Duas baianas arretadas

Com a ginga do afoxé, Ozadas e Bethânia Custosa mostram que BH é para bloco de qualquer tamanho

Déborah Lima Gustavo Werneck Marcelo da Fonseca 25/02/2020 04:00
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
No Centro da capital, o Baianas Ozadas arrastou milhares de foliões, prestando homenagens a Gilberto Gil (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

Duas baianas arretadas – multiplicadas em milhares de corpos e espíritos ou recebendo homenagem pela sua arte – elevaram às alturas a segunda-feira de carnaval em Belo Horizonte. E, mesmo com chuva pela manhã, os blocos Baianas Ozadas, que desfilou no Centro da capital, e Bethânia Custosa, no Bairro Bethânia, na Região Oeste, arrastaram foliões fantasiados, embalados na ginga do afoxé, da música popular brasileira e de canções eternizadas em décadas. Mostrando que alegria não tem tamanho, o Bethânia Custosa, de porte menor, embora animadíssimo, contagiou moradores e garantiu que o bom mesmo bom “é viver, e não ter a vergonha de ser feliz”, como reza o sucesso da filha ilustre de dona Canô e seu Zezinho, lá de Santo Amaro da Purificação (BA). No grupo dos gigantes, teve ainda Havayanas Usadas nessa história, desfilando no ritmo do axé, forró e xote pela Avenida dos Andradas.

A manhã começou abençoada, na escadaria da Igreja São José, na Avenida Afonso Pena. Com saias rodadas e turbantes, as baianas fizeram a tradicional lavagem e logo os céus responderam em coro, pois a chuva chegou para abrir os caminhos, limpar o ar e desejar boa sorte. Neste ano, o Baianas Ozadas veio com o tema Realce, prestando homenagem ao “conterrâneo” Gilberto Gil. “O Gil está no Baianas Ozadas desde o início. As músicas dele e dos Filhos de Gandhi são tocadas no bloco. Ele é ousadia pura, enquanto artista e pensador”, contou o idealizador e vocalista do Baianas, Geo Cardoso.

A ala da dança puxou o trio do Baianas de manhã à tarde, quando o bloco chegou à Praça da Estação, no coração da cidade. Os integrantes do grupo Fantasia da Dança começaram a ensaiar em outubro. “Os ensaios foram semanais, para estar tudo perfeitinho na hora do desfile”, revelou a dançarina Ana Luiza Dias, que participa pela terceira vez do bloco.

Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
No Bethânia, a cantora homônima, gigante em sua arte, é a rainha do bloco de pequeno porte (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press )


NA MEDIDA 

Gigantescos ou pequenos, desfilando no Centro de BH ou mais distantes do “eixo da folia”, os blocos estão na medida da alegria. Para um dos organizadores e vocalista do Havayanas Usadas, Heleno Augusto, o crescimento dos blocos e organização da festa influenciam na festa toda. E ele vê a necessidade de diálogo. “Todo mundo deve estar dialogando, junto, para fazer um carnaval bonito”.

Pois “bonito” fez o bloco Bethânia Custosa, em seu quinto desfile, reverenciando o talento da grande estrela da MPB. A chuva veio de repente, mas não tirou o clima de festa, muito menos a empolgação. Os foliões e foliãs vestiam saias rendadas e bustiês de conchas, triplicaram os colares coloridos, esbanjaram nas pulseiras e abusaram das perucas volumosas. E, claro, capas de chuva transparente para a emergência vinda “lá de cima”.

“O nome brinca com o 'gênio' de Maria Bethânia, e, claro, faz homenagem a nosso bairro”, explicou um dos fundadores do bloco, Elton Monteiro, ao lado do professor de português Marlon Machado. O “gênio”, no caso, tem a ver com o perfeccionismo e caráter exigente da cantora no trabalho reconhecido internacionalmente. Na música tema, Olha ela, Oyá, a compositora e vocalista do grupo, Milena Torres, que divide os microfones com Sílvio Ramiro, escreveu e cantou: “A menina dos olhos de Oxum, vai sambar por saber, que Gerais a ama, e proclama um bloco só para você”.

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No Barreiro, o Não Acredito Que Te Beijei elevou a temperatura ao som de axé dos anos 1990


DESCENTRALIZAR 

Para Elton Monteiro e demais organizadores do grupo, é fundamental a descentralização do carnaval, pois fortalece a cultura dos bairros, ativa as comunidades e, no caso específico do Bairro Betânia, levanta a bandeira de preservação do Ribeirão Arrudas, que passa por ali e, nesta temporada de chuvas, causou estragos em toda a Região Oeste. Na música Purificar o Subaé, rio que banha Santo Amaro (BA), terra natal da cantora e do irmão Caetano Veloso, os integrantes do bloco mudaram a letra para “purificar o Arrudas, mandar os malditos embora”.

