Nossa História: Bloco O Balanço da Cobra completa 40 anos

Um dos mais tradicionais de Ouro Preto, bloco é garantia de diversão e bom humor. Grupo desfila na segunda-feira de carnaval

por Walter Sebastião 31/01/2015 07:51
Eduardo Trópia/Divulgação
Bloco em ação durante o Carnaval em Ouro Preto, na Região Central de Minas: criado por "meia dúzia de gatos pingados", nas palavras de uma das fundadoras, o Balanço da Cobra reúne centenas de pessoas (foto: Eduardo Trópia/Divulgação)
Num janeiro, há 40 anos, as professoras da Escola de Minas Maria Aparecida Zurlo e Maria das Graças Rigueira Alvares e o músico Daniel D’Olivier, sentados em mesa do bar Chafariz, em Ouro Preto, bebendo e conversando, tiveram uma ideia que é o sonho de todos que gostam do carnaval: criar um bloco.

Em pouco mais de 15 dias, com ajuda de amigos boêmios, artistas, intelectuais e arquitetos, colocaram a agremiação na rua. Nascia O Balanço da Cobra, nome moleque, de grupo com o mesmo espírito, cujo símbolo é uma cobra com aproximadamente 10 metros de comprimento, colorida, que sobe as ladeiras ouropretanas carregada pelos foliões e brincando com o público.

“No começo, tinha até o padre Simões abençoando a saída do Balanço da Cobra”, conta Maria Aparecida Zurlo (Cida), referindo-se ao religioso que marcou a vida de Ouro Preto. Ela, junto com Maria das Graças Rigueira Alvares, tomou para si a tarefa de organizar a agremiação. Rigueira, no momento mesmo em que nasceu a ideia, saiu pelo bar, recolhendo dinheiro para confeccionar a cobra.

Zurlo fez rifa de cinco litros de cachaça para comprar os instrumentos. As Marias gostavam da folia e já desfilavam na Império do Morro de Santana. “Era uma escola perfeita: pobre, simples. Para sambar não tinha melhor”, diz Rigueira.


Com os “doze cruzeiros” arrecadados no bar, recorda Maria das Graças, ela comprou tecido de bolinha, procurou uma amiga que tinha máquina de costura e fez o corpo do cobra, que teve enchimento de jornal. A primeira cabeça do bicho foi confeccionada pela escritora Lili Corrêa de Araújo. Houve uma segunda, feita pelo artista plástico Vandico. E a terceira, mantida até hoje, é criação do ilustrador Marcelo Xavier. “Só mudamos o penteado. Já teve ano em que a cobra ganhou o topete do presidente Itamar Franco”, brinca Cida. “O bloco tinha o mesmo espírito que tem hoje: era engraçado, entra quem quer, com frases bem humoradas sobre acontecimentos políticos, só diversão, gratuita, sem ser ofensivo a ninguém.”

A primeira camisa do Balanço da Cobra foi desenhada pelo artista plástico José Alberto Nemer (ele também assina a dos 40 anos). A intimidade dos organizadores com os artistas valeu ao bloco camisas desenhadas por Amilcar de Castro, Eolo Maia, Carlos Scliar, Silvio Podestá, Maria Sônia Madureira, Gelcio Fortes, Anna America Rangel, entre outros.

Troca de dia Se hoje o grupo desfila às segundas-feiras de carnaval, “saindo pontualmente às 17h do Bairro Pilar”, quando foi criado, o bloco desfilava no domingo. “Como o Carnaval cresceu demais, achamos melhor sair em dia mais tranquilo”, diz Cida, justificando a troca do dia da farra. Nem adianta perguntar às Marias como vai ser o desfile de 2015. “A gente só sabe quando a bateria começa a tocar”, garante Rigueira.

Há seis anos O Balanço da Cobra vem desfilando com a banda Rodrigo Silva e instrumentistas que, por adorar a folia, integram-se ao grupo (como o saxofonista Chico Amaral). “Nosso compromisso é levar alegria, não deixar cair o bom humor, a sátira, essa coisa gostosa do bloco de, em janeiro, encontrar as pessoas, conversar e preparar o desfile”, diz Rigueira.

