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Garcia-Roza se foi, mas Espinosa ficará sempre com a gente

Reputação consolidada como psicanalista e professor universitário, Luiz Alfredo Garcia-Roza poderia ter se acomodado na fase final da vida e seguido o que repetia Bartleby, um dos personagens mais marcantes da literatura mundial: “Preferia não fazê-lo”.



 

Ele não apenas contrariou a máxima do escrivão criado por Herman Melville como fez questão de citá-lo na última frase de seu romance de estreia, O silêncio da chuva, lançado em 1996 e vencedor dos prêmios Nestlé e Jabuti.

 

Ainda bem que Garcia-Roza decidiu fazer romances. A partir da tradição de autores europeus como Georges Simenon e Andrea Camilleri, criou um personagem para protagonizar quase todas as suas tramas (a exceção é Berenice procura).

 

Regido pela lógica e ética, o incorruptível delegado Espinosa habitava um universo particular: o bairro Peixoto, em Copacabana, que despertava familiaridade “semelhante à que tiveram os mais velhos com os quintais de suas infâncias”, como descrito em Achados e

perdidos (1998), um dos pontos altos da obra do escritor.



 

Em uma Copacabana nada turística, Garcia-Roza ambientou boa parte de suas narrativas policiais e aproveitou para descortinar aspectos brutais da desigualdade social brasileira.

 

O assassinato de um mendigo, por exemplo, rende não apenas a memorável abertura de Espinosa sem saída (2006) como observações atentas sobre o tratamento que os anônimos recebem das autoridades: “Não podia dispor de dois policiais dos mais competentes para investigar a morte de um homem cuja invisibilidade era tão grande quanto a do seu assassino.”

 

Amante dos livros e das ideias, o delegado com nome de filósofo é “um bom policial” que enfrentou desafios de todos os tipos, inclusive o fascinante drama psicológico Um lugar perigoso. Na despedida, no breve e ágil A última mulher (2019), o oficial lamenta não existir mais espaço para o bem comum.

 

“O que restava era a consciência”, constata, desencantado. Restou bem mais do que isso; uma obra coerente e consistente. Garcia-Roza se foi, Espinosa ficou com a gente.