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Diálogos com Inimá

Exposição Paisagens que aprendi de cor reúne obras artistas contemporâneos



O centenário de nascimento de Inimá de Paula (1918-1999) passa por todos os tons da paleta usada pelo mestre das cores ao longo da carreira. Para marcar a data, celebrada em 7 de dezembro, o Museu Inimá de Paula, organizou a exposição Paisagens que aprendi de cor, que destacam duas características fundamentais da obra do pintor: a maneira como as paisagem são retratadas e a riqueza das cores, que o fizeram ser comparado ao francês Henri Matisse (1869-1954).

Juntamente ao centenário, comemoram-se os 10 anos de funcionamento do Museu Inimá de Paula. O curador Júlio Martins escolheu 10 obras representativas da trajetória artística do pintor e convidou 10 artistas, que trabalham com pintura, fotografia e videoarte, que, nos respectivos trabalhos, dialogam com aspectos relevantes da obra de Inimá: André Hauck, Victor Galvão, Desali, Fábio Baroli, Felipe Góes, João Castilho, Pedro David, Stéphane Vigny, Rosana Ricalde e Rafael Zavagli. “Melhor do que olhar para o passado, é olhar os efeitos da obra de Inimá no presente. Como a produção contemporânea dá respostas às questões que ele trabalhou na pintura”, diz.

Há diversidade nas linguagens propostas – pinturas, fotografias, vídeos, instalações –, embora os trabalhos remetam aos cânones da pintura. André Hauck e Victor Galvão ativam elementos pictóricos nas experimentações em vídeo. Desali mapeia zonas periféricas em pinturas de cores marcantes. Fábio Baroli e Felipe Góes exploram de forma cromática as paisagens.
João Castilho pinta o deserto de sal com temperos e Pedro David captura terras escavadas. Stéphane Vigny e Rosana Ricalde remodelam a memória de certas imagens. Rafael Zavagli mostra as paisagens de maneira inesperada, em manchas de cor horizontais.

ÉPOCAS “Os trabalhos escolhidos, mesmo que em vídeos e fotografias, têm elementos pictóricos”, diz o curador. No projeto expográfico, as obras de Inimá foram montadas ao lado de obras contemporâneas. “Temos uma parede com obra dos anos 1950, acompanhada de pinturas do Desali feitas em 2018. São 70 anos separando a produção dos dois, mas as pinturas, de momentos distintos, lidam com cor e paisagem de maneira muito próxima”, afirma Júlio.

Em seis décadas de produção artística, Inimá pintou intensamente, testando linguagens e formas bem distintas, mas sempre com ênfase nos elementos cromáticos e pictóricos. “São muitas fases.
Trabalhou com abstrato, com figurativo, paisagem, seja rural ou urbana, de forma bem ampla. Então, Júlio foi muito feliz ao propor as mesclas”, afirma João Castilho. O artista afirma que as escolhas curatoriais colocam em diálogo artistas de diferentes gerações e linguagens. “Os trabalhos da exposição conversam entre si através de várias camadas de sentido: cor, tema e composição. Às vezes, essa conversa pode ser percebida em leitura mais imediata. Em outros casos, exige mais do espectador em estabelecer as relações que têm: como uma obra reflete outra obra”, diz.

A produção dos anos 1950 e 1960 foi marcada pela abstração, em que ressalta o aspecto pictórico, e o uso de massas generosas de tinta, exemplificado em Tachismo (1962). Paisagem cubista (dec. 1950) e Os arrozais do Japão (1974) evidenciam a estrutura de composição.
Do acervo de Inimá foram escolhidas ainda as obras O casarão vermelho (1967), Jardim da vila (1970) e O sol do meio-dia (1983), que exemplificam o tratamento cromático dado às paisagens. Também foram destacadas obras que mostram o aspecto contestador do artista, como Paisagem do interior mineiro – Derrubada (1955), Derrubadas (1950) e Queimadas (1950). Essas produções destoam do restante da produção por Inimá optar por cores menos vibrantes e apresentar a discussão de questões ambientais.

Júlio destaca elemento reincidente nas pinturas de natureza morta de Inimá, caso ilustrado na tela Composição com cajus (1976). “Ele pinta o caju, símbolo da cultura brasileira. É um desafio do modernismo revelar essa identidade brasileira”, afirma. Nos anos de 1960 e 1970, com o endurecimento da ditadura militar no Brasil, o artista, que buscava a beleza e o lirismo, inicia série com tom de denúncia, representada na mostra pela tela Favela (1968). “A série denuncia a exclusão social e a desigualdade. Mas Inimá leva para essa série a sabedoria pictórica sobre paisagens somada a elementos políticos e sociológicos. Ele fala do nosso país, na série que se tornou um de seus trabalhos mais valorizados”, afirma.

VENTO O curador escolheu o trabalho Tempero (2009) de João Castilho – três fotografias da série de sete feitas pelo artista no Salar de Uyuni, na Bolívia. Como se o deserto de sal fosse uma tela em branco, o artista faz intervenção na paisagem com temperos coloridos – açafrão e pimenta.
João mescla o aspecto pictórico, ao sobrepor as cores, e a reflexão sobre a fotografia como registro de ações efêmeras ao retratar a ação de depositar os temperos naquele espaço, em que é rapidamente levado pelo vento. Em algumas fotos da série, ainda o azul do céu entra na composição. “Tem essa questão dentro do trabalho: apesar de ser fotografia, tem a proposta de ativação do branco com a cor, o vermelho, o amarelo. A base da pintura é a cor sobre a tela branca. Foi esse aspecto que interessou ao Júlio e concordei com ele”, diz.

A artista visual Rosana Ricalde dialoga com Inimá com um trabalho da série Navegantes, imagens que retratam paisagens feitas com areia. Concebido pela artista, a execução foi feita por artesãos em Fortaleza. “Considero que esse trabalho tem algo da escrita na maneira de construção da imagem. O artesão não despeja a areia, faz em linhas e a imagem vai crescendo de baixo para cima”, diz a artista, que tem a escrita como questão central de sua produção. O trabalho traz ainda a referência à temporalidade na construção das imagens, com menção à ampulheta dada pelo grão de areia.


PAISAGENS QUE APRENDI DE COR

Exposição comemorativa dos 100 anos de Inimá de Paula. Museu Inimá de Paula.

Rua da Bahia, 1.201, Centro (31) 3213-4320. Terça, quarta, sexta e sábado, das 10h às 18h30. Quinta, das 12h às 20h30, e domingo, das 10h às 16h30. Entrada franca. Até 19 de abril.

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