Um homem alquebrado pelo luto; um jovem pintor em busca de inspirações; um matador de aluguel diante da tarefa de tirar a vida da própria amada. Esses argumentos poderiam motivar histórias comuns, não fosse pelo fato de o viúvo ter uma modificação cerebral para amar incondicionalmente sua mulher que o faz ter impulsos suicidas após a morte dela; o pintor adentrar uma realidade lisérgica desdobrada em formas geométricas; e de o assassino estar em um cenário futurista e tecnológico. Esses são alguns dos contos presentes na coletânea Fractais tropicais (Sesi-SP), que reúne 30 dos melhores autores da ficção científica brasileira.
Leia Mais
'Cloro', de Alexandre Porto, aborda a repressão da homossexualidadeMostra traz imagens da TV Itacolomi, a primeira emissora de MinasRepórter lança livro sobre resgate dos garotos na caverna da TailândiaApós acusações, editora suspende distribuição de biografia de João de DeusMasp pede doações para restaurar obra icônica de PortinariEm biografia sobre Jorge Amado, Joselia Aguiar traça perfil inédito do escritorOrquestra Ouro Preto transforma clássico 'O Pequeno Príncipe' em concertoShow inédito: 'Cantadores' reúne Xangai, Renato Teixeira e Geraldo AzevedoRestaurado, Presépio do Pipiripau espera fluxo intenso de visitas no final do anoCamburi segue tradição familiar e proporciona clima descontraídoPara quebrar essa barreira, o organizador Nelson de Oliveira adotou em Fractais tropicais um recorte histórico e didático. “Inteligência artificial, engenharia genética, robôs sexuais, conexão cérebro-máquina... A ficção científica vem sendo o gênero que trabalha as temáticas mais inquietantes da literatura”, acredita o organizador. A obra abrange mais de meio século de história, desde o patrono da ficção científica no país, Jeronymo Monteiro (1908-1970), até os contemporâneos, como Gerson Lodi-Ribeiro, Alliah e Ana Cristina Rodrigues, autores dos contos citados no início deste texto.
PIONEIROS
Há relatos protoficção científica desde a Antiguidade, como a História verdadeira, em que Luciano de Samósata narra uma viagem ao espaço no século 2. Mas o gênero como o conhecemos hoje foi formatado há 200 anos, com Frankenstein ou o Prometeu moderno, clássico de Mary Shelley.
Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), que ocupou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, é uma das pioneiras da ficção científica no país. Em seu conto na antologia A ficcionista (1969), ela imagina uma inteligência artificial avant la lettre, que contém todas as histórias imagináveis, ameaçando a existência de escritores – quase uma previsão sobre big data. Ivanir Calado questiona em O paradoxo de Narciso (1991): o que aconteceria se você pudesse voltar no tempo e se apaixonar por seu eu do passado?.
Em um dos pontos altos do livro O molusco e o transatlântico (2005), Braulio Tavares imagina com lirismo um astronauta com habilidades telecinéticas que se vê capturado por uma espécie inimaginavelmente mais avançada que a humanidade e se torna uma cobaia deste alienígena – cabe ao leitor, pelas memórias do protagonista, decidir se esse destino é bom ou ruim.
Fractais tropicais prova que os autores brasileiros não devem nada aos estrangeiros e sinaliza que talvez a barreira entre a ficção científica e a literatura “séria” seja apenas, como no livro de Miéville, uma questão de miopia. (Estadão Conteúdo)
Fractais tropicais
. Organização: Nelson de Oliveira
. Sesi-SP Editora (496 págs.)
.