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Jornalista mineira Karla Monteiro lança biografia de Samuel Wainer

Biografia revela em detalhes a vida profissional e pessoal do imigrante judeu que foi íntimo de três presidentes da República e revolucionou o jornalismo brasileiro


28/09/2020 17:37

Samuel Wainer(foto: Reprodução)
Samuel Wainer (foto: Reprodução)
“Por volta das sete da manhã, Getúlio saiu do quarto, arrastou os chinelos pelo corredor, vestindo o pijama listrado que entraria para a história, e foi até o gabinete. Pouco tempo depois, voltou ao quarto, carregando algo nas mãos. Foi visto pela filha, que, ocupada no telefone, não deu bola. Em seguida, Bejo bateu à porta, para informar ao irmão que os generais não haviam aceitado seu pedido de licença. Às 8h35, um estampido seco ecoou no Catete. Samuel continuou a bater à máquina quando a voz do radialista Heron Rodrigues preencheu a redação da Última Hora. Getúlio suicidara-se com um tiro no peito. 'Olhei em torno. [...] Perto de mim, Samuel Wainer batia à máquina e continuou batendo à máquina. Tinha qualquer coisa de irreal aquela insensibilidade no momento em que o Brasil se preparava para matar ou para morrer, comentaria Nelson Rodrigues. Wainer já sabia. Soube no mesmo minuto, pelo repórter Luís Costa, que lhe telefonara do Catete. Sua primeira reação fora ligar para Danuza. Segundo ela, 'um telefonema emocionado e curto, em que me pedia que não saísse de casa'. Depois, correu à oficina, onde encontrou, ainda composta em chumbo, a manchete publicada na véspera: 'Só morto sairei do Catete!'. Acrescentou uma frase: 'O presidente cumpriu a palavra', sob o chapéu: 'Matou-se Vargas!' Ninguém mais autorizadamente do que nós, da Última Hora, que sempre estivemos a postos em defesa de Getúlio Vargas; ninguém mais do que este jornal, que nunca deixou de cumprir todas as palavras de ordem do grande líder; ninguém mais do que nós, que também sofremos pela sua causa; ninguém mais do que nós, pode emitir, neste momento de dor e desespero, um apelo à serenidade. A Última Hora soltou várias edições ao longo do dia, com o obituário do presidente virando as páginas: vida pública, vida familiar e vasto álbum de fotografias”.

Assim começou o dia 24 de agosto de 1954, um dos dias mais trágicos da vida política do Brasil, quando o presidente Getúlio Vargas se matou, surpreendendo os próprios aliados, como o jornalista Samuel Wainer, que mantinha o jornal Última Hora, em apoio ao presidente. Este fato e seus complexos desdobramentos e muitos outros importantes e contundentes de sete décadas da história do Brasil estão relatados em detalhes na biografia Samuel Wainer – O homem que estava lá (Companhia das Letras), que acaba de ser lançado pela jornalista e escritora Karla Monteiro. 

Para poder esmiuçar as íntimas e intricadas relações de Samuel Wainer com três presidentes – Getúlio, Juscelino Kubitschek e João Goulart – Karla Monteiro se debruçou sobre milhares de documentos, entre cartas íntimas, negociação de dívidas e as fitas que deram origem a Minha razão de viver, a autobiografia de Wainer. “Entrevistei cerca de 100 pessoas, li uma extensa biografia e encontrei documentos inéditos e valiosos nos arquivos públicos do Brasil e também do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Samuel foi vigiado passo a passo pelos americanos... Todos os encontros dele com Linconl Gordon, por exemplo, o embaixador na época, estão minuciosamente relatados. Samuel Wainer foi o homem de três presidentes, Getúlio, JK e Jango, foi a caixa-preta do Brasil”, afirma Karla.


POLÊMICA JÁ COMEÇOU NA NACIONALIDADE


A trajetória de Samuel Wainer no Brasil já começou com polêmica sobre suas origens. Na década de 1910, o mundo estava em grande ebulição. Samuel nasceu em família de judeus em 1912 ou 1914 – sempre houve controvérsias sobre o ano certo -, na Bessarábia (hoje Moldávia), no império russo do czar Nicolau II, que já caminhava para o declínio diante da revolução que triunfaria em 1917/18 com os bolcheviques e o comunismo. Logo depois, estourou a Primeira Guerra Mundial. Para fugir da grande perseguição sofrida pelos judeus na Europa, a família de Samuel migrou para o Brasil, mais especificamente para o bairro do Bom Retiro, em São Paulo, onde se estabeleceu a comunidade israelita, mas chegou sem documentos, o que mais tarde renderia muitas dores de cabeça para Samuel, inclusive prisão sob acusação de falsificação de data e de local de nascimento.

