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Livreiro do Alemão defende literatura democratizada

Fãs de literatura passaram pelos diversos estandes do FLI-BH, no encerramento do festival literário neste domingo no Parque Municipal - Foto: Fli-BH/Divulgação
Um livro achado em um lixão mudou a história do carioca Otávio Júnior, conhecido como o Livreiro do Alemão. Ele lembra que tinha 9 anos, morava no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e saiu para jogar bola com os amigos. Mas, no meio do caminho, deparou com o livro Don Gatón dentro de uma velha caixa de brinquedos. A obra lhe chamou a atenção. Ao folhear o livrinho, sentiu ali, naquele momento, que a literatura poderia mudar radicalmente a trajetória de sua vida.

E foi exatamente isto que ocorreu, garante o escritor, hoje com 36 anos. Otávio conta que descobriu sua grande paixão pela literatura a partir daquele dia, no lixão. Desde então, ele passou a frequentar a pequena sala de leitura da escola, depois as bibliotecas do bairro e, posteriormente, as da cidade. Assim nasceu a vontade de se tornar escritor.
O autor de Chefão lá do morro e O garoto da camisa vermelha, ambos pela Editora Autêntica, participou ontem em Belo Horizonte da mesa “Encontro com o escritor: O Livreiro do Alemão e suas histórias”, no encerramento do Festival Literário Internacional (FLI-BH), onde também autografou sua obra.

Otávio lembra que encontrar aquele velho livrinho foi uma experiência transformadora e que deu origem, anos depois, ao projeto Ler é 10 – Leia Favela, que busca aproximar a literatura dos moradores das comunidades e formar leitores. O escritor conta que projeto virou ponto de leitura oficial em 2011, com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e, hoje, soma diversos prêmios – um deles concedido pelo Comitê da Direção da Biblioteca Popular Maria Teresa, de Buenos Aires.

Para o Livreiro do Alemão, sua história ainda está sendo construída. Mas ele faz questão de ressaltar que já tem grande parte dela vivida e escrita. “Denomino minha história como um conto de encantamento ambientado na favela, pois todas as vezes que a conto, ela tem um grau de emoção muito grande. E esta emoção me toma, de certa maneira, que chego a ficar impressionado. Ao contar a minha história, consigo arrepiar e emocionar muitas pessoas.”

O escritor garante que sua trajetória, além de ser contada com amor e carinho, tem um propósito. “Acredito que aquele livro encontrado no meio do lixão não estava ali por acaso.
Creio que fui escolhido para representar milhões de pessoas que vivem no contexto de favela e querem ser representadas nas diversas esferas culturais, como a literatura, cinema, artes, TV e música.”

A literatura chegou para Otávio em forma de presente. “Em uma caixa, no meio do lixo, onde as pessoas de certa forma descartam tantas coisas. Eu, criança, caminhando no meio do lixão, indo para uma das grandes paixões de minha vida, que é também o futebol, e   encontro ali, dentro de uma velha caixa, um objeto que acabou transformando a minha vida. A partir desta transformação, meu desejo foi o de transformar a vida de outras pessoas, porém usando a literatura como ferramenta.”

Otávio conta que já parou para pensar por diversas vezes na trajetória de sua vida, uma vez que vários meninos passaram pelo mesmo caminho e nem deram conta do livro ali jogado. “Acredito que eu até poderia ter, de certa forma, outros contatos com a literatura no decorrer de minha vida. Acredito também que não fugiria disso, mas da forma como aconteceu foi justamente para valorizar mais o objeto livro.”

Engajamento

Ele entende que a literatura tem o poder de fazer com que muitas pessoas possam desviar o seu caminho, evitando o lado errado. “Faço algumas análises nessa questão da literatura, do engajamento que ela tem, da sua potencialidade em transformar vidas. Mas ela precisa ser difundida, democratizada, porque vivemos em um país que não valoriza os fazedores de arte.
Sobretudo, os de literatura, história escrita, datada. Percebo é que se fosse dado a importância que ela merece nas comunidades, zonas rurais, periferia, ribeirinhas, ela poderia potencializar muitas pessoas, sou prova viva dessa transformação.”

Assim, o escritor acredita que, como sua vida foi transformada, a de outras pessoas também poderia ser. “Tenho experiência nessa questão da democratização, do acesso à literatura em zonas populares. Desenvolvi projeto Ler é 10 – Leia Favela justamente com o objetivo de aproximar pessoas de classes menos favorecidas do objeto livro. Tive muitas oportunidades de me capacitar na área de promoção de leitura, contação de histórias, escrita de textos, mediação de leitura.”

Otávio defende ainda que as oportunidades que ele teve de se capacitar devam ser retornadas para a sociedade. “Todos os conhecimentos que adquiri, oportunidades que tive em relação à literatura devem ser devolvidos à sociedade. Sou um grande sonhador. Acho que o ápice do ser humano é ter seus sonhos realizados e, por causa da literatura, estou tendo esse privilégio de realizar um sonho.”

O escritor também quer capacitar outras pessoas para replicarem o que aprenderam e vivenciaram em suas comunidades. “Isto seria transformador. O Livreiro do Alemão é de 2011 e surgiu, justamente, por causa desta demanda de contar as minhas histórias de superação, sobretudo com os projetos e promoção de leitura.
Queria muito que contassem as minhas experiências para que outras pessoas tivessem as ações devidas para replicá-las em outros lugares, não só no ambiente periférico, mas no rural, ribeirinho, enfim servir como inspiração.”

Na telona

Um dos projetos de Otávio é conseguir transformar a história de sua vida em um filme. “Atualmente, estou me capacitando, estudando roteiro, cinema e produção para que possa fazer a adaptação para o cinema. Paralelamente a esse projeto, pretendo fazer uma série infantil, ambientada na favela, pois também escrevi Da minha janela (Cia. Das Letrinhas) e o Grande circo favela (Estrela). ”

No caso do Livreiro do Alemão, o escritor lembra que se inspirou muito no contador de histórias mineiro Roberto Carlos. “Ele teve um longa-metragem inspirado na vida dele e a minha ideia é fazer algo similar. Assim como ele inspirou muita gente, acredito que a minha história também possa inspirar outras pessoas. Vejo que há uma carência de inspirações, de bons exemplos.”

FLI-BH destaca força da oralidade



De acordo com Lídia Mendes, gerente de Bibliotecas e Promoção da leitura da Prefeitura de Belo Horizonte e coordenadora da edição 2019 do Festival Literário Internacional (FLI-BH), o evento ficou dentro das expectativas dos organizadores. Segundo ela, os números serão divulgados no decorrer da semana.  “Posso dizer que tivemos um público bastante interessante, principalmente na abertura, que foi em homenagem ao poeta mineiro Adão Ventura.”

Lídia conta que esta edição lembra um pouco, em termos de estrutura e propósito, a de 2015, que também foi realizada no Parque Municipal. “Só que com algumas inovações, tanto na execução quanto na visão de curadoria, que trouxe a força da oralidade como originária da literatura.
O FLI-BH é uma grande celebração em torno do livro e de como que ele pode disparar e fazer nascer outras ações de promoção da leitura, da escrita, a partir disso.”
A coordenadora ressalta que a edição do FLI-BH/2021 já está garantida, mas ainda sem data marcada para a sua realização.  
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