O título do livro de Yascha Mounk é dramático: O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la (Ed. Cia das Letras). Para o cientista político alemão, formado em Harvard e professor da Universidade Johns Hopkins, o panorama da situação mundial é preocupante. Com agudeza, ele faz um mapeamento crítico ao observar que as quatro maiores democracias do mundo (Estados Unidos, Índia, Rússia e Brasil) são governadas por líderes populistas. Aponta três fatores essenciais para que os cidadãos elejam inimigos da democracia: estagnação dos padrões de vida, medo da democracia multiétnica e supremacia das mídias sociais.
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Diagnóstico não é uma palavra boa.
Como chegamos a essa situação em que o povo se coloca contra a democracia?
É muito importante achar uma explicação comum: há duas raízes particularmente importantes da crise democrática. Uma das coisas relevantes é a crise de legitimidade.
De que maneira isso afeta o Brasil?
Você vê isso no Brasil também, que até viu melhora no padrão de vida, mas agora há profundo desencantamento com a corrupção, com a maneira como as instituições não conseguem ser responsivas para a demanda das pessoas e o medo do futuro. O segundo fenômeno importante é a rápida transformação demográfica e cultural em muitas democracias. Quando eles foram estabelecidos e consolidados, muitos desses países eram relativamente homogêneos e hierárquicos. Nas últimas décadas, isso começou a mudar por causa da imigração, das desigualdades e por causa de coisas como a igualdade das mulheres e o sucesso dos movimentos gays.
Isso é bom ou nocivo para o equilíbrio social?
Pessoalmente, acho que são coisas muito boas, e por isso é fácil esquecer que, para algumas pessoas, isso significou perda de status social e de vantagens e privilégios. Pense em um homem comum, de uma cidade média comum. Há 20 ou 30 anos, ele poderia dizer que uma quantidade pequena de homens era homossexual, que havia maioria de nativos.
Por que a democracia, que parecia consolidada no Brasil, revelou-se tão frágil?
O Brasil sofre de causas óbvias do populismo que parecem ter um grande papel em vários contextos. Pode ter sido surpresa o crescimento de Jair Bolsonaro. Mas acho que houve também transformações rápidas que ajudam a dar sentido a isso. Primeiro, foi a completa deslegitimação do sistema político por causa dos escândalos de corrupção. E como não há ‘ninguém confiável’ nesse meio, um completo outsider pode vir e, como diria Donald Trump, drenar a lama. O segundo ponto é o quão rápido foi a transformação dos valores econômicos e sociais. Catolicismo perdeu influência, direitos humanos, das mulheres e dos gays cresceram. Isso deixou uma distância para a população que perdeu com esse desenvolvimento.
Por que candidatos que atacam as instituições democráticas têm atraído tanto os eleitores?
Algumas dessas pessoas que menciono no livro, como Bolsonaro, Maduro e Hugo Chaves, são de espectros muito diferentes. Mas o que esses populistas têm em comum é a alegação de que todos os partidos políticos e instituições são corruptos e precisam ser retirados de cena e que eles – e apenas eles – representam as pessoas comuns.
Qual o peso das redes sociais na nova configuração política do mundo globalizado? Elas propiciaram a emergência de um novo tipo de populismo?
Há três causas principais para o populismo. Mudanças econômicas e culturais são muito importantes, mas desde que as mídias sociais se tornaram politicamente ativas, 20 ou 30 anos atrás, boa parte da mídia tradicional tinha a habilidade de definir o que era ou não parte do sistema político. Quando as pessoas tentavam divulgar mentiras, posicionamentos racistas ou discriminatórios, eles tentavam empurrar esse tipo de discurso para as margens do sistema político. O aparecimento das mídias sociais minou a habilidade da mídia tradicional de atuar junto a esses gatekeepers. E com muitas pessoas desapontadas com a classe política, desorientadas com as mudanças sociais, isso se torna perigoso coquetel.
Qual a análise que você faz do caso brasileiro?
Com a eleição de Jair Bolsonaro, vemos no Brasil um manual clássico do populismo autoritário. Bolsonaro, na campanha, deixou claro que acredita ser o único e verdadeiro representante do povo, denegriu a oposição, atacou a legitimidade de instituições independentes e falou em bons termos do passado autoritário. Fica claro que isso o qualifica como um populista. E as pessoas que usaram um registro similar ao dele no passado corromperam o sistema político de maneira substancial. Uma minoria desses líderes populistas deixou o cargo quando vieram as eleições.
Que sinais vislumbra na luta pela democracia?
Estamos nos estágios iniciais da ascensão de governos populistas em vários países ao mesmo tempo. A evidência é que talvez a maioria vá se organizar para defender suas instituições democráticas, ao menos a curto prazo. Mas outros, como a Hungria ou a Turquia, caminham para uma ditadura. Devemos ser otimistas ou pessimistas? Acho que é a pergunta errada. Ainda não podemos saber o que o futuro reserva, não podemos também ter a democracia global como garantida. E essa é uma razão para se energizar e lutar por valores políticos, porque o futuro pode depender de como atuarmos agora. (Colaborou Nahima Maciel).