Com 25 pessoas na evolução e na bateria, sob regência de Samuel Braga, o Bethânia Custosa resgata a questão ambiental e atrai foliões de todos os bairros, a exemplo do casal Ronaldo Silva e Carolina Figueiredo, servidores públicos residentes no Bairro Serra, na Região Centro-Sul de BH. “Já morei aqui no bairro e considero importante a preservação ambiental”, disse Ronaldo. “E dá mais leveza”, acrescentou Carolina, com delicadeza.

Com estandartes trazendo o rosto de Maria Bethânia em várias fases, o bloco passou pela Rua Úrsula Paulino e seguiu até a Praça da Amizade, ao som de Reconvexo, Carcará, Explode Coração e outras canções. “É importante ter o bloco aqui. Anima as ruas, impede que o pessoal pegue carro depois de beber, enfim, a gente não fica tão preocupada”, disse a moradora Renata Kelen.

Já no Barreiro, o bloco Não Acredito Que Te Beijei elevou a temperatura na Avenida Sinfrônio Brochado e pôs todo mundo para dançar ao som de axé dos anos 1990. Devido à chuva, deu poça d'água na rua, mas ninguém ligou. “Já estamos no terceiro ano. Achamos boa essa descentralização. As famílias podem vir tranquilamente”, informou Érica Maia Fiorini, na coordenação com o marido Ítalo Cardoso.

Para fazer jus ao nome do bloco, o casal deu um beijo carinhoso para a lente do fotógrafo do Estado de Minas, e depois, continuou no comando da grande farra ao ar livre.


BH, eu vim

Larissa Soares e Mariana Gravina
Juiz de Fora

GUSTAVO WERNECK/EM/D.A PRESS
(foto: GUSTAVO WERNECK/EM/D.A PRESS)
As amigas Larissa Soares, estudante de nutrição, e Mariana Gravina, de arquitetura, ambas de 22 anos, são inseparáveis. E vieram de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, para curtir o carnaval de BH. “Aqui tem muitos blocos. E muitos bofes”, brincaram as amigas. Na onda das placas penduradas no peito, a dupla chamava a atenção. Enquanto Larissa vinha de “Eu sou a que aconselha”, Mariana completava: “Eu sou a que faz merda”. E ponto final.


É o nosso bloco, uai!

Um metaleiro no carnaval  

Uarlen Valério/Divulgação
(foto: Uarlen Valério/Divulgação )
“É isso mesmo! Como está no título aí em cima, sou um metaleiro, minha família e meus amigos sabem de minha predileção musical. Gosto do som mais pesado. O rock e heavy metal sempre estão comigo. Mas como pode um metaleiro gostar do carnaval? E ainda trabalhando? Mas como todo brasileiro, quem nunca cantou Eu não sou cachorro, não e  A cor dessa cidade sou eu? Pois é, é isso sim. Também gosto de carnaval e adoro colocar meu bloco na rua. Minha relação com o carnaval de BH vem dos anos 90, quando cheguei aqui pra estudar, vindo de Aimorés, minha querida cidade do Vale do Rio Doce. Naquela época, o carnaval se resumia à Banda Mole, fundada pelo meu amigo de redação, o saudoso Son Salvador, e aqueles incansáveis sambistas de escolas de samba da periferia da cidade. Esses estão aí até hoje, fazendo das tripas coração e um lindo carnaval sincero... Mas o que eu vi nesses últimos anos e participando ativamente, trabalhando ou pulando de bloco em bloco, foi algo que nem o sambista e radialista Rômulo Paes poderia acreditar. A cidade ficava vazia. Não se ouvia barulho de surdos e tamborins na Rua da Bahia, no Centro de BH, onde morei por muito tempo. Nesses anos de Estado de Minas, vi muito batuque acontecer e tudo foi se transformando num carnaval politizado, democrático e popular. Assisti ao carnaval de BH nascendo na Praia da Estação, ao Mama descendo a rua da vaquinha, ao Pena de Pavão com seu visual azul de céu horizonte. Cliquei o Seu Vizinho do Aglomerado, as gigantes Baianas, e o cortejo rebolado jazzístico do Magnólia. Lá da Zona Norte, vi o Tchanzinho e sempre o dia brilhar na Guaicurus. E também o antigo Leão da Lagoinha e o novato Djonga, fazendo seu rapsamba gritando fogo nos racistas. E vi até de cima, voando pelos céus desta cidade, os arcos de Santa Tereza tomados de Juventude Bronzeada. Hoje estou aqui mais uma vez vendo um lindo carnaval nesta nossa bela cidade. Viva o carnaval! Ah, e viva o metal! (Alexandre Guzanshe, repórter fotográfico)

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