Na década de 1920, Samuel e outros conterrâneos vendiam de tudo, inclusive tapetes persas, para sobreviver, seguindo os passos dos irmãos mais velhos, Arthur e José. E vivia de pensão em pensão. “O ano de 1930 amanheceu soprando renovação, a esperança que acomete o povo em virada de década. Aos dezoito anos — ou seriam dezesseis? —, Samuel costumava percorrer diariamente, pela praça da República, o trajeto entre a praça Onze e a rua da Alfândega, suportando com devaneios o feixe de tapetes”, conta Karla.

O Brasil também grande tensão política. Enquanto na Europa duas grandes forças cresciam a passos largos – nazismo na Alemanha e o comunismo na recém-criada União Soviética – a política café com leite, que fazia alternância de poder entre presidentes da República paulistas e mineiros, já estava com os dias contados. Com o liberalismo em baixa, o país estava polarizado entre comunistas e integralistas, ambos adversários de Getúlio Vargas, que tomou o poder em 1930, com o golpe que derrubou a Velha República, e acirrou a perseguição política no país em 1937, com outro golpe, a ditadura do Estado Novo.

Mas o destino do jovem Samuel, ainda sem rumo certo na vida, apontava para o mundo das letras. “Foi em junho de 1933 que Samuel entrou pela primeira vez na redação de um jornal de verdade. Por indicação de Wolff Klabin, rico industrial ligado aos intelectuais sionistas e amigo de Artur, assumiu a coluna Diário israelita. Era tudo como imaginara: o matraquear das máquinas de escrever, a sinfonia dos telefones, a fumaça dos cigarros. E os homens? Tão diligentes, em seus ternos baratos. Aqueles eram os responsáveis por levar às bancas, todo dia, a visão de mundo que os leitores aceitavam como se fosse a realidade”, conta Karla na biografia.

Em seis meses, Samuel mudou para a Revista Brasileira, na Cinelândia. A publicação era ambiciosa, tinha cerca de 300 páginas, mais da metade com artigos da revista francesa Le Mois. Mas Samuel queria ter sua própria publicação e criou a Revista Contemporânea, que durou pouco por falta de dinheiro e mão de obra. Depois veio a revista Diretrizes, que reuniu a nata da intelectualidade, incluindo Mário de Andrade, Carlos Drummond, Oswald de Andrade, Marques Rebelo, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Erico Verissimo, Nelson Werneck Sodré e Noel Nutels. 


AUTOBIOGRAFIA DESMENTIDA

Samuel Wainer(foto: Reprodução)
Samuel Wainer (foto: Reprodução)
Entre idas e vinda em jornais, a vida de Samuel ganhou o impulso do sucesso em 1949, quando foi chamado por Assis Chateaubriand para assumir o comando da redação de O Jornal, o carro-chefe da cadeia de 26 jornais, a agência de notícias Meridional e 15 emissoras de rádio em todo o país. Samuel modernizou o jornal e aumentou os salários dos funcionários. Mas a alta nos gastos para fazer um jornal de maior qualidade desagradou Chatô. De comum acordo, resolveu então ser repórter. Dessa forma, acabou desembarcando no carnaval de 1949 na Fazenda Santos Reis, em São Borja, onde Getúlio vivia seu exílio político, depois de ter sido afastado do poder em 1945.

Um dos pontos altos da biografia escrita por Karla Monteiro é o desmentido que faz de Samuel Wainer, que disse em sua autobiografia, Minha razão de viver, que seu encontro com Vargas foi casual. Ele afirma que Chateaubriand o enviou ao Sul para fazer grande reportagem sobre trigo, que estava em alta no mercado. E, por acaso, quando sobrevoava a fazenda, decidiu visitar Getúlio. Karla, em suas extensas pesquisas sobre a vida de Wainer, descobriu correspondência entre Alzira Vargas e o pai, nas quais ambos conversam nas cartas sobre a esperada chegada de Wainer a São Borja para entrevistar o ex-ditador.
“Samuel mentiu, ou sustentou a meia verdade, mesmo depois que, nos anos 1950, quando romperia com Assis Chateaubriand, seus chefes nos Associados assumiram que o trigo nunca fora a sua pauta. O fio da meada da célebre reportagem, repisada em biografias e livros de história, ficaria encoberto por décadas, enterrado no arquivo de correspondências trocadas entre Getúlio e a filha Alzira durante o exílio do ex-ditador. Ao deixar o Rio de Janeiro em direção ao Rio Grande do Sul, Samuel já sabia muito bem que seu destino era a Fazenda Santos Reis. Em 18 de fevereiro, dez dias antes da gloriosa segunda-feira de Carnaval, Alzira escrevera ao pai uma longa missiva, prevenindo-o da visita de um repórter. Nessas primeiras linhas, ainda não citava nominalmente Wainer, o que logo faria numa frenética sucessão de cartas que repercutiam a reportagem publicada no Diário da Noite.”

