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Artistas retiram obras do Memorial da Vale em ato de protesto

Artistas que tinham obras expostas no Memorial Minas Gerais Vale decidiram retirá-las do espaço criado e mantido pela Vale desde 2010,em sinal de protesto contra o "crime ambiental" ocorrido em Brumadinho na sexta-feira passada (25), com o rompimento da barragem do córrego da Mina do Feijão. Os números oficiais nesta quarta-feira apontam 84 mortos e 276 desaparecidos. 

 

A mostra coletiva promovia uma retrospectiva dos cinco anos de vigência (2013 a 2018) do edital para jovens artistas mineiros promovido pelo Memorial Minas Gerais Vale.  Em carta aberta, assinada por 17 dos 18 artistas integrantes da exposição, eles criticaram duramente a companhia e o mecanismo de promoção da marca via fomento às artes utilizado por grandes empresas brasileiras.

“Em repúdio à empresa patrocinadora responsável pelo crime ambiental em Brumadinho e em solidariedade a todas as vítimas dessa atrocidade, comunicamos a retirada coletiva das obras em exposição no Memorial Minas Gerais Vale, localizado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, e da posterior itinerância da mostra em outros espaços culturais mantidos pela Vale no Brasil’, diz o documento. Assinam o texto: Adriel Martins Visoto, Camila Otto, Carolina Cordeiro, Cleverson Salvaro, Daniella Domingues, Efe Godoy, Estandelau, Gilson Rodrigues, Luísa Horta, Luiza Nobel, Luiz Lemos, Marina RB, Renata Laguardia, Ricardo Burgarelli, Victor Galvão, Walter Gam e Xikão Xikão.

A mostra foi aberta em 18 de dezembro passado e ficaria em cartaz até o próximo dia 17 de março, nas salas de exposição temporária, no terceiro piso do museu. Desde o rompimento da barragem em Brumadinho, o Memorial Vale anunciou que ficaria fechado até o próximo dia 4.

 

O Edital Jovens Artistas Mineiros contempla, anualmente, trabalhos voltados para as artes visuais, como pintura, desenho, vídeo, instalações e fotografias, de profissionais locais no início de carreira. Além de ter seus trabalhos exibidos no espaço, os selecionados recebiam um prêmio no valor de R$ 7 mil. Depois da exposição no prédio da Praça da Liberdade,  a exposição seguiria para o Museu Vale, em Vila Velha, no Espírito Santo, como parte do Programa de Itinerância da Fundação Vale.

A retirada das obras vem como uma forma de protesto do grupo contra a mineradora. “Ao longo dos últimos três anos, vimos que as ações de reparação e sanções do Estado falharam com relação a Bento Rodrigues.

Com Brumadinho, acreditamos que não será diferente. Deste modo, optamos por desvincular completamente nossos trabalhos e nossas pesquisas de um espaço mantido por uma empresa que falha em firmar seus compromissos elementares com a sociedade, como a garantia a segurança de suas operações para o meio ambiente, de seus próprios trabalhadores e da população que convive em proximidade com suas operações”, diz outro trecho.

Uma das artistas que assina o documento, Luísa Horta, contemplada no edital de 2013 pela instalação Guerra dos perdidos, afirma que o grupo não tem a intenção de remontar a exposição em outro lugar ou promover alguma ação artística relacionada à tragédia de Brumadinho.

 

“É muito importante dizer que esse horror é irrepresentável. Não existe imagem que dê conta do que aconteceu. Nesse momento, respeitamos o luto. A gente enxerga a recusa, o não, como uma forma criativa. A gente planeja apenas retirar esse trabalho de lá, sem usar o desastre para promoção pessoal ou do próprio grupo.

É uma medida de protesto contra a empresa”, diz.

A artista plástica Carolina Cordeiro, que estava com sua exposição Entre na retrospectiva, reforça a ideia de simbologia da decisão. “É um ato simbólico. A carta explica que isso não serve para reparar absolutamente nada, mas que os artistas estão atentos e organizados para tentar, a partir de um mínimo de ações e mesmo que seus trabalhos não tenham relação direta com uma crítica mais efusiva, mudar, de alguma forma, um sistema muito cruel que atrela a cultura a uma empresa criminosa como essa”, afirma.

 

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Memorial Minas Gerais Vale informou que “respeita a opinião dos artistas e está providenciando a retirada das obras”. O espaço, localizado no prédio onde funcionava a antiga Secretaria de Estado de Minas Gerais, interrompeu suas atividades no sábado passado (26). Em comunicado enviado à imprensa, o Memorial justificou a decisão dizendo que “em decorrência do ocorrido em Brumadinho, todos os esforços da empresa, neste momento, estão concentrados nas ações de resgate e apoio aos atingidos e familiares”. 

