Durante anos, achava-se que Tigresa, de Caetano Veloso, havia sido feita para a atriz Sonia Braga. Só recentemente se soube quem era a musa inspiradora dos versos Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel/Uma mulher, uma beleza que me aconteceu/Esfregando a pele de ouro marrom do seu corpo contra o meu: Zezé Motta. A confusão se deu porque a canção foi tema da personagem de Sonia na novela Espelho mágico (1977). “A revelação veio em 2015, na coluna do Nelson Motta, em O Globo. Quando Caetano fez Tigresa, Zezé tinha um visual meio andrógino, meio pantera e usava as unhas pretas. Ela sempre foi fã dele e ficou superemocionada com a novidade”. Quem relata essa história é o escritor, dramaturgo e ator Cacau Hygino, que acaba de lançar a biografa Zezé Motta – Um canto de luta e resistência (Companhia Editora Nacional).
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Pela primeira vez, Zezé Motta faz disco dedicado completamente ao sambaCom Camila Pitanga e Zezé Motta, Milton Nascimento lança clipe de 'Maria Maria'Festival de Arte Negra traz Ellen Oléria, Zezé Motta e Elisa LucindaZezé Motta chega aos 70 anos com novidades em novela, discos e livroBiografar gente famosa não é novidade para Cacau Hygino. Ele é autor das biografias da ex-jogadora de vôlei Virna e da atriz Nathália Timberg, que protagoniza o mais recente texto teatral de Hygino, Através da Iris, uma homenagem à fashionista norte-americana Iris Apfel.
O volume sobre Zezé Motta contempla seus 53 anos de carreira, desde os primeiros passos, em Usina Barcelos, em Campos do Goytacazes, no norte fluminense, passando pela estreia profissional em 1968, na icônica peça Roda viva, de Chico Buarque, até os mais recentes trabalhos. “Acho que só não saiu o último disco dela, de samba. Procurei colocar tudo, tanto os projetos profissionais quanto os pessoais. Uma coisa que sempre me impressionou foi o fato de, apesar de o mercado ser tão cruel com o artista negro, Zezé nunca ter deixado de trabalhar, atuando ou cantando. É uma mulher extremamente bem-sucedida”, diz.
Há tempos o autor admirava a fibra e o talento da atriz, hoje com 74 anos. A relação dos dois se estreitou em 1998 quando fizeram um musical juntos, Ó Abre alas, de Maria Adelaide Amaral, sobre a compositora Chiquinha Gonzaga.
XICA DA SILVA
Na biografia, a personagem mais marcante de Zezé, Xica da Silva, merece capítulos especiais, que abordam não só como se deu a escolha da atriz para interpretar a escrava que virou rainha, mas também o processo de filmagens e episódios dos bastidores, como o naufrágio de um barco que quase resultou no afogamento da atriz. Na história, Xica queria conhecer o mar, e então o contratador de diamantes constrói um navio e uma represa de presente para a amada.
“Na cena, Xica da Silva reclama que, se o mar era aquela pasmaceira, ela estava achando tudo muito chato. Aí um personagem solta: ‘Se ao menos estivéssemos num naufrágio’. Foi dito e feito”, relata Cacau. Sem que a produção se desse conta, o barco cenográfico não aguentou tanto peso e virou. “Zezé caiu dentro d’água, afundou, mas o figurino a ajudou, porque tinha anáguas de arames que a fizeram flutuar. Mesmo assim, ela bebeu muita água. Quem a salvou foi o (diretor) Cacá Diegues e o Beto Leão, cenógrafo e namorado dela na época. Foi um susto”, conta o biógrafo.
Mas foram os bons momentos do longa-metragem que prevaleceram na memória, como o entrosamento entre o elenco e o restante da equipe, a integração com a população de Diamantina, onde a produção foi rodada, e o sucesso do longa, que levou a carreira de Zezé Motta a um outro patamar e a projetou internacionalmente. “Foi um divisor de águas.
Zezé Motta – Um canto de luta e resistência trata também da relação da atriz e cantora com seus oito filhos adotivos e relata suas gestações perdidas. A relação com a mãe, dona Maria Elazy Motta, nonagenária que faz questão de acompanhar os passos da filha, e com o pai de criação, o músico Luiz Oliveira, fundamental para a transformação dela em uma grande artista, também é descrita no livro.
Cacau Hygino dedica o livro aos pais de Zezé e ao artista negro brasileiro. No trecho final, a publicação traz uma série de depoimentos de pessoas próximas à biografada e depoimentos da própria Zezé sobre assuntos como a velhice, o sexo, sua transformação em símbolo sexual, as manias e o racismo.
A luta e a resistência mencionadas no subtítulo são enfocadas ressaltando o modo particular de Zezé Motta exercer seu ativismo. “Ela sempre foi uma mulher que brigou não só pelos direitos do negro, como também os das mulheres e os da classe artística. E fez isso de uma forma muito natural, espontânea. Ela sabe que existe racismo, discriminação, mas nunca ficou se martirizando e vitimizando. Zezé Motta é uma estrela e um exemplo em todos os aspectos”, afirma Cacau Hygino.
Zezé Motta – Um canto e luta e resistência
Cacau Hygino
Companhia Editora Nacional
256 páginas
R$ 39,90