Karla Monteiro conta mais: “Tudo havia começado com uma proposta do udenista José Cândido Ferraz, que procurara o marido de Alzira, Ernani do Amaral Peixoto, com uma mirabolante ideia. Getúlio deveria dar uma entrevista e, no correr da conversa, soltar, como quem nada quer, um elogio à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, nome defendido por uma ala da UDN contra o governador da Bahia, Otávio Mangabeira, um dos caciques do partido. A artimanha, segundo vendera Cândido Ferraz, ajudaria a pôr lenha na fogueira da sucessão. Enfraqueceria o nome do baiano e, ao mesmo tempo, chutaria para fora de campo o paulista Ademar de Barros. E ainda teria o benefício de pressionar o general Dutra a lançar um candidato do Catete, implodindo o sonho da candidatura única. Além do mais, a partir da repercussão da fala de Vargas, o presidente se sentiria acuado, caso estivesse maquinando um golpe. Com o assunto das eleições na pauta, não teria peito para bancar qualquer que fosse a manobra que tivesse na cabeça”.

A FORÇA DE ÚLTIMA HORA

Fato é que Getúlio deu entrevista a Samuel que sacudiu o país ao anunciar que voltaria à política. A repercussão da entrevista aproximou os dois e, a partir de então, nos 15 anos seguintes, até o suícidio de Getúlio, em 1954, Samuel foi seu fiel escudeiro na imprensa. Havia ficado para trás as perseguições de Getúlio a Samuel da época de Diretrizes e do Estado Novo. O velho ex-ditador era agora o padrinho de Wainer. Eleito presidente e diante da oposição maciça da imprensa, Getúlio deu a ideia e Samuel criou a Última hora, o jornal que revolucionou a imprensa brasileira.

De cara, Samuel passou a sofrer ataques mais pesados de antigos “correligionários”, como Carlos Lacerda, o ex-comunista agora alinhado à direita, e Chateabriand, que passou a vê-lo cada vez como concorrente. Última hora tirou a imprensa da sua pré-história. Aquele modelo de jornal de letras pequenas, sem cores e textos socados viu nascer Última hora, com letras garrafais, fotos grandes, investindo em reportagens de interesse popular. Isso incomodou, e muito, os barões da imprensa.

Além de tudo, Última hora tinha financiamento do Banco do Brasil (o BNDES da época), o que aumentou os ataques. A grande imprensa em geral também recebia dinheiro público, mas fazia da cota oficial de Wainer um escândalo nacional. Samuel criou sucursais, expandiu seu jornal para outros estados. Tamanha exposição, diante da pressão de Lacerda e de outros donos de jornais, acabou levando à criação de duas comissões parlametnares de inquérito na Câmara dos Deputados para explicar o suposto favorecimento a Samuel.

Nem mesmo a força de Última Hora, com toda a tiragem, que chegou a 200 mil exemplares, conseguiu evitar que crise política permanente se agravasse no país e culminasse com o suicídio de Getúlio. Arrasado, o o jornalista, entretanto, logo estava sob o guarda-chuva de outro padrinho forte, o mineiro Juscelino Kubitscheck, que venceu as eleições presidenciais de 1955, sobreviveu à tentativa de golpe graças ao Marechhal Lott e partiu para a increditável aventura da construção de Brasília. Samuel esteve o tempo todo com JK. Embora não fosse íntimo dele como era com Getúlio, conseguiu manter o jornal. 

