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Peça, exposição e jantar são atrações no primeiro fim de semana do VAC 2019

Chef Carlos Normando comanda o Projeto Gororoba - Foto: acervo pessoal

Resistência. Essa palavra perpassa toda a 13ª edição do Verão Arte Contemporânea (VAC), em cartaz até 17 de fevereiro, em Belo Horizonte. Organizado pelo coletivo Oficcina Multimédia, o festival se propõe a oferecer espaços de afirmação das liberdades de expressão e existência.

Política e poética se cruzam na peça O atormentador, da Cia. Absurda, atração do fim de semana. A partir de livros do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, a montagem traça um panorama da história da América Latina – da colonização espanhola e guerrilhas dos anos 1970 à contemporaneidade.

“Baseamo-nos em fragmentos do Galeano, a partir de pílulas que ele constrói em seus livros, guiado pela história não oficial, a partir do olhar e da oralidade do povo”, explica o diretor e dramaturgo Eid Ribeiro. “É uma obra com muitos eixos poéticos, baseada em lendas dos povos indígenas e em poéticas próprias do autor, que nascem de sua existência e de sua relação com a humanidade.”

Com referências ao cinema mudo e à arte clown, os atores Glauce Guima Rães e Nino Batista se distanciam da proposta naturalista. Não há diálogo entre eles. A narrativa se dá com os espectadores.

“Pulsamos entre a política e a poética, sem especificar contextos históricos, mas adotando o olhar do autor para o sistema, a máquina e a colonização dos povos”, observa Eid. Galeano escreveu o clássico As veias abertas da América Latina, sobre a submissão de países da região aos centros do poder na Europa e EUA.

A Cia. Absurda adota o “teatro de guerrilha”, de acordo com seu diretor. Com poucos aparatos cênicos, os atores se apresentam em ruas, pátios de colégios e pequenas salas. “É a nossa maneira de sobreviver com um teatro criativo, poético e com profundidade. Não queremos exibir um simples discurso político. A política entra no espetáculo como reflexão, não como discurso definido e fechado em si”, assinala Eid.

Trabalhos de Daniel Jack, no Sesc Palladium, remetem a signos urbanos contemporâneos - Foto: VAC/Divulgação

AFETO “Minha forma de resistir é cozinhar”, diz o chef Carlos Normando, representante da gastronomia na programação do VAC.

Na infância, ele sofria bullying por compartilhar do gosto da avó pela culinária. Desse contato nasceu o prazer da criação e preparo de receitas. Normando conta que, apesar da formação em gastronomia, desenvolve a “cozinha afetiva”.

Nesta sexta-feira (25), ele apresenta seu Jantar Secreto no Centro de Referência da Juventude (CRJ), com entrada, prato principal e sobremesa. Desde 2016, o chef desenvolve a ação por meio do Projeto Gororoba – levado ao festival no ano passado, pela primeira vez. O próprio nome expressa a proposta de desmitificar a gastronomia e torná-la mais acessível.

“Tento ressignificar os alimentos e reativar memórias por meio da comida. Uso ingredientes simples do nosso dia a dia, como abóbora, quiabo e peixinho, colocando-os em outro patamar”, explica Normando. O jantar é para apenas 30 pessoas e os ingressos costumam acabar rapidamente. A expectativa é de que nos próximos VACs o projeto ganhe mais edições.

Normando faz questão de manter segredo sobre o prato de hoje à noite.  Mas dá uma dica: “Posso adiantar que será um menu típico, bem mineiro e brasileiro.”

'Visages, villages', de Agnès Varda, será exibido em mostra dedicada à cineasta - Foto: VAC/Divulgação

URBANO No fim de semana, é possível conferir a exposição Ganho secundário, com obras do artista plástico Daniel Jack, atração do Projeto Parede, no Sesc Palladium.

Utilizando chapas de metal e materiais recicláveis em instalação e mural, ele investiga os agentes que tornam a paisagem urbana um organismo vivo.

“Minha pesquisa envolve elementos efêmeros que aparecem nas cidades, como as pichações, que logo são apagadas”, conta Daniel Jack. “Meu trabalho busca reorientar o olhar do espectador para o ambiente urbano. Muitas vezes, certas imagens passam despercebidas por não levarmos em conta a beleza que existe nelas.”

 

Homenagem a precursores

A programação do VAC homenageará a cineasta Agnès Varda, de 90 anos, precursora da nouvelle vague, com a exibição de seus filmes a partir de fevereiro. O show Voa menino, voa fechará a programação, também no mês que vem, com tributo ao dramaturgo e diretor João das Neves, morto em agosto de 2018. A apresentação reunirá a cantora Titane, viúva do teatrólogo, e o compositor e instrumentista Rufo Herrera, além de convidados especiais.

 

“Tanto Agnès quanto João das Neves dedicaram a vida à arte. Entre eles, existe uma afinidade na pesquisa de linguagem. Nunca foram artistas comerciais, sempre atuaram na experimentação”, diz o curador Jonatha Horta Fortes.


Também curadora do VAC, Ione de Medeiros lembra que João das Neves revolucionou o teatro brasileiro em montagens como O último carro, na década de 1960. “Ambos representam rupturas muito grandes, pois abriram caminhos inéditos, fora dos espaços convencionais”, observa.

De acordo com Jonatha, o VAC reúne trabalhos com posicionamentos muito claros, que dão voz à complexidade da sociedade contemporânea. O curador lembra os constantes ataques à cultura e a necessidade de discutir questões relacionadas a raça, sexo e gênero.

“O festival valoriza a arte da experimentação e pesquisa, cujo interesse não é o lucro financeiro, mas promover questionamentos”, diz.

“Com o país fervilhando, com tantas inquietações, vamos da abordagem de raiz, que visa ao direito a se expressar, ao espaço de experimentação, sempre abordando temáticas necessárias à nossa época. Quando se promove o pensamento, expande-se tudo.

Tiramos da acomodação. Não queremos dar soluções, nem dizer o que é melhor”, conclui Ione.

 

Confira as atrações deste fim de semana, de 25 a 27 de janeiro:

 

O ATORMENTADOR
Peça da Cia. Absurda. De hoje a segunda-feira, às 19h. CCBB. Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)

JANTAR SECRETO
Projeto Gororoba, comandado pelo chef Carlos Normando. Hoje, às 19h. Centro de Referência da Juventude. Rua Guaicurus, 50, Centro, (31) 3277-9795.

Entrada franca. Convites são limitados e podem ser retirados a partir das 18h

GANHO SECUNDÁRIO

Instalação e mural do artista plástico Daniel Jack. Projeto Parede. Sesc Palladium. Av. Augusto de Lima, 420, Centro, (31) 3214-5350. De terça-feira a domingo, das 9h às 21h. Até 21 de abril. Entrada franca.

 

A programação completa do 13º Verão Arte Contemporânea está disponível no site oficial.

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