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Estado de Minas

Orlando Drummond, que eternizou Seu Peru, ganha biografia aos 100 anos

Ator e dublador repassa sua trajetória no rádio e na TV em livro escrito pelo jornalista Vitor Gagliardo, que afirma ter aprendido com o biografado a viver com leveza


26/01/2020 04:00 - atualizado 26/01/2020 10:35

Com dois filhos, cinco netos e três bisnetos, Orlando Drummond diz que o maior orgulho de sua vida centenária é a família que construiu(foto: Estevam Avellar/Divulgação)
Com dois filhos, cinco netos e três bisnetos, Orlando Drummond diz que o maior orgulho de sua vida centenária é a família que construiu (foto: Estevam Avellar/Divulgação)
Nos anos 1950, a rádio Tupi se preparava para lançar um jornal que tinha como slogan “Quando o galo canta, o Cacique informa...”. A ideia do noticiário era ser objetivo e curto para que pudesse ser veiculado várias vezes ao longo da programação.
 
A direção da emissora decidiu que precisava conseguir um galo de verdade para cantar nas vinhetas. Um profissional norte-americano foi encarregado da missão. Conseguiu um que, quando entrou no estúdio, não teve forças para cacarejar. Arrumou mais 10 galos, para que o canto ficasse mais forte, mas eles ficaram mudos.

Foi então que um funcionário da Tupi teve uma ideia: “Por que não chamam o Drummond?” Ele se referia ao ex-contrarregra da rádio e agora ator Orlando Drummond, que já carregava a fama de imitar pessoas e animais. Quando entrou no estúdio, todas as aves estavam quietas. Assim que começou a cacarejar, todos os galos fizeram o mesmo. O produtor foi captando o som dos bichos de forma individual e, no fim das contas, o “galo” escolhido foi o de Drummond.

Essa é apenas uma das histórias saborosas que estão na biografia Orlando Drummond – Versão brasileira (Editora Gryphus), que acaba de ser lançada pelo jornalista carioca Vitor Gagliardo. Ator, dublador, comediante e radialista, conhecido sobretudo pelo personagem Seu Peru, na Escolinha do Professor Raimundo, Orlando Drummond  completou 100 anos em outubro passado . “Ele costuma brincar que começou como um galo e terminou como um peru. É uma frase que sempre repete e virou uma espécie de mantra dele”, conta o biógrafo.

Vitor Gagliardo já tinha proximidade com a família do artista. Sua mulher é amiga do dublador Felipe Drummond, neto de Orlando. “Ele é um dos meus ídolos e eu o conheci no casamento do Felipe. Um tempo depois, me veio a ideia: por que não fazer um livro sobre ele? Ele é uma referência na dublagem, uma figura que faz parte da história do rádio, da TV. Fui demorando um pouco para absorver a ideia, amadurecendo-a e procurei a família. Ele sempre se mostrou solícito, desde o começo”, diz.

A ligação do ator com sua família é um dos pontos que mais chamaram a atenção do autor. A paixão praticamente à primeira vista por Glória resultou num casamento de quase sete décadas, com direito a uma lua de mel com a presença do cunhado. “Ao longo das entrevistas que fiz, ele sempre fez questão de enfatizar a importância da família em sua vida. Em alguns momentos, chegou a se sentir um pouco culpado por se dedicar tanto ao trabalho, muitas vezes, em dois empregos. Ele tinha esse dilema”, comenta.

Em depoimento ao Estado de Minas, Orlando Drummond disse que poder contar  sua história é também um modo de falar sobre o que aconteceu no mundo ao longo do último século. “Pude presenciar a tecnologia dos primórdios do rádio, o início da dublagem e da televisão no Brasil. Fui do filme de rolo ao computador de última geração. Minha biografia é um passeio pela história e pela cultura do Brasil”, disse.
 
Livro traz imagens do acervo pessoal de Orlando Drummond, como essa datada de 1937(foto: Acervo Pessoal)
Livro traz imagens do acervo pessoal de Orlando Drummond, como essa datada de 1937 (foto: Acervo Pessoal)


Dublagem

Antes se surgir na TV com seu personagem mais famoso, Orlando teve uma trajetória de sucesso como dublador. Mesmo centenário, ele ainda não a abandonou. “Vez ou outra, faz participações. No ano passado, chegou a dublar para um comercial sobre o desenho animado A caverna do dragão, já que, durante muitos anos, ele emprestou sua voz ao vilão da história, o Vingador”, cita Gagliardo. O neto Felipe, que seguiu o ofício do avô, assim como seus irmãos Alexandre e Eduardo, realizou um sonho recentemente. Conseguiu reunir numa animação da Netflix as vozes de seus irmãos, de Orlando Drummond e de Mariah, sua filha, que, na época,  estava com apenas 1 ano e meio.

O ofício de dublador surgiu por acaso na vida de Orlando Drummond. O primeiro convite veio em 1948,  da parte do compositor João de Barro, o Braguinha (1907-2006). Ele dirigia nessa época as dublagens das produções da Disney no Brasil. Orlando fez uma pequena participação. Vitor relata que, no começo, Orlando não gostou muito da ideia, até porque era uma profissão mal remunerada e ele estava despontando como ator na rádio Tupi.
 
