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Iniciativa pioneira no país debate a associação da foto a manifestações artísticas

Trabalho do mineiro José Lara, que participa de residência artística no Fórum de Fotoperformance, no BDMG Cultural - Foto: fotos: Fórum de Fotoperformance/Divulgação
Nos anos 1950, Flávio de Carvalho (1899-1973) desfilou pelas ruas de São Paulo com o New look, traje de verão para o homem dos trópicos – blusa de manga curta, saia, chapéu, sandálias e meia arrastão. Entre as décadas de 1960 e 1970, Teresinha Soares (1927) protestou contra a morte do meio ambiente em happenings onde foram apresentadas obras como Vida, morte e ressurreição. Também nos 1960, Lygia Pape (1927-2004) realizou pela primeira vez Divisor, colocando um grupo grande de pessoas preenchendo um tecido de 30 metros por 30 – somente a cabeça aparecia nas várias aberturas do pano.
 
Todos esses trabalhos são performances históricas que dialogaram diretamente com seu tempo. Na contemporaneidade, onde a performance ganhou até mesmo um verbo inventado (performar, que se refere a desempenho) e a imagem uma importância vital, a fotoperformance emerge no cenário das artes. “Se na performance pensávamos numa arte imaterial, a fotoperformance já vem materializada para um objetivo, que é a fotografia”, comenta o artista Paulo Nazareth.
É com o objetivo de trazer mais perguntas do que respostas que o BDMG Cultural promove desta quarta (23) a sábado (26) o Fórum de Fotoperformance. Primeiro evento do gênero no país, a iniciativa pretende aliar teoria e prática através de palestras, mesas-redondas, lançamento de livro e residência artística.
 
Luiza Palhares, Ludmilla Ramalho e Lucas Dupin, organizadores do Fórum de Fotoperformance - Foto: Paisagem Lava/Divulgação
Nas duas últimas semanas, seis jovens artistas selecionados através de convocatória fizeram uma residência na galeria do BDMG Cultural. Cada um levou seu próprio projeto – também nesta quarta, na abertura do fórum, haverá um ateliê aberto, em que os artistas vão apresentar os trabalhos desenvolvidos neste período.
 
“Enquanto conceito, a fotoperformance é algo bem recente”, afirma o artista Lucas Dupin, que idealizou o fórum ao lado de Ludmilla Ramalho e Luiza Palhares. “Às vezes há uma série de produções e a conceituação só vem depois.
Desde os anos 1960 e 1970 você já tem artistas trabalhando em performance e fotografia ao mesmo tempo. E cada artista acaba dando seu nome. A Lenora de Barros (que participa do evento através de videoentrevista) chama de Fotopoemação, pois sua obra tem relação com a literatura.”
 
Para Dupin, com a facilidade de acesso aos meios de produção e circulação da imagem, tem crescido o número de artistas do campo da performance que vão para o campo da imagem. “Muitos não só para serem documentados, mas para circular virtualmente”, acrescenta. Para ele, a diferença entre a performance e a fotoperformance está na “qualidade da experiência”. “A performance engloba a experiência do tempo e do espaço. Já na fotoperformance é possível construir em cima da própria imagem uma narrativa sobre a ação.”
 
Artista Lenora de Barros, que participa do Fórum de Fotoperformance - Foto:
Paulo Nazareth, um artista cuja obra trafega em diferentes suportes, participa de palestra no último dia do fórum.
“A questão da performance não é nova. O que é novo é quando ela passa a ser apresentada quase que como um produto dentro da história da arte. Se na performance pensamos em uma arte imaterial, a fotoperformance já traz materializado um objeto, no caso, a fotografia.”
 
Em trabalhos que atuam neste campo, Nazareth busca pensar na fotografia “como uma extensão da performance, já que ela traz essa permanência para um ato instantâneo.” Um bom exemplo da obra do artista que trafega neste suporte é a série de autorretratos Objetos para tampar o sol dos seus olhos. Nas imagens, Nazareth aparece com folhas de bananeira e taiobeira na cabeça. “Nesse trabalho, a ação foi destinada à própria fotografia”, acrescenta.

Perfil falso no Instagram


Desde 7 de outubro, seis artistas – os mineiros Bruno Rios, José Lara, Julia Baumfeld, Lorena D'arc, o gaúcho David Ceccon e a baiana Jéssica Lemos –, selecionados entre 150 inscritos de todo o país, trabalham em uma residência artística do Fórum de Fotoperformance. Além de trabalhar em seus projetos, o grupo participou de encontros com os artistas Ana Luisa Santos, Adolfo Cifuentes, Guilherme Cunha e Marco Paulo Rolla.
 
