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Dentro da jaula

Romance de Marcelo Rubens Paiva questiona a liberdade ilusória do ser humano



Seres humanos observam animais enclausurados no zoológico sem se dar conta de que também são vistos por eles. Ao contemplar os símios no zoo de Americana, no interior de São Paulo, Marcelo Rubens Paiva resolveu adotar a perspectiva deles em relação aos homens para escrever O orangotango marxista (Alfaguara). Ele é o convidado desta segunda-feira (22) do projeto Sempre um Papo, em BH, para conversar com o público e autografar seu novo trabalho.

“Frequento um zoológico, no interior de São Paulo, que tem ilhotas de onde macacos nos observam. O que eles pensam sobre nós? Como acompanham a nossa evolução?”, questiona Paiva.

Personagem-narrador, o orangotango foi capturado na selva do Bornéu e separado da mãe ainda filhote. Levado a um laboratório para ser estudado, apaixona-se pela bióloga encarregada de pesquisá-lo. O amor o coloca diante do dilema de querer se tornar homem.

“Ele se apaixona pela moça, passando a se sentir mais humano do que macaco. É um conflito que o tortura”, comenta Paiva.

Os símios – primatas como nós – prestam mais atenção ao que está ao redor. Cada vez mais disperso, o homem é desatento a seu entorno, diz Marcelo.
“As pessoas estão nas redes sociais, nas bolhas, fazendo piqueniques, fazendo exercícios. Não prestamos atenção ao que há em volta. Assim como os símios, estamos aprisionados”, afirma.

Em O orangotango marxista, Paiva descreve os caminhos da humanidade a partir do olhar de quem está de fora. O livro também critica o confinamento de animais como forma de passatempo para os humanos.

“Os homens tiram os animais de seus ambientes simplesmente para serem exibidos. Desde o início da civilização, o objetivo é controlar a natureza. Com isso, conseguimos extinguir centenas de espécies – mamute, tigre-da-tasmânia, entre outros. O zoológico é um lugar sem sentido, violento”, afirma.

FILOSOFIA Por morar em uma biblioteca, o orangotango-protagonista aprende a ler e se torna fã de clássicos de filosofia.
“Falo de filosofia de um jeito gostoso e agradável. A ideia é tirar o fantasma e os horrores que as pessoas têm em relação a Kant, Hegel e Marx. Cada um deles se apropriou do pensamento anterior até chegar à noção de utopia”, diz.

O protagonista não é defensor do marxismo, mas apenas um leitor dessa teoria que apresenta muitos pontos positivos, observa o escritor. “A utopia é igual à noção de paraíso da Igreja Católica, do nirvana do budismo. Toda mitologia tem o mundo perfeito, o mundo ideal de justiça para todos.”

Paiva diz que seu romance não tem o propósito de fazer analogia com o Brasil de hoje. “Não é só o Brasil. O mundo vive uma crise de identidade. As pessoas não confiam na democracia, não confiam nos políticos.
Estão brigando entre si. Pode ser passageiro, mas pode também não ser. Homossexuais vêm sendo agredidos, pessoas que pensam diferente são agredidas. Suásticas são desenhadas nos muros”, alerta.

Filho do deputado federal Rubens Paiva, torturado e assassinado pela ditadura militar em 1971, Marcelo adverte: há risco de o Brasil regredir 50 anos. “O que está acontecendo hoje é um fenômeno inesperado. Não esperávamos que uma sociedade evoluída pudesse regredir tanto”, conclui.

O ORANGOTANTO MARXISTA
•  De Marcelo Rubens Paiva
•  Editora Alfaguara
•  112 páginas
•  R$ 39,90

SEMPRE UM PAPO
Com Marcelo Rubens Paiva. Nesta segunda-feira (22) às 19h30. Biblioteca Pública Estadual. Praça da Liberdade, 21, Funcionários. Entrada franca.
Informações: (31) 3261-1501 ou wwww.sempreumpapo.com.br.