 

Confira a íntegra da carta aberta dos artistas:

"Nós, artistas participantes da mostra retrospectiva que está sendo realizada no museu Memorial de Minas Vale, em repúdio à empresa patrocinadora responsável pelo crime ambiental em Brumadinho e em solidariedade a todas as vítimas dessa atrocidade, comunicamos a retirada coletiva das obras em exposição no Memorial Minas Gerais Vale, localizado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte e da posterior itinerância da mostra em outros espaços culturais mantidos pela Vale no Brasil.

Instalado na antiga sede da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais, o edifício público localizado na Praça da Liberdade em Belo Horizonte é ocupado desde 2010 pela Fundação Vale, braço social da empresa. Esse tipo de fomento institucional de artes visuais é dominante em nosso país, que por meio de parcerias público-privadas, permite que empresas ocupem espaços que deveriam ser de uso amplo e democrático, para mecanismos de publicidade exagerados, utilizando parâmetros abusivos de divulgação de práticas culturais.

A mostra traz os artistas contemplados no edital de exposições do Memorial de Minas Vale, que existe desde 2013. Ao longo dos últimos três anos, vimos que as ações de reparação e sanções do Estado falharam com relação a Bento Rodrigues.

Com Brumadinho, acreditamos que não será diferente.

Deste modo, optamos por desvincular completamente nossos trabalhos e nossas pesquisas de um espaço mantido por uma empresa que falha em firmar seus compromissos elementares com a sociedade, como a garantia a segurança de suas operações para o meio ambiente, de seus próprios trabalhadores e da população que convive em proximidade com suas operações.

Entendemos que este gesto não possui efeitos de contribuição para a redução do sofrimento dos atingidos nem para a reparação dos danos causados por esse crime. Mas acreditamos que, neste momento, todas as ações, mesmo que simbólicas, devem ser lançadas para confrontar as narrativas que escondem a real atuação de empresas de mineração como a Vale S.A.


Dizemos não:

à contaminação sem precedentes de rios e mares no curso da lama

ao pó de minério que se acumula sobre casas, ruas e pulmões

à apropriação e ao uso indiscriminado das águas potáveis nas regiões onde estão instaladas as mineradoras

ao vazio de apoios, indenizações e esclarecimentos aos atingidos pelos crimes anteriores

à negligência chocante quanto às medidas preventivas, e protetivas, que poderiam impedir a ocorrência deste terrível crime humano e ambiental

à esquiva da responsabilidade do maior ecocídio já ocorrido em território brasileiro

à forma como são edificadas as políticas culturais de patrocínio que privilegiam a publicidade de empresas privadas em detrimento de políticas públicas de qualidade

ao cinismo programático admitido no mecenato, que utilizam obras e ações artísticas para maquiar atividades corporativas que desrespeitam os direitos básicos dos trabalhadores

à lavagem de dinheiro e à corrupção expressa deliberadamente na relação entre gestores institucionais e a iniciativa privada

à ocupação de prédios públicos por empresas que não respeitam a vida nem o meio ambiente, tampouco contribuem para uma formação diversa de público e sociedade

e aos modelos de progresso que cancelam o futuro.


Destinado a manter as tradições artísticas e culturais do povo de Minas Gerais, o memorial deveria, a partir de agora, abrigar testemunhos da desertificação de sua paisagem, os vestígios da barbara ação contra as comunidades e priorizar a preservação da memória daqueles que foram afetados pelo soterramento de princípios básicos humanos, os mesmos expostos nas diretrizes prioritárias da Fundação Vale como "a vida em primeiro lugar" e o "cuidado com o planeta".

É necessário esclarecer que iniciativas como o Edital Para Jovens Artistas e outras ações artísticas promovidas no espaço do Memorial Minas Gerais, a Vale S.A., são apenas obrigações da empresa com a sociedade por meio de sua fundação, utilizando o dinheiro de renúncia fiscal para o enriquecimento do fluxo cultural da cidade. Tais recursos são implementos de ações de responsabilidade do Estado, que poderia operar as mesmas verbas sem a utilidade de parcerias com a iniciativa privada.

Gostaríamos de agradecer a toda a equipe de arte, educação e segurança envolvida na realização desta exposição, trabalhadores de tamanha competência, disposição e generosidade, que cuidadosamente dividiram conosco a montagem, produção e divulgação das obras.


Belo Horizonte, 29 de janeiro de 2019

Assinam:

Adriel Martins Visoto
Camila Otto
Carolina Cordeiro
Cleverson Salvaro
Daniella Domingues
Efe Godoy
Estandelau
Gilson Rodrigues
Luísa Horta
Luiza Nobel
Luiz Lemos
Renata Laguardia
Ricardo Burgarelli
Victor Galvão
Walter Gam
Xikão Xikão"


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