A vitória de Jânio Quadros, entretanto, gerou incerteza, mas logo o recém- eleito renunciou, em agosto de 1961, deixando a presidência para João Goulart, velho amigo de Samuel desde os tempos de Getúlio. Até o golpe militar de 1964, Samuel montou um verdadeiro império de jornais. Único a defender o governo deposto, viu suas redações serem depredadas. Exilou-se no Chile, voltou ao Brasil esperando ressuscitar Última Hora.

 Todas as suas conquistas e novos sonhos se desfizeram com o golpe, que se estendeu por uma ditadura de 21 anos. Perseguido como tantos outros, Samuel perdeu seus dias de glória na imprensa. Por suas relações com militares, conseguiu se livrar dos porões da tortura. Em 1975, passou a morar em São Paulo, onde teve coluna na Folha de S. Paulo e encerrou seus dias, em 4 de setembro de 1980, vitimado principalmente por problemas pulmonares gerado por décadas devorando maços de cigarro.


MULHERES E TRAIÇÕES

Karla Monteiro conta no livro, entremeada com a ascensão e a queda no jornalismo, a densa vida amorosa de Samuel Wainer, que teve dois casamentos memoráveis. O primeiro com Bluma, por quem foi flagrado na cama com outra mulher. Ela depois o traiu com seu amigo e cronista Rubem Braga, chegando a abortar. Uma curiosidade era grande semelhança física de entre Wainer e Rubem Braga, ambos com grossas sobrancelhas. E outra longa paixão foi com a modelo e jornalista Danuza Leão, com quem teve três filhos: a artista plástica Débora Pinky Wainer, o cineasta Bruno Wainer e o jornalista Samuel Wainer Filho, este morto em acidente de carro em 1984.

Samuel teve vida afetiva e profissional intensa, circulou mundo afora, foi o único jornalista latino-americano a cobrir o julgamento dos nazistas em Nuremberg, viveu Paris intensamente, teve muitos sucessos e fracassos, amigos e inimigos, tudo muito bem detalhado no livro de Karla Monteiro, que deixa aos leitores belas reflexões sobre a luta de um homem por seus ideais, muitas vezes conquistados por meios não tão nobres. “Culpa, remorso, arrependimento, nada disso parecia fazer parte do vocabulário de Samuel Wainer. Vindo de onde vinha, só olhava a linha de chegada. Por toda a vida, aliás, agiria da mesma forma. Se o objetivo lhe parecesse nobre, tanto fazia o que tivesse de fazer para alcançá-lo. Ideologicamente, tinha o seu norte — no caso, o trabalhismo inglês — muito bem definido pela esquerda judaica que o parira. Profissionalmente, só queria fazer revista. A qualquer custo”, define Karla no livro. E diz mais: “Samuel tinha cabeça de rico numa existência de pobre. Não se importava com dinheiro. Nunca lhe passava pela ideia comprar um imóvel ou investir em bens pessoais para garantir o futuro. Só queria fazer revista. Não uma revista qualquer, mas a mais espetacular. Sempre a megalomania. Para Samuel, o mundo estava permanentemente à espera de um repórter. E não o contrário. O que não era presenciado por um jornalista não existia. Isso posto, fazia qualquer negócio para estar em todos os lugares. Tudo parecia estar por ser reinventado. Até a moral.”


ENTREVISTA KARLA MONTEIRO – Jornalista e biógrafa


"Última hora foi um marco na imprensa brasileira”

Por que biografar Samuel Wainer?

Sou da geração que devorou Minha razão de viver (autobiografia de Wainer). Fiz jornalismo na PUC-MG. E todo mundo leu a autobiografia de Samuel Wainer. Causou um grande impacto na gente. Depois fui fazer a vida, trabalhei em diversas redações: Veja, Folha de SP, TRIP, algumas revistas da Abril, O Globo... Uma carreira errática, de redação em redação, entremeadas por temporadas fora do Brasil. Aí veio 2013... veio 2014... veio 2015... E, como jornalista, bateu uma necessidade intensa de entender o tempo e, principalmente, o papel da imprensa em momentos de crise aguda. Nesta época, eu estava trabalhando na Folha, surgiu uma viagem para Bali, com o João Wainer, neto do Samuel. Fomos fazer uma matéria do caso do brasileiro condenado a morte, Marco Archer. Um dia, numa daquelas praias paradisíacas, falando da situação do Brasil, eu disse a ele que Samuel Wainer era o começo, o fio da meada, o contexto histórico para o hoje. Falei que tinha vontade de biografar o Samuel. João deu a maior força. Quando voltei, fui, então, falar com Danuza e os filhos, Pinky e Bruno. Eles abriram todo o precioso arquivo de família, sem nunca perguntar ou pedir nada. Samuel deixou de herança para o Brasil uma família elegante. São milhares de documentos, que incluem cartas íntimas, negociação de dívidas, as fitas que deram origem ao Minha razão de viver. Mas eu também entrevistei cerca de 100 pessoas, li uma extensa biografia e encontrei documentos inéditos e valiosos nos arquivos públicos do Brasil e também do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Samuel foi vigiado passo a passo pelos americanos. Todos os encontros dele com Linconl Gordon, por exemplo, o embaixador na época, estao minuciosamente relatados. SW foi o homem de três presidentes, Getúlio, JK e Jango. Do Jango, segundo o Departamento de Estado, foi o 7 conselheiro, numa lista de 17. SW foi a caixa-preta do Brasil.

