cansaço era físico e emocional”, lembra o ator.

Entre a primeira e última cena, é possível reparar um Santoro 12 quilos mais magro – processo que interrompeu as filmagens por 40 dias, mas “tudo com acompanhamento médico”, ele garante. Entre conversas com familiares do jogador, trabalhos com o preparador de elenco Sérgio Penna e treinamentos de futebol com o ex-jogador Claudio Adão, Rodrigo se preparou, junto e com o apoio do restante do elenco. Sem julgar o homem, o ator diz apenas que a ideia do filme não era mostrar o virtuosismo de Heleno, mas quem foi ele. “O que aconteceu ontem, que ele não veio ao treino hoje?”, resume. O resultado do trabalho já está na telona.
 
Dos gramados ao hospício 
 
Genial, porém genioso, Heleno de Freitas foi um dos maiores centroavantes do futebol brasileiro e principal ídolo do Botafogo na era pré-Maracanã. Nascido em São João Nepomuceno, Zona da Mata mineira, em 1920, em apenas 39 anos foi da glória nos gramados ao hospício em Barbacena, onde morreu em 8 de novembro de 1959, depois de quase cinco anos de internação, vítima de paralisia geral progressiva, a terceira e devastadora fase da sífilis.


Por sete anos (1940-1947), foi a estrela solitária do time: colecionou encrencas, expulsões, belos gols e nenhum título. Com 209 gols, é o quarto maior artilheiro da história do clube. Pela Seleção Brasileira foram 18 jogos e 14 gols (1944-1948). O gênio irascível rendeu ao jogador o apelido de Gilda, personagem de Rita Hayworth, à época sucesso nos cinemas cariocas. Longe dos gramados, provocava suspiros.  As noites eram no Copacabana Palace, Cassino da Urca ou boate Vogue.
 
Em 1948, foi vendido a contragosto ao Boca Juniors na maior transação do futebol brasileiro até então. Sem cumprir as expectativas, voltou para conquistar seu único título carioca pelo Vasco, em 1949. Depois de invadir um treino armado para tirar satisfação com o técnico vascaíno Flávio Costa, o mesmo da Seleção Brasileira, ficou fora da Copa do Mundo’1950, partindo para o eldorado colombiano, que pagava os mais altos salários do continente. Com a camisa do Atlético Barranquilla, encantou o jovem jornalista Gabriel García Márquez.
 
Fora de forma, falido, corroído pelo vício em éter e lança-perfume, voltou ao Rio em 1951 e jogou a derradeira partida como profissional pelo América-RJ, na única vez que pisou no Maracanã. Atormentado pela loucura, foi expulso no primeiro tempo. Em 19 de dezembro de 1954, deu entrada na Casa de Saúde São Sebastião, mas o tratamento não impediu o avanço da doença. Perdeu a feição de galã, os dentes enfraqueceram e os cabelos ralearam. Passara a ouvir vozes e agir de forma violenta. De seu único casamento, com Ilma, nasceu o único filho Luiz Eduardo de Freitas, hoje com 62 anos. 
 
Alegria em campo, vida conturbada 
 
Heleno não é um longa sobre futebol. É produção realizada para retratar a vida de uma personalidade brasileira. Mescla ficção e informações biográficas dos poucos registros da vida do ídolo do Botafogo nos anos 1940. O diretor José Henrique Fonseca (de O homem do ano) fez duas opções acertadas. A primeira: dar enfoque à vida pessoal do personagem. A segunda: manter o espectador constantemente atento ao fato de se tratar de outra época, seis décadas atrás – no que o preto e branco tem papel importante. E reúne elenco que faz a obra valer à pena. Rodrigo Santoro, como protagonista, mostra mais uma vez que está preparado para encarnar qualquer personagem. Alinne Moraes, como Sílvia, esposa do jogador, e a colombiana Angie Cepeda, uma das amantes dele, completam o time.

Heleno é uma história triste. O atleta não tinha vida saudável e exemplar como se prega hoje em dia. Bipolar, agressivo, arrogante, fumante, alcoólatra, viciado em éter e infiel às mulheres. Ele era tudo isso, além de craque. Mesmo com toda essa vida conturbada, Heleno de Freitas fez diferença na história do futebol brasileiro, com a rara qualidade de ser fiel ao time do coração. Chamava a atenção também da mídia internacional, tanto pelo futebol como por sua personalidade. O que se vê no filme é a vida de uma pessoa que faz parte da história do país. Não se trata de homenagem oficial, mas de válida fonte de informação, obra criada com qualidade. Heleno deve ser visto até por quem não gosta de futebol.