Mas, ao longo do tempo, foi tomando gosto pela coisa e acabou se tornando um expert no assunto. “Ele só foi mergulhar de cabeça mesmo em 1959, quando fez o teste para o seriado Os três mosqueteiros, na pele do Porthos, e passou de primeira. Logo em seguida, ele fez o sargento Garcia, do seriado Zorro, e os convites foram aparecendo”, relata.

Difícil elencar todos os personagens aos quais Orlando Drummond emprestou sua voz. O marinheiro Popeye, Gargamel, Papai Smurf, em momentos distintos no desenho animado Os smurfs; Alf, o ETeimoso, a quem ele diz que conseguiu dar “um jeitão meio carioca”; Pacato e Gato Guerreiro, mascotes do príncipe Adam e do He-man, respectivamente. “Nesse caso específico, a gente vê o talento dele como ator. O Orlando dubla dois personagens com personalidades completamente distintas e num mesmo desenho. O Pacato se transforma no Gato Guerreiro, e o Orlando se transforma junto. É impressionante”, observa o jornalista.

Mas nenhum outro personagem é tão associado à voz do artista carioca como Scooby Doo. Vinte anos antes de dublar o cachorro, Orlando se viu numa situação curiosa. Para evitar um assalto à sua casa, começou a simular latidos que não só espantaram o ladrão como um monte de gatos que viviam a lhe perturbar o sono. “Esse latido ficou meio guardado, e ele acabou usando-o para fazer o teste para o Scooby muito tempo depois”, conta o biógrafo.

Até 1989, a voz de Orlando Drummond era muito mais conhecida do que seu rosto. Até que surgiu a oportunidade de fazer o Seu Peru, mais um personagem gay em sua carreira. “Ele fez vários, tanto que tinha gente que achava que o Orlando era gay também. Certa vez, quando estava interpretando um deles, que era gravado no auditório da rádio Tupi, ele foi abordado por um fã, que lhe passou uma cantada. Orlando não gostou, cortou logo, disse que era um personagem. O cara insistiu, dizendo que estava apaixonado, e acabou rolando até uma briga de socos”, revela o autor do livro.

O nome de Orlando Drummond não foi o primeiro a ser cogitado para viver Seu Peru, mas, até hoje, a identidade do ator que ficaria originalmente com o papel não foi tornada pública. “Ele chegou a fazer teste de figurino, maquiagem, mas, faltando poucas semanas para a estreia da Escolinha, essa figura desistiu. Tinha muito preconceito. Ele achava que não seria legal para a sua imagem. Então o Chico Anysio sugeriu o nome do Orlando Drummond para a diretora Cininha de Paula. Foi um sucesso. Ele até hoje é chamado de Seu Peru nas ruas”, conta o autor.

O que mais impressionou o biógrafo na trajetória do artista foi o fato de Orlando Drummond sempre ter conduzido a vida de uma maneira alegre, mas com responsabilidade. “Ele soube aproveitar todas as oportunidades. Não teve uma vida fácil, trabalhou muito e não é à toa que conseguiu todo esse reconhecimento. Orlando é um homem apaixonado pela família, pelo que faz, sempre alto-astral e que baseou muito a sua vida no amor e no humor. Tento incorporar ao meu dia a dia um pouco do que aprendi com ele durante essa convivência e deixar as coisas mais leves.”

(foto: Gryphus/Reprodução)
(foto: Gryphus/Reprodução)


Orlando Drummond  
Versão brasileira
• De Vitor Gagliardo
• Gryphus Editora (340 págs.)
• R$ 69,90


TRÊS PERGUNTAS PARA...
Orlando Drummond,
ator

Do que o senhor tem mais orgulho em sua trajetória pessoal e profissional?
São 100 anos! Uma carreira recheada de lembranças boas e uma vida cheia de memórias felizes. Mas nada me deixa mais orgulhoso e realizado do que a minha família. São 67 anos ao lado da minha Glória, dois filhos que me enchem de orgulho, cinco netos e três bisnetos. E, para minha alegria, três dos netos seguiram minha carreira na dublagem e os outros dois são brilhantes advogados. Dois dos bisnetos já experimentaram esse maravilhoso mundo da dublagem. Minha pequena Mariah, com 3 anos, é meu xodó! 

A biografia mostra que Minas Gerais está presente em alguns momentos importantes de sua vida. Como é sua ligação com o estado e com os mineiros?
Sou um eterno apaixonado por Minas Gerais. São Lourenço sempre foi o meu lugar favorito. Não à toa sou cidadão honorário da cidade. Tenho apenas lembranças maravilhosas de Minas e de seu povo. Que saudade de visitar São Lourenço! (A cidade se tornou um refúgio da família Drummond, desde que Orlando a conheceu, em 1973.)

Sendo uma pessoa do humor, o que o faz rir em 2020?
Gosto de rir das pequenas coisas do dia a dia. De um sorriso da minha pequena Mariah (bisneta). De um carinho da minha Glória. Costumo dizer que a palavra mais próxima de amor é humor. E eu tenho muito amor à minha volta. Talvez por isso o humor seja tão importante e tão presente em minha vida












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