Vencedores do concurso Mestre Jonas fazem política rimar com riso

Primeiros colocados na edição 2020 da disputa comentam suas criações, que têm piada com Damares e Bolsonaro e exaltação à mulher

Mariana Peixoto 19/02/2020 06:00


Não basta ter só inspiração. Tem que suar a camisa. Foi com uma letra pra lá de jocosa que Alexandre Rezende, de 36 anos, venceu o Concurso de Marchinhas Mestre Jonas 2020. Mas, não fosse sua performance em cena, sabe-se lá se E quem não deu, Damares? sairia com o primeiro prêmio. A marchinha satiriza a campanha de prevenção à gravidez na adolescência que estimula a abstinência sexual, conduzida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

Vinicius Caricatte/Divulgação
Autores e cantores da marchinha campeã, 'E quem não deu, Damares?' (foto: Vinicius Caricatte/Divulgação)


Durante o concurso, realizado em fases eliminatórias, a marchinha foi apresentada quatro vezes. Ciente de que o voto popular é que define o resultado, numa delas Alexandre Rezende se vestiu de camisinha. Em outra, colocou todos os intérpretes – entre eles Bobô da Cuíca, coautor da marchinha – vestidos com um cinto de castidade. Na verdade, uma 'sunga de castidade', que foi revelada quando os músicos tiraram, em cena, uma calça de velcro, tal como strippers. O próprio Rezende aprendeu a costurar para fazer as calças.

O Concurso Mestre Jonas teve, neste ano, sua nona edição. Nascido juntamente com o renascimento do carnaval de rua na capital mineira, o evento já lançou várias marchinhas, boa parte delas pautada pelos acontecimentos político-sociais do país.

Uma marchinha sobrevive a mais de um carnaval? Para o compositor Vítor Velloso, a resposta é sim, sem dúvida. Terceiro colocado no concurso deste ano – por Parente bolsominion, que compôs com Luisa Burian e Frederico Heliodoro –, ele é também coautor de Baile do Pó Royal (2014), uma das mais populares marchinhas nascidas em BH na última década. Vencedora do Mestre Jonas daquele ano, acabou motivando a criação da Orquestra Royal.

Hoje um deceto, o grupo lançou um disco em 2017 e procura fazer pelo menos um show por carnaval. O desta edição será nesta quarta-feira (19), no Jacinta. “É uma banda de músicos e compositores de outros grupos. Ou seja, todo mundo tem outros projetos”, diz Velloso, autor de ao menos duas dezenas de marchinhas.

“Muita coisa que a gente escreve continua valendo para o ano seguinte. No ano passado, por exemplo, lançamos Overdose de goiaba, sobre a Damares. Três anos atrás, fizemos Bolsomico. Elas continuam fazendo todo o sentido hoje”, avalia. Como os integrantes fazem parte de blocos de carnaval, volta e meia tais canções são entoadas nas ruas de BH.

Que o diga a cantora e professora Celinha Braga, autora do segundo lugar do concurso deste ano. Mimosas borboletas não é pautada em uma personagem ou acontecimento político. “A mulher é sempre um tema, mas esta é uma marchinha mais leve, não pega tanto na parte do humor. Acho que pegou pela leveza, por ter um refrão que todo mundo canta.”

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Segunda colocada, 'Mimosas Borboletas' foi inscrita na disputa no último dia (foto: Vinicius Caricatte/Divulgação)

Mimosas borboletas foi apresentada na sexta (14), no Baile de Marchinhas Mestre Jonas, no Distrital do Cruzeiro. Pois no domingo (16), foi entoada pelo público que acompanhou o desfile do Bloco Mimosas Borboletas, no Bairro Funcionários.
 
“Foi na raça”, diz Celinha. Isso porque o trio elétrico que acompanharia o desfile não estava regular e foi impedido de sair. Sem o sistema de som que o trio transporta, o bloco saiu somente com a percussão (formada por 60 mulheres) e as sete cantoras que o comandam. “Foi muito bonito, mas fizemos tudo na garganta mesmo”, afirma Celinha.

