Repleta de excelentes narradores e pensadores, a produção literária brasileira contemporânea chega a público, apesar do coronavírus. Confira a lista de alguns títulos lançados recentemente e outros que entraram para os catálogos há poucos meses. Todos estão disponíveis no formato digital nos sites das editoras.
UM BRASIL DELICADO
Bibiana e Belonísia estão unidas por muito mais que o laço sanguíneo. Filhas de trabalhadores rurais que tocam uma fazenda da qual não são donos, as irmãs sofrem acidente que limita a fala de uma delas. As duas precisam, então, aprender a se comunicar por meio do olhar e dos gestos. Belonísia e Bibiana são mulheres imersas num universo cruel de desigualdade social, de luta pela terra e da violência histórica que nega, até hoje, o impacto da herança escravocrata na sociedade brasileira.
O romance Torto arado, de Itamar Vieira Junior, protagonizado pelas duas irmãs, já nasce clássico, com raízes profundamente brasileiras e um duro olhar para este país que não consegue se desvencilhar da pior parte de sua história. Em 2018, o livro ganhou o prêmio Leya e foi publicado em Portugal. Em 2019, chegou ao Brasil pela Editora Todavia.
“A ficção é uma forma de comunicação e reflexão ancestral – a capacidade de elaborá-la é o que nos distingue, até onde sabemos, das demais espécies. Desde que nos postamos de pé e passamos a pensar, fazemos ficção. A ficção literária, por sua vez, é uma expressão da arte que nos permite viver a vida do outro. Como a leitura é solitária e a realizamos na intimidade, ela nos permite a troca de vidas com as personagens sem que soframos a censura dos que estão à volta. A literatura é fonte de empatia e humanidade, nos permite expandir horizontes e viver vidas que nunca viveríamos. Leiam para que possamos compreender o mundo à volta e a nós mesmos”, convida Itamar Vieira Junior.
TORTO ARADO
• De Itamar Vieira Junior
• Todavia
• 262 páginas
• R$ 54,90
PARA ENTENDER DE MÚSICA
Há 12 anos, o pianista e maestro Leandro Oliveira está à frente do projeto Falando de Música, série de encontros que ocorrem antes das apresentações da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), na capital paulista, oferecendo explicações referentes ao repertório erudito. Diante de uma lista de dúvidas que se repetem ano após ano, Leandro decidiu escrever o livro Falando de música, recém-lançado pela Todavia.
“Os oito ensaios são um convite bem humanístico. A ideia não é ser um livro técnico ou almanaque, mas uma conversa por meio da qual o sujeito que tem curiosidade pode, de algum modo, abrir o quadro de referências e se estimular pelas questões abordadas”, afirma Leandro.
“Neste momento de crise, a transmissão de concertos e eventos se intensificou muito, grandes instituições estão disponibilizando acervos pra serem assistidos na internet. Alguns estão muito estimulantes, com acesso liberado. É uma boa oportunidade de imersão na grande música”, observa o maestro.
FALANDO DE MÚSICA
• De Leandro Oliveira
• Todavia
• 128 páginas
• R$ 44,90
FRONTEIRAS REAIS E IMAGINÁRIAS
Com mãe brasileira e pai chileno, Alejandro Chacoff nasceu em Cuiabá, no Mato Grosso, e se mudou para os Estados Unidos aos 2 anos. Morou em vários países e, aos 23, trabalhava como analista político em Londres. Certo dia, cansou-se da linguagem dura e presunçosa dos relatórios e se rendeu à literatura. Leitor voraz, em determinado momento sentiu a necessidade de escrever. Assim nasceu Apátridas, romance sobre o filho de um chileno com uma brasileira, cuja trajetória é marcada por questionamentos de identidade e de fronteiras, físicas ou não, que moldam a personalidade e a compreensão do mundo.
“Não sei dizer o que me moveu a escrever Apátridas, da mesma forma que não sei dizer o que move qualquer pessoa a escrever. Suponho que tenha algo a ver com a sensação de deslocamento, essa sensação perpétua de flutuar na beira de algo coletivo – uma família, uma nação, um império – e nunca se sentir completamente parte do todo”, conta o autor.
O livro lida com essas questões de forma bem literal. O narrador é um garoto que volta ao Brasil com a mãe e a irmã depois de uma temporada nos Estados Unidos. O pai, ausente, é a presença incômoda que paira no ar, mas nunca aparece. O menino se sente eternamente deslocado dentro de uma rica família do interior do Mato Grosso. “(O deslocamento) É literal, seja na movimentação geográfica dos personagens, seja na posição social estranha do narrador – um quase agregado, pois nem na condição de agregado ‘clássico’ ele se encaixa –, mas essa é também uma condição que me parece universal”, explica Chacoff. “Pode até soar como uma condição romântica, de certo élan exclusivo, mas ela é também enlouquecedora e cruel, porque todo mundo às vezes sente o desejo, fugaz ou não, de pertencer a algo maior”, observa.
“A pandemia é uma tragédia que vem num momento em que muitos governantes se negam a entender a natureza transnacional de desafios ao bem público. Há duas opções de como reagir a ela: enclausurando-se cada vez mais na xenofobia, ou retomando alguma ideia mínima de co- operação. Sinceramente, não sei que rumo será escolhido. Ficar em casa é obviamente necessário neste momento, pelo zelo à saúde pública. Em um momento de xenofobia exacerbada, talvez de uma forma muito branda o vírus possa dar alguma ideia da violência envolvida na proibição de movimento”, Chacoff.
APÁTRIDAS
• De Alejandro Chacoff
• Companhia das Letras
• 192 páginas
• R$ 49,90