Ela não esconde alguma saudade dos primeiros tempos. “Ouro Preto cresceu muito, tem muito carro, muito abadá, as marchinhas desapareceram. O Carnaval se setorizou. É um grupo aqui, outro lá. Não perdeu a graça, mas a criatividade”, avalia. “É Carnaval maravilhoso, mas podia ser melhor.”

Memória da folia

Maria Aparecida Zurlo, apontada como a responsável pela existência, até hoje, do Balanço da Cobra, é natural do Espírito Santo. Veio para Ouro Preto em 1968. “Já sou mineira”, avisa. Quando chegou à cidade, ela recorda, o Carnaval era animado, mas pequeno, sendo movido por alguns blocos, charangas, escolas de samba e bailes em clubes.
Grupos como o Banjo de Prata, Bloco da Lata, do Carlota, do Brito Filho, além do centenário Lacaios do Palácio, que criaram caminho para outros, a partir dos anos 1970, como o Nata da Sociedade, Bandalheira, Bloco da Barra, do Mata e os mais recentes Sanatório Geral, Santa Fôrra, entre outros.


Naqueles tempos, lembra Cida, a folia era movida por bandas e marchinhas, com muitas crianças fantasiadas e homens vestido de mulheres. “Tudo diversão pura e na rua.”. Nessa época, os blocos não precisavam de autorização da Prefeitura para desfilar pelas ruas.

Cida, mesmo considerando que “não há como organizar festa como o Carnaval”, acha que foi necessário alguma ação nesse sentido. “Houve momentos que, por serem muitos blocos, eles congestionavam a rua, e ninguém passava, criando uma situação tensa. Hoje tem reunião, compromisso, cada um sabe em que dia vai sair, o que facilita as coisas”, observa. Para quem começou com “meia dúzia de gatos pingados”, reunir hoje 300 de pessoas na largada encanta. “É energia boa, como de Ano Novo, encontro de amigos.”

Depoimento

Eduardo Trópia
58 anos, fotógrafo

"Se o Balanço da Cobra já desfilou 40 vezes, devo tê-lo fotografado umas 30 vezes. O bloco representa, de forma autêntica, a magia do carnaval em Ouro Preto. Mostra, ainda, o que ele foi, o que é e o que pode ser. Nos anos 1960 e 70, era um carnaval tranquilo, gostoso, com pessoas fantasiadas. Cresceu, virou uma confusão, tornou-se, a partir dos anos 1990, um carnaval sem lei ou glamour. Mas que continua sendo exemplo de que é possível ter carnaval de rua em que as pessoas podem se divertir. Quem começou a desfilar, aos 18 anos, no Balanço da Cobra, hoje, aos 58 anos, continua a desfilar nele com a mesma garra."


LINHA DO TEMPO

Século XIX –
Surgem os primeiros blocos de carnaval, logo criminalizados. A elite comemora a folia em bailes nos clubes e teatros.

1867 – Criado, em Ouro Preto, o Sé Pereira dos Lacaios, formado por funcionários do Palácio do Governo (Ouro Preto era então a capital de Minas Gerais).

1897 – Operários que trabalhavam na construção da nova capital, Belo Horizonte, criam o bloco Diabos de Luneta e desfila com carroças enfeitadas.

1899 – Chiquinha Gonzaga, então com 52 anos, compõe O Abre Alas, hino oficial da festa. São da virada do século, ainda, o frevo e a afoxé.

1920 – Surgem as primeiras escolas de samba. A mais antiga, “Deixa Falar”, daria origem à escola Estácio de Sá. A “Vai como pode” se tornaria a Portela.

1937 – É gravado Mamão eu quero, de Vicente Paiva e Jararaca, uma das mais famosas músicas brasileiros no mundo, tendo inclusive a versão em inglês I want my mama, lançada por Carmen Miranda.

1950 – Nasce o trio elétrico, em Salvador, com Dodô e Osmar.

1957 – Surge a Império do Morro de Santana, a mais antiga escola de samba de Ouro Preto.

1972 – É criado, em Ouro Preto, o bloco Bandalheira, paródia de bandas militares, com penicos na cabeça e botas.

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