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ENTREVISTA

Ana Paula Maia fala sobre influência do western e diz: "minha militância é escrever uma boa história'



Ana Paula Maia é uma das vozes mais particulares da literatura brasileira contemporânea. Em seus romances, como no mais recente, Enterre seus mortos (Companhia das Letras), não há uma delimitação geográfica. Ninguém é bonzinho – alguns personagens, como Edgar Wilson, voltam de tempos em tempos em outros livros. São figuras masculinas, pobres, homens braçais, almas desvalidas que trabalham em lugares inóspitos, como matadouros ou fábricas de triturar animais mortos nas estradas.

“Nunca escrevo sobre personagens bonzinhos. Às vezes, eles fazem o bem, mas não são bonzinhos. Quem morre é bandido, e quem mata também é bandido. É exatamente este o meu universo”, explica ela.

Comparada a Rubem Fonseca, João Gilberto Noll e ao americano William Faulkner, Ana Paula discorda de análises assim. Até considera engraçado quando escrevem isso.
“Li muito mais Julio Verne e Dostoievski do que os autores que eles citam. É engraçado ser comparada a autores que não li.”

Quando Assim na terra como embaixo da terra (Record) ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura para autores acima de 40 anos, em novembro, ela recebeu a notícia com felicidade. Mas não a esperava, pois se considera “fora da curva” – acha que seus livros são diferentes dos lançados por seus pares no Brasil. 

Nesta entrevista, Ana Paula fala sobre a relação de sua literatura com os filmes de western, que ela adora, e sobre o que representa ser escritora negra. “Quando leio um livro ou vejo um filme, não importa se tem preto ou não, o que importa é a história bem contada”, resume.

Você se formou em ciências da computação e comunicação social?
Fiz esses dois cursos em duas faculdades particulares. Claro que a segunda teve mais influência na minha vida. Ciências da computação nem tanto. Mas não deixou de ser importante por um lado, pois me deu mais disciplina.
Já comunicação social fez a diferença na minha vida.

Como foi ser escolhida a melhor romancista de 2017, na categoria autora acima de 40 anos, pelo Prêmio São Paulo de Literatura?
Recebi esse prêmio com muita surpresa e felicidade. Não estava no Brasil na ocasião, recebi a notícia no Chile, no mesmo dia em que divulgaram o resultado. Fui participar da Feira Literária de Santiago. Foi um baque. A gente imagina a possibilidade por ser finalista, mas não esperava mesmo. Fiquei meio zonza. Não pensei muita coisa na hora, sinceramente. A ficha só caiu depois.
Quando as coisas se acalmaram, o pensamento que veio foi constatar que é um livro fora da curva. Não é um livro comum para se ganhar um prêmio assim, e isso me deixou muito feliz. Assim na terra como embaixo da terra é o sexto romance da minha carreira. O sétimo é Enterre seus mortos, lançado recentemente. Tenho uma trajetória, uma caminhada. Considero minha literatura bastante peculiar por não ser referência do que se faz hoje. Nem meus pares contemporâneos escrevem desse jeito. Por isso, falo que é um livro fora da curva. Fiquei contente, mas não esperava ganhar um prêmio como esse no Brasil.

Alguns estudiosos comparam sua literatura à de Rubem Fonseca, João Gilberto Noll e do americano William Faulkner. O que você acha dessas análises?
Acho que é por falta de uma comparação mais próxima, por isso me comparam a eles.
Mas não acho parecido nem um pouco. Rubem Fonseca, por exemplo, é um autor que li muito pouco, apesar de gostar dele. Quando fui lê-lo, já estava na caminhada literária. Li muito mais Julio Verne e Dostoievski do que os autores que eles citam. É engraçado ser comparada a autores que não li. Nunca fui leitora do Noll. Como falei, quando li Rubem Fonseca, já tinha escrito meu primeiro livro. O que me ajudou a construir uma voz literária não foram esses autores. Minha obra não tem relação com a de Rubem Fonseca. Nada.
Nem na construção dos diálogos nem personagens, tampouco orientação estilística.

Quais são as referências mais diretas de sua escrita?

Há influência muito grande dos filmes de western, por exemplo. Para escrever meus livros, preciso ter consumido muito western. Meus livros têm construção árida, mas não é um árido do cangaço, não falo de nordestino, da região do Nordeste. As histórias que escrevo não têm uma geografia determinada. São lugares sem geografias. É o que chamamos de Brasil profundo. Poderia nem ser no Brasil.

Como você analisa os personagens de seus livros?

Meus personagens não se sacaneiam. São muito solidários, tem amor fraterno entre eles. Existe uma lógica naquela estrutura, um acerto de contas. Em quase todos meus livros há acerto de contas. Mas sempre com uma justificativa plausível para aquele acerto de contas dentro das histórias. São leis que regem aquele universo, e funcionam ali dentro. Por exemplo, Edgar Wilson (que volta novamente em Enterre seus mortos) é um personagem que sempre mata alguém. Mas o leitor gosta, concorda com aquela morte. Ele é um justiceiro. Não vejo meus personagens dando rasteiras em ninguém, pelo menos os protagonistas, como Edgar Wilson. São desvalidos e desalmados, porém existe uma ética entre eles. Há uma conduta, uma amizade. Não fazem o mal pelo mal. Em Assim na terra como embaixo da terra, isso é bem nítido. Ali, entre condenado e julgado, todo mundo é criminoso. Naquela estrutura, muitos se ajudam, ninguém mata gratuitamente. Eles se unem contra o mal maior dentro daquela engrenagem. São estruturas complexas, que muitas vezes podem fugir ao primeiro olhar. Lido com o mal não contrariamente com o bem. Trabalho com o mal dentro de uma realidade em que é muito difícil você ser bom. Nunca escrevo sobre personagens bonzinhos. Às vezes, eles fazem o bem, mas não são bonzinhos. Quem morre é bandido, e quem mata também é bandido. É exatamente este o meu universo.

Como é ser uma escritora negra, mesmo que você não tematize questões raciais em seus livros?
Sou escritora, pronto. Publico pelo menos há 10 anos pelas maiores casas editoriais do país. Nunca ninguém me pediu fotos para saber a cor da minha pele. Não tematizo essas questões. O meu lugar de fala se encontra dentro dos meus livros. Agora tenho a televisão, que será também meu lugar de fala. Sou zero de militância. Minha militância é escrever uma boa história. Quando leio um livro ou vejo um filme, não importa se tem preto ou não, o que importa é a história ser bem contada. A história é boa, eu vejo. Não é boa, deixo pra lá. Não tenho esses questionamentos, nunca tive.

O que você fará como contratada da Rede Globo?

Sobre o trabalho da Globo, não posso conversar agora. Eles já pediram para não falar por enquanto. Mas posso dizer que escrevo. Lá, sou autora. .