Uai Entretenimento

ARTES CÊNICAS

Experimentações teatrais ganham espaço nestes dias de pandemia

Coletivo Estopô Balaio participa do projeto Cena inquieta - Foto: Sesc TV/reprodução

Com o desafio imposto pela pandemia, artistas adotam novos caminhos a fim de perpetuar a magia do teatro. Seja por meio de um aparato tecnológico que motiva estudantes das artes cênicas a perseguir o sonho de brilhar no palco, seja pelo incorporar de novas linguagens e ferramentas (em plataformas virtuais), ou ainda diante da celebração artística (em documentários) de coletivos que ressaltam o caráter social das encenações nos palcos, o teatro está tão vivo quanto sempre.



Com base no experimental, o teatro do dramaturgo Felipe Vidal vem encorajado pela potência do álbum Dois, da Legião Urbana. Concebido em seis episódios, o documentário cênico Dois (Mundos) traz elenco empenhado numa trama que lança nossos impasses de 2020 para o ano 2054, numa proposta de cápsula do tempo. Com mais de três décadas de deslocamento, percebemos os reflexos da COVID-19.

“O interessante do teatro é abrigar várias artes no que chamamos de caixa-preta: o palco em que tudo pode acontecer. O teatro abraçou a videoarte, a dança, a música e até as interações com o cinema. Como linguagem, vivemos momento histórico reverso, já que o retângulo dos computadores tomou o lugar da caixa-preta”, observa Felipe Vidal, que, com 25 montagens de peças, tem cinco recentes passagens por Brasília, na maior regularidade da carreira.

Dois (mundos) lança o desafio de diálogo com canções da Legião de impacto geracional aliado às experiências e histórias pessoais dos oito integrantes do elenco. “Nas ferramentas de ator, buscamos superar a perda da convivência pessoal com o público, mas, em compensação, chegamos não só a diferentes cidades, mas a países diversos”, diz Felipe Vidal.



As cartas para o futuro do grupo, propostas no espetáculo, são balizadas pelo lado A do disco Dois, com projeto de, em 2021, a partir da reabertura das salas de espetáculo, haver complementariedade dos temas a serem explorados nos palcos.

Até 10 de outubro de 2020, em 25 minutos (via Zoom e aquisição de ingressos no Sympla), a contestação crítica presente nas letras das canções Plantas embaixo do aquário e Índios flertará com o potencial afetivo de músicas como Quase sem querer e Eduardo e Mônica.
A divisão de responsabilidade entre atrizes e espectadores impulsiona todo o dispositivo cênico de Para alguém que está me ouvindo.

A capacidade da escuta do interlocutor, alimentada por cinco atrizes, trouxe 300 espectadores ao projeto. Cada atriz envolvida zela pela manutenção de relações de coleguismo com 60 pessoas desconhecidas. A primeira carta encenada mobiliza o espectador em potencial, levando-o a um mergulho inesperado.



Encontro “Sempre atentei para a qualidade de um encontro e, agora, encontrar está impossível. O projeto atual nasceu totalmente a partir da pandemia. Vejo como uma possibilidade de digestão da situação, de organização dos próprios sentimentos, há até um componente de cura. Criamos, de forma conjunta, muitos universos. De certo modo, é um pequeno empurrão rumo ao desconhecido”, observa a performer e diretora Anna Costa e Silva.

Ela dirigiu a série documental Olhar (no canal Arte 1), além de ter aprofundado pesquisa entre artes cênicas, artes visuais, vídeos e cinema, muitas vezes dedicada a intromissões pessoais nas narrativas, borrando fronteiras entre registros reais e ficção.

“Com o novo projeto, desestabilizamos papéis preestabelecidos entre arte, espectador e performer, compartilhando a vida entre todos. É algo que personaliza totalmente o espectador. O lúdico, as angústias e os pensamentos aderem à possibilidade mútua de criar outras narrativas para passar os dias”, avalia.



Casado com a atriz Débora Duboc, premiada pelo desempenho na peça A valsa de Lili, o diretor Toni Venturi viu de perto os efeitos da adaptação do espetáculo para os tempos de pandemia. “Veio o paradoxo de uma peça com conteúdo intimista, em março de 2020, virar um espetáculo midiático, com apoio de câmeras e de dois megatelões”, relembra.

Afora a curiosidade, Venturi comanda outro viés de resistência do teatro, na série de 26 documentários que criou, ao lado da curadora Silvana Garcia, chamada Cena inquieta (exibida pela emissora SescTV). Cerca de 50 coletivos teatrais e 10 artistas solo sediados em cinco capitais compõem o painel, que totaliza quase 25 horas de conteúdo. Entre eles estão os grupos Coletivo Negro, Cia. Os Crespos, Coletivo Estopô Balaio e Tablado de Arruar.

“Buscamos trazer um pouco da alma da pesquisa de cada grupo, saber do que eles estão atrás. Que linguagem desenvolvem? Focamos o teatro negro, a experimentação do teatro social e o teatro de gênero, com questões identitárias como as de performers trans de Os Satyros”, explica o premiado diretor do filme Cabra-cega. Nessa investigação de muitos segmentos periféricos, desponta o caráter de produções diversificadas, mas atualmente sob ameaça.

EM CARTAZ

DOIS (MUNDOS)
Na plataforma Zoom

CENA INQUIETA
Exibido pela emissora Sesc TV
PARA ALGUÉM QUE ESTÁ ME OUVINDO
Na plataforma Vimeo