Convidados do EM traduzem o carnaval 2018 em uma cena de filme

Cenas da folia deste ano merecem um longa-metragem, rodado nas ruas de Belo Horizonte e do Brasil

por Helvécio Carlos 16/02/2018 10:30
TV Brasil/Divulgação
Desfiles das escolas de samba deram o que falar. (foto: TV Brasil/Divulgação )

O folião se divertiu a valer neste fevereiro. Irreverência, alegria e protestos ocuparam as ruas do país. Antes do adeus derradeiro ao reinado de Momo – a agenda do fim de semana prevê “ressacas”, em BH, e o desfile da campeãs, no Rio de Janeiro –, um grupo de mineiros respondeu, a convite do Estado de Minas, à seguinte questão: se o carnaval deste ano fosse um filme, a melhor cena seria...

As referências variaram de Terra em transe, de Glauber Rocha, e Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola, à cinebiografia de Joãosinho Trinta assinada por Paulo Machline. A missão coube aos dramaturgos Sérgio Abritta e Júnior Souza; aos escritores Jacques Fux, Cris Guerra e Sabrina Abreu; ao publicitário Trotta; ao ator Paulo André; e à compositora Fernanda Mello. O grupo também criou as histórias de carnaval publicadas pela Coluna Hit, de domingo a quarta-feira de cinzas. Os textos podem ser acessados no portal www.uai.com.br

Sérgio Abritta
TERRA EM TRANSE

• Roteiro e direção: Glauber Rocha

TV Brasil/Divulgação
'Terra em transe', de Glauber Rocha. (foto: TV Brasil/Divulgação)

Não há nada mais teatral do que o carnaval. Por isso, sempre achei que sua origem não pode ser outra que não a Grécia, especificamente nos cortejos cantados em honra a Dioniso, deus das festas, do vinho, da abundância, do transe que espanta a inibição. E protetor maior dos segregados, dos que estão à margem da sociedade. O teatro se originou dessas procissões e repetia, na cena grega, sua atmosfera ritual, num êxtase compartilhado entre os atores e uma plateia que se entregava de corpo (diz-se que os espectadores, literalmente, arrancavam os cabelos) e alma à representação. Foi o que aconteceu a quem – como eu – teve a sorte de estar na arquibancada da Sapucaí, na passagem da Paraíso do Tuiuti. Como no filme de Glauber, a plateia, em transe, completamente tomada pela força do enredo, pôde ser (tele)transportada, através de uma alegoria política, para um outro tempo/espaço, que, paradoxalmente, é exatamente o nosso, marcado pela opressão, miséria e desmando dos poderosos. Mas pôde ouvir também o grito feroz dos excluídos, dispostos a não aceitar passivamente a tirania. Viva, pois, mais uma vez, o teatro, o cinema e o carnaval!

Trotta
NOSFERATU
• Direção: F. W. Murnau
Jofa Atelier/Reprodução
'Norferatu', de F. W. Murnau. (foto: Jofa Atelier/Reprodução)

Lançado em 1922, esse clássico do cinema tem a ver com a cena do “Vampiro Presidencial” no carro alegórico da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti. A escola foi brilhante e ainda ficou com o vice-campeonato!


Júnior Souza
DRÁCULA DE BRAM STOKER
• Direção: Francis Ford Coppola
Reprodução
'Drácula de Bram Stoker', de Francis Ford Coppola. (foto: Reprodução)

A multidão invadiu o Sambódromo no final do desfile da Beija-Flor, no Rio de Janeiro, cantando o samba-enredo a uma só voz. O tema lavou a alma dos brasileiros. A cena do presidente representado por um vampiro, durante o desfile da Paraíso do Tuiuti, lembrou o filme Drácula de Bram Stoker.

Jacques Fux
DE OLHOS BEM FECHADOS
• Direção: Stanley Kubrick
Warner/Divulgação
'De olhos bem fechados', de Stanley Kubrick. (foto: Warner/Divulgação)

Lembrei-me do filme De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, adaptação do belo livro de Schnitzler, Breve romance de um sonho. O carnaval é, pois, essa mistura tórrida e surreal dos limites e das possibilidades do desejo, do segredo, do mistério. Com muitos dos olhos “bem fechados” para a depravação moral e política que nos assola, os dias de alucinação e orgia tomaram conta do país. Porém, o amanhecer nos revelou uma outra faceta dessas máscaras jogadas nas avenidas: o carnaval 2018 esteve de olhos “bem abertos” para a soberania e o respeito aos corpos, à luta das minorias, e a uma breve aspiração por mudanças.


