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Coletivos e jovens artistas dão novo fôlego à produção de fotografia de BH


Não é de hoje que Minas Gerais se tornou celeiro de talentos no campo da fotografia. Ao longo dos tempos, diferentes nomes se destacam nacional e internacionalmente: Sebastião Salgado, Rosângela Rennó e sua fotografia expandida, as diferentes naturezas de João Marcos Rosa e Rui Cezar dos Santos, Eustáquio Neves com sua química negra, a tríade que subverte a paisagem formada por Pedro David, João Castilho e Pedro Motta. Outros artistas compõem esse cenário da produção de imagens – Daniela Pauliello, Rodrigo Zeferino e Rodrigo Albert, artista que voltou ao Brasil recentemente, e um dos primeiros coletivos, o anárquico Erro 99.

No entanto, há algo borbulhando na produção que revigora a linguagem (nas artes, no documental e no fotojornalismo), coloca em questão a autoria, apresenta novas maneiras de circulação das imagens (lambes, fotolivros, leilões) e, consequentemente, emergem novos talentos na fotografia mineira. Dois movimentos caracterizam essa efervescência: o surgimento dos coletivos e a discussão sobre temporalidade, que leva ao retorno às técnicas de base química, a conhecida fotografia analógica.

Retratista e educador, com ênfase na produção analógica, Alexandre Lopes usa diferentes meios para produzir imagens, como câmeras antigas de grande formato, papéis fotográficos vencidos, químicas em desuso. Caso semelhante é dos coletivos Mofo e Al-Químico, da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A curiosidade e o interesse pela fotografia analógica são características desses coletivos e, naturalmente, o sincronismo com tendências mundo afora reforçam a produção dos processos ditos superados”, explica. Para ele, essas características “tornam este momento propício para a redescoberta de processos e suportes analógicos e toda a possibilidade criativa.”

A formação de núcleos de produção reflete o que vem ocorrendo em vários nichos da sociedade. “Os coletivos surgem em BH com forte influência do campo das artes plásticas”, diz Alexandre.

Um marco é a formação do coletivo Almeida, que se destacou e se tornou referência para a fotografia de rua. “Os integrantes exploram, não coincidentemente, um momento em que as manifestações sociais e políticas se fazem presentes, mas reforçam com imagens um cenário que se deve pesquisar, documentar e difundir para, com isso, ajudar a compreender tal momento”, completa.

Em geral, os integrantes desses coletivos são ávidos por inovação e apostam na troca de experiências e conhecimento. “Aparentemente, e na maioria das vezes, os coletivos são formados por jovens que têm muitas referências visuais, mas que se esforçam em trabalhar conceitos de composição, luz e cores sem se prender a conceitos estabelecidos pela linguagem fotográfica clássica”, afirma Alexandre. O resultado desse “agir em conjunto” são imagens com dinamismo, representatividade de gêneros e denúncias.

Nessa produção coletiva, nota-se o interesse em representar classes sociais excluídas, mostrar os movimentos de resistência e trazer à tona discussões em diversos ambientes. Os grupos têm apostado em encontros para discussão, com estúdios coletivos e organização de feiras, com ênfase na fotografia de rua.

Um exemplo é o coletivo Co.Fluir, criado em 2017, que realizou dois encontros para debater e pensar a fotografia. “A gente começou como uma reunião de pessoas que tinham a rua como objeto de estudo e prática”, afirma Lucas D’ambrosio, um dos nove integrantes do coletivo. “O fato de a gente trabalhar em grupo faz com que essas diferentes vozes se somem em busca de algo maior.
Em comum, a vontade de fomentar, de criar uma possibilidade para dar vazão a essa produção”, diz Lucas.

Gabriel Cabral é do interior de Minas, mas vivia em São Paulo. Decidiu se mudar para Belo Horizonte por se identificar com o engajamento e a produção da capital mineira, interessado, sobretudo, nessa produção coletiva e voltada para registrar a rua. “São, acima de tudo, catalisadores que possibilitam voos mais altos do que indivíduos poderiam alçar sozinhos”, afirma Gabriel, que faz parte de coletivos há pelo menos sete anos. “Os coletivos são espaço de diálogo que devem ser cultivados com carinho.Têm potencial transformador tanto para integrantes, público e outros grupos.” Para ele, o impacto dessas trocas é imensurável, pelo potencial de desenvolvimento e experimentação da linguagem fotográfica e do intercâmbio entre indivíduos e coletivos.

A ação dos coletivos também se potencializa em função da hiperconexão proporcionada pela tecnologia. “Essa outra lógica estabelecida com a internet, aliada à acessibilidade de se fazer fotografia com qualquer celular, torna a produção atual muito mais ampla e complexa”, diz Gabriel, que trabalha com investigações e coleções de imagens.

Entrevista
Carlos Oliveira e Athos Souza
Coletivo Mofo


O Coletivo Mofo é formado por oito fotógrafos, cada um com linguagem, estilo e interesses distintos. O que os conecta é a pesquisa sobre processos criativos da fotografia analógica. A entrevista foi concedida por dois integrantes do grupo.

O que a articulação dos coletivos traz em termos de linguagem?

A articulação dos coletivos de fotografia e artes no cenário de BH favorece o surgimento de circuitos e redes de colaboração, importantes para que sejam vistos e reconhecidos. Percebemos nesse cenário uma renovação das linguagens e na maneira de produzir.
As possibilidades de criação e experimentação voltaram a ocupar espaço importante na fotografia. No Coletivo Mofo, por exemplo, entendemos a fotografia como um processo criativo que tem na película um suporte rico em possibilidades, desde a parte química, passando pela digitalização e impressão.

Temos como identificar características comuns, em termos de linguagem, na nova geração de fotógrafos?

A nova geração de fotógrafos tem associado a fotografia ao seu contexto cultural e social com maior intimidade, com um olhar mais sensível, diferente dos fotógrafos mais velhos, que tinham uma percepção social mais ampliada, menos conectada. Hoje, moda, comportamento e linguagem constituem a formação da expressão das novas gerações.

A atuação em coletivo muda o status de autoria?

A ideia de coletivo não muda o status de autoria, mas ela tem sido ressignificada. Nesse contexto em que estamos inseridos, o fotógrafo precisa mais de uma identidade e linguagem do que uma assinatura. Nesse sentido, a autoria pode continuar sendo importante, porém em segundo plano. Um exemplo do que estamos dizendo: em 2016 nós lançamos nossa primeira publicação coletiva com mais de 80 fotografias e optamos por inserir legenda em cada foto, mas deixar que os leitores vissem outros elementos que identificam os autores, como estilo, padrão de cores, temas recorrentes etc. Isso incomodou algumas pessoas, mas serviu exatamente para expressar que cada fotógrafo tem um trabalho com suas próprias características. Naquela publicação, as linguagens plurais também correspondiam à linguagem do coletivo..