Quando tinha uma escola de canto na Pampulha, ela criou na região o bloco Atrás do Jacaré. Com a mudança da escola para o Bairro Carmo, Celinha montou, com sete alunas, o show O bloco das mimosas borboletas (baseado na canção homônima de Fátima Guedes). A marchinha foi uma consequência desse projeto. “Nem achava que ela podia participar de um concurso. Minha irmã achou legal e só a inscrevi no último dia”, comenta a autora.

Com E quem não deu, Damares?, Alexandre Rezende, que costuma compor sambas, venceu uma resistência às marchinhas. “A marchinha lembra um pouco jongo, que é um dos subgêneros mais primitivos do samba. São palavras de duplo sentido, jogo de palavras, você tem quase que reinventar a língua portuguesa. Como ela pretende ser uma crônica da realidade, muito pontual, uma marchinha traz sempre a memória do carnaval em que foi lançada.”
 
Rezende estreou como compositor de marchinhas no ano passado, com Solta a jararaca, que fazia referência à prisão de Lula. Virou a marchinha do Lula Livre.“Para mim, o samba é mais atemporal, pois trata de questões mais universais”, diz. Mas como quem está na chuva é para se molhar, Rezende já marcou algumas participações da marchinha da Damares neste carnaval.

Na sexta (21), ela será apresentada com os intérpretes que a defenderam no concurso Mestre Jonas (Rayana Toledo, Márcio Mexerica, Bobô da Cuíca e o próprio autor) no desfile do bloco Fita Amarela, dedicado à obra de Noel Rosa (concentração a partir das 18h, na Rua Petrolina, 175, Horto).

Já no domingo (23), a marchinha volta à cena no Bloco da Esquina, com canções do Clube da Esquina (concentração a partir das 9h, na Rua Jussara, 303, Bairro da Graça). Essas são as participações confirmadas. Outras poderão vir ao longo do carnaval, pois não há como negar que Damares é uma das grandes personagens desta folia.

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'Parente bolsominion', o terceiro lugar, brinca com desavenças familiares em razão de política (foto: Vinicius Caricatte/Divulgação)

MESTRE JONAS 2020

Confira as letras das três primeiras colocadas do concurso


E quem não deu, Damares?
(Alexandre Rezende e Bobô da Cuíca) – 1º LUGAR

Veja que felicidade
se a virgindade pudesse voltar
as periquitas caladas
passarinhos sem voar

Namoro tradicional
Só papai mamãe, só matrimonial
No Tinder pentecostal
ninguém mata a cobra
ninguém mostra o pau

E quem não deu, Damares?
o que Damares não deu
Se Damares não fode
todo mundo se fodeu

E a Guaicurus vai virar museu
no alto da Afonso Pena quem comeu, comeu
E a Guaicurus vai virar museu
na Pedro II quem não deu, não deu

Mimosas Borboletas 
(Celinha Braga) – 2º LUGAR

As borboletas vão invadir
O carnaval de BH
Vão bater asas e vão sair
Num voo leve pelas ruas a cantar!

Nós somos as borboletas
Nós somos rosa, verde, branco e violeta
A liberdade, a transformação
Respeito é nosso grito, e NÃO É NÃO!!

Nós somos maravilhosas
Somos unidas, mulheres poderosas
Não temos medo de careta
Somos O Bloco das Mimosas Borboletas!!

Ê A Ê A Ê A Ê A

Voar, voar, voar,
Voar, voar, voar

Parente bolsominion 
(Vítor Velloso, Luisa Burian e Frederico Heliodoro) – 3º LUGAR

Já saí do grupo da família
Bloqueei todo mundo no Instagram
O almoço de domingo na minha tia
Foi mais confuso que letra do Djavan

As piadas machistas do meu tio
Encurtaram meu pavio
Comecei a espumar
Minha mãe fica botando pano quente
Ele é babaca mas é seu parente

Todo mundo tem (eu não)
Pode admitir
Próximo ou afastado
Todo mundo tem parente gado

Todo mundo tem (eu não)
Pode admitir
Um babaca com laço sanguíneo
Todo mundo tem parente bolsominion

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