Nesta noite, no ateliê aberto, o grupo vai apresentar o resultado dessa residência. Graduado na Escola de Belas Artes da UFMG, José Lara, de 28 anos, descobriu a fotoperformance mais recentemente – até então, seu trabalho era principalmente em pintura e desenho. Na residência, ele trabalhou em uma pesquisa “baseada no processo de transformação da paisagem do Quadrilátero Ferrífero desencadeada pela mineração”.
 
Através de expedições em Ouro Preto, Nova Lima e Itabirito, entre outras localidades, Lara recolheu imagens, objetos, impressões.
Durante a residência, ele trabalhou com dois elementos: o minério de ferro e a terra. “A partir deles, propus situações de contato direto e íntimo do meu corpo com os elementos da natureza. Penso no quão desproporcional são as escalas entre o corpo humano e a paisagem que é minerada. Por um lado, temos máquinas enormes revirando a terra, trens carregando o minério até o litoral para ser exportado, e por outro temos o corpo humano, que não suporta muito peso.”
 
Entre as imagens geradas na pesquisa estão a do próprio artista descalço, de calças brancas, batendo com os pés no solo e levantando poeira. Um segundo trabalho reúne 11 tentativas de equilibrar 11 diferentes pedras na ponta dos dedos.
 
Gaúcho de 27 anos, David Ceccon veio a BH pela primeira vez com um projeto bem diferente. “Venho trabalhando com diferentes mídias questões como construção de identidade, de gênero”, ele comenta. Seu projeto, cuja residência mineira só marcou o início, será completado pela internet – Ceccon espera trabalhar nele por pelo menos mais um ano.
 
O artista criou no Instagram o perfil Mais uma viagem código, que é falso. “Minha ideia é brincar com a vida falsa que a gente constrói a partir da imagem. O perfil se assemelha ao das blogueiras”, diz ele, que tem interesse em falar “da vida utópica, perfeita”, das redes. No perfil, David Ceccon aparece como Marina Martin e se apresenta como uma pessoa que “ama viajar, comer e explorar lugares fora do circuito turístico tradicional”.
 
Através de fotos, ele, com o corpo montado de Marina, se coloca em lugares em que nunca esteve.
“São imagens em fundo infinito, locações em que recorto, edito e crio uma situação fictícia. Sou David, mas contruí uma mulher rica, maravilhosa e que viaja. Ou seja, é uma existência que vai além da construção da própria pessoa.”

"Às vezes há uma série de produções e a conceituação 
só vem depois. Desde os anos 1960 e 1970 você já tem artistas trabalhando em performance e fotografia ao mesmo tempo. E cada artista acaba dando seu nome”
Lucas Dupin, artista e um dos idealizadores do Fórum Fotoperformance

FÓRUM DE FOTOPERFORMANCE

De quarta (23) a sábado (26), no BDMG Cultural – Rua Bernardo Guimarães, 1.600, Lourdes. Inscrições gratuitas pelo link www.bit.ly/forumfotoperformance

PROGRAMAÇÃO

Hoje (quarta)
19h – Abertura seguida de ateliê aberto e conversa com os artistas residentes

Amanhã (quinta)
19h – Palestra com Ayrson Heráclito (BA)
20h15 – Videoentrevista com Lenora de Barros (SP)
20h30 – Mesa-redonda Fotoperformance e a autonomia da imagem, com Ayrson Heráclito (BA), Luciano Vinhosa (RJ) e Rodrigo Braga (AM)

Sexta (25)
19h – Palestra com Rodrigo Braga (AM) e lançamento do livro Rodrigo Braga – Gerações de um Pernambuco contemporâneo, organizado por Rebeka Monita
20h30 – Videoentrevista com Grupo Empreza (GO)
20h45 – Mesa-redonda Isso é arte? Fotoperformance em tempos de redes sociais, com Aleta Valente (RJ), Ana Luisa Santos (MG) e Carlos Mendonça (MG)

Sábado (26)
10h – Palestra com Marcos Hill (RJ)
11h30 – Mesa-redonda F(r)icções: crenças, discursos, fronteiras, com Dalton de Paula (DF), Marcos Hill (RJ) e Paulo Nazareth (MG) 
 
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