Sabrina Abreu
FOOTLOOSE – RITMO LOUCO

• Direção: Herbert Ross

Mega Filmes/Divulgação
'Footloose - Ritmo louco', de Herbert Ross. (foto: Mega Filmes/Divulgação)

Com festa, um grupo de jovens muda o cotidiano de uma cidade conservadora em Footloose – Ritmo louco. O clímax do meu carnaval foi estar no Túnel da Lagoinha fechado para os carros e tomado pelo bloco Tico Tico Serra Copo. Foi bonito ver a multidão transformar um lugar hostil a pedestres em pista de dança (com acústica boa, para deixar tudo melhor). Foi tão emblemática a apropriação de mais esse espaço durante o carnaval que, enquanto o bloco se deslocava da Avenida Cristiano Machado rumo ao Bairro Lagoinha, ouvi amigas e desconhecidos comentando que aquele momento, mesmo antes de terminar, já tinha tudo para ser inesquecível. Mais uma prova de que está tudo dominado, sem volta. A cidade é nossa, com todas as suas esquinas, suas praças e, a partir do último domingo, seus túneis também.

Henrique Portugal
A GAIOLA DAS LOUCAS
• Direção: Mike Nichols
MGM/Divulgação
'A gaiola das loucas', de Mike Nichols. (foto: MGM/Divulgação)

Qualquer cena de libertação seria perfeita para o carnaval atual. Um filme pra mostrar este momento seria A gaiola das loucas e seu bom humor. Quem imaginaria que a musa da nossa maior festa popular seria uma drag queen e que as criancas sabem cantar as suas músicas? Pabllo Vittar se tornou o símbolo de marcas de roupa e refrigerantes sem qualquer contestação da sociedade. Como os jovens, ela não está pensando no amanhã, quer viver o agora com muita intensidade. O melhor de toda essa mudança é que o povo tomou conta da festa. Não existe mais um espaço reservado para o carnaval. Ele saiu das avenidas e invadiu as grandes cidades.

Fernanda Melo
TRINTA
• Direção: Paulo Machline
Fox Films/Divulgação
'Trinta', de Paulo Machline. (foto: Fox Films/Divulgação)

Se o carnaval de 2018 fosse um filme, a melhor cena seria... o sorriso da minha afilhada, Camila Lopes, ao desfilar pela primeira vez na Sapucaí. Em meio a muitas cores, plumas e ao dourado imponente, de repente, vi, pela televisão, a emoção daquele rosto que me é tão familiar, numa alegria e euforia quase impossível de descrever. Com o enredo “Senhoras do ventre do mundo”, a Salgueiro mostrou com poesia e entusiasmo a importância das mulheres negras desde o início da humanidade. Por minutos, me senti ali. Na pele de cada mulher. No canto de cada voz. Todos unidos pela mesma energia, que celebrava a alegria, a igualdade e o feminino. Foi então que entendi o sorriso da minha afilhada: carnaval é mais que samba no pé. É jogar para fora tudo o que precisa ser jogado e abrir alas para a vida nova que já segue. É vestir a alma de poesia e colocar o sorriso para sambar na avenida, em todas as cores, com toda a emoção. Tão emocionante quando o filme Trinta, que reproduz o carnaval de 1973, o primeiro em que Joãosinho das alegorias (Joãosinho Trinta) assumiu como carnavalesco responsável o desfile do Salgueiro.

Paulo André
OS MERCENÁRIOS
• Direção: Sylvester Stallone
 Millennium Films/Divulgação
'Os mercenários', de Sylvester Stallone. (foto: Millennium Films/Divulgação)

A truculência da PM e a repressão sobre o bloco Filhos de Tcha Tcha, no Barreiro, foi cena típica de filme americano babaca.

Cris Guerra

Não é uma cena de carnaval, mas acho a coisa mais linda: o vídeo de Ivete (Sangalo) sambando com a família antes do parto das gêmeas. Ivete consegue estar presente até quando não está presente. Achei o máximo. Não sou fã da música dela, mas da figura. Apesar de a cena ter sido linda, não posso deixar de lado o caráter político que o carnaval mostrou. Nesse caso, a melhor cena seria a do desfile da Tuiuti. Mais precisamente a cena da Rede Globo tentando economizar comentários diante da imagem do vampiro Temer ou do comentarista limitando-se a dizer “manifestoches” ao tentar descrever a ala que “explica” o golpe. Pra mim, essa foi a cena mais significativa do carnaval deste ano. Mas não sei que filme isso me lembra...

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