Poderosas crônicas do cotidiano, as marchinhas mencionam personalidades da política brasileira em diferentes fases, além de documentar contextos históricos como a Revolução de 30. “Elas foram pioneiras na crítica jocosa de aspectos políticos e sociais”, acrescenta o pesquisador fonográfico Renato Phaelante, que desdobra a característica no livro 'Traços de crítica e humor na discografia da MPB' (2002). A fácil memorização das canções ajuda a consolidar registros da história nacional. São hits que imortalizaram intérpretes que exportaram a cultura nacional, como Carmen Miranda, Carlos Galhardo (voz de 'Allah-la-ô', de 1940), apresentadores como Silvio Santos (que difundiu 'A Pipa do vovô não sobe mais' na década de 1980) e Chacrinha ('Maria Sapatão', nos anos 1980).
>> Sabe cantá-las?
Fizemos um passeio pelas marchinhas e pela história musical do Brasil. Confira:
1929
'Seu Julinho vem' - composta por Freire Júnior, faz menção ao então candidato à Presidência da República Julio Prestes e documenta a Política do Café com Leite, entre os setores agrários de São Paulo (produtor de café) e Minas Gerais (produtor de leite).
Seu Julinho vem, seu Julinho vem,
Se o mineiro lá de cima descuidar
Seu Julinho vem, seu julinho vem,
Vem, mas custa, muita gente há de chorar
1930
'O barbado foi-se' - Lamartine Babo usou os pseudônimos de G. Ladeira e Dr. Boato para assinar a letra, gravada por Almirante, que faz referência à deportação de Julio Prestes. As letras enalteciam o “líder revolucionário” Getúlio Vargas.
Doutor barbado
Foi-se embora
Deu o fora
Não volta mais!
1932
'Teu cabelo não nega' - É a mais famosa, seguida por 'Mamãe eu quero' (1937), retrato da tolerância da época com temas racistas. Segundo registros do produtor Leon Barg, reunidos no álbum 'Carnaval: sua história, sua glória' (volume 2), as matrizes da R.C.A Victor (Radio Corporation of America), distribuidora da obra, trabalhavam dia e noite para dar conta dos pedidos das lojas de discos. Lamartine Babo, compositor, aproveitou estribilho de uma marcha dos Irmãos Valença para a canção.
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
1936
'Pare, olhe, escute… e goste!' - Composição de Nelson Ferreira, é a única música gravada com a voz do recifense Fernando Lobo (compositor de 'Chuvas de verão', 'Nêga maluca' e 'Zum-zum'), tornando-se raridade entre as marchinhas de carnaval.
Pa, pa, pa, pa, pare, olhe, escute
E goste um bocadinho de mim
Pare, olhe, escute… e goste!
Nem que seja um pedacinho assim
1937
'Mamãe eu quero' - De Jararaca e Vicente Paiva e interpretada pela cantora e atriz luso-brasileira Carmen Miranda, fez sucesso na América Latina e nos EUA, onde ficou caracterizada com o figurino tropical de baiana, lançado em 1939, na comédia musical Banana da Terra.
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta, dá a chupeta, ai, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar!
1943
'China Pau' - Inspirada na resistência aos japoneses na 2ª Guerra Mundial, composta por João de Barros e Alberto Ribeiro, tem cunho político semelhante a 'Adolfito Mata-mouros' (mesmos autores) e 'Quem é o tal?' (Ubirajara Nesdan e Affonso Teixeira).
É china pau
China pau
Como quê
É China pau
China duro de roer
1946
'Criado com vó' - Frevo-canção de Marambá, se popularizou no Recife na voz de Linda Batista. A expressão, a partir dali, passou a ser usada para designar personalidades “mimadas”, de difícil convivência.
O Lourival sempre foi abobalhado
Dele até eu tenho dó
Sabe por que ele é assim, minha gente?
Porque foi criado com vó
1950
'Retrato do velho'- Haroldo Lobo e Marino Pinto compuseram a marchinha que virou jingle para Getúlio Vargas ser eleito presidente, após o Estado Novo. A letra mencionava, com ironia, o uso da imagem do político em repartições públicas.
Bota o retrato do velho
outra vez
Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar
1954
'Saca-rolha' - Uma das marchinhas mais tocadas do carnaval daquele ano, de autoria de Zé da Zilda e Zilda do Zé com Waldir Machado, foi premiada em concursos de músicas carnavalescas da época.
As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha
E bebo até me afogar
1964
'Mulata iê-iê-iê' - Sucesso de João Roberto Kelly, foi composta em homenagem à primeira mulher negra a concorrer ao título de Miss Brasil (Vera Lúcia Couto, eleita Miss Estado da Guanabara naquele ano).
A boneca está
Cheia de fiufiu
Esnobando as louras
E as morenas do Brasil