Um dos méritos de SW foi tirar a imprensa brasileira da “idade da pedra”?

As contribuições de Samuel Wainer para a imprensa brasileira são muitas – e variadas. Em 1938, lançou Diretrizes, uma revista que marcou época. Embora a tiragem fosse pequena, o semanário repercutiu imensamente na esquerda intelectual da época. Uma linha editorial aguerrida, de combate ao Estado Novo e ao nazi-fascismo. Estamos falando dos anos da Segunda Guerra. O expediente de Diretrizes era inacreditável: Rubem Braga, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Álvaro Moreyra, Graciliano Ramos, Carlos Drummond, Francisco de Assis Barbosa, Adalgiza Nery, Moacir Werneck de Castro, Carlos Lacerda, os modernistas de São Paulo, Nássara, Augusto Rodrigues, Joel Silveira, Edmar Morel... Enfim... Poderia se dizer, a Piauí dos 30, com investimento em reportagens. Depois, em 1951, vem a Última Hora. O jornal ficou marcado como o jornal do Getúlio, criado a partir das benesses do governo e dos poderosos que orbitavam o Catete. Mas, sinceramente, acho simplista esta visão, já que atire a primeira pedra o dono de jornal que não bebeu das mesmas fontes. Para mim, a Ultima Hora foi um marco. Um grande marco na imprensa brasileira. Primeiro, revolucionou os salários dos jornalistas, tirando a profissão do lugar de bico. No design, introduziu a diagramação. Até então as matérias começavam numa página, terminavam na outra, sem fotos. Era difícil ler jornal. Foi também o primeiro jornal a valorizar a fotografia. A imagem, aliás. Última Hora tinha caricaturistas do quilate do LAN, do Nássara e do Augusto Rodrigues Também inovou ao trazer para frente assuntos que os matutinos sérios ignoravam. A propósito, jornais como Estado de S. Paulo e Correio da Manhã, os mais importantes, publicavam o noticiário internacional na capa. Você lia o que estava se passando na Inglaterra antes de saber o que se passava no Catete. Foi a Última Hora o primeiro jornal grande a publicar uma foto de time de futebol na capa, por exemplo, uma foto do Fluminense. A cobertura de polícia era espetacular. Basta dizer que Nelson Rodrigues escrevia “A vida como ela é” e Antônio Maria, O Jornal do Antônio Maria. Mas, na minha opinião, a maior contribuição de Samuel Wainer, no entanto, foi introduzir na grande imprensa um jornal de orientação trabalhista e nacionalista, fazendo um contraponto necessário ao pensamento liberal e conservador, hegemônico na imprensa brasileira de então. Samuel fez um jornal popular sem ser popularesco, usando a melhor mão de obra na praça. Com isso, desafiou o discurso único, a “história única”. Outro dia vi um TED da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi, em que ela falava dos perigos da “história única”. Agora... como Samuel, um repórter teso dos Diários Associados, conseguiu fundar uma cadeia de jornais trabalhistas para disputar nas bancas com os grandes jornais? Aí é outra história.

A busca constante de SW pelos círculos de poder seria necessidade de autoafirmação por ser perseguido como judeu apátrida? 

Eu especulo que sim. A família Wainer está na primeira geração de imigrantes da diáspora do Leste Europeu. Claro, carregava na bagagem o sentimento do escorraçado, ávido por reconhecimento e pertencimento. Os primeiros capítulos do livro trazem muitas histórias que vão investigando esta tese. SW era o homem que estava lá por cinco décadas no jogo de conveniências com os donos do poder. Usou e abusou dessa condição. E foi usado também.


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