Só quando me chamam de esquerda caviar eu reclamo. O caviar não tem chegado à minha mesa, acho que o Chico Buarque está ficando com a minha parte”
Luis Fernando Verissimo, escritor
Luis Fernando Verissimo, escritor
Frasista impagável, o escritor e jornalista americano H. L. Mencken (1880-1956) disparava definições para praticamente todos os momentos do cotidiano humano e, em uma delas, parecia ter sido pensada para Luis Fernando Verissimo, outro grande investigador do dia a dia: “O que realmente enriquece um homem não é a experiência: é a observação”.
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De fato, o cronista relata os altos e baixos de seu time do coração (Internacional) com a mesma desenvoltura com que acompanha, entre gracinhas e apreensões, os acontecimentos em Brasília – no caso, desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso até a presidência-tampão de Michel Temer. Afinal, Verissimo exerce sua verve impagável para comentar situações inusitadas que, graças ao bom humor, se tornam plenamente factíveis. A seguir, a entrevista que ele concedeu, por e-mail, sobre o lançamento.
Qual a essência do tempo cotidiano nas suas crônicas?
Muitas das crônicas do livro são sobre o cotidiano de gente comum em situações incomuns. O tempo entra como medida de degeneração orgânica, como na história do encontro de dois amigos que não se veem há anos e começam a comentar o aspecto um do outro, e a se criticar mutuamente por não terem se cuidado e envelhecido mal, e acabam brigando, desta vez para sempre.
O efêmero é a identidade de um cronista?
Depende do cronista. O grande Rubem Braga fazia crônicas inesquecíveis sobre o efêmero. No fim, o fato de serem inesquecíveis desmente a efemeridade...
A crônica tem a capacidade de revelar, por meio da superfície, uma dimensão mais profunda da vida e das relações humanas?
Gosto de fazer crônicas em que os personagens se revelam pelo que dizem, sem a necessidade de descrevê-los, ou localizá-los. Às vezes, só com o diálogo você pode descrever um drama ou uma comédia, sem precisar de detalhes.
Escritores do século 19, tanto José de Alencar como Machado de Assis escolheram, como símbolo da crônica, o beija-flor.
O beija-flor paira no ar e dá bicadas nas flores. Não se parece com nenhum cronista que eu conheço. Talvez um símbolo para os jornalistas brasileiros em geral seja o quero-quero, sempre pedindo emprego ou aumento de salário.
Durante o período da ditadura militar, alguns cronistas que até então se dedicavam à abordagem de amenidades passaram a expressar suas opiniões de maneira mais explícita. Você acredita que isso é mais comum em tempos de exceção ou não há exceção nenhuma?
Entendo que foi o contrário, a ditadura reprimiu quem queria ser mais explicitamente contra o regime. Houve exceções, como o escritor Carlos Heitor Cony, mas a maioria teve de recorrer às entrelinhas para dizer o que queria. Não vamos esquecer que havia censura da imprensa. Que pode voltar com esse novo governo.
Ainda sobre esse assunto: o risco de dividir o humor de seu eleitorado ao se manifestar mais diretamente é um fator preocupante quando você vai começar uma nova crônica?
Escrevo o que penso, sem me preocupar muito com a reação. Quem não gosta do que eu penso e escrevo tem a opção de não me ler, para não se incomodar.
IRONIAS DO TEMPO
Autor: Luis Fernando Verissimo
Organização: Adriana Falcão e Isabel Falcão
Editora: Objetiva (208 págs.)
R$ 49,90)