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'Vila Rica estabeleceu paradigmas em todas as áreas', diz autor de novo livro


Localizada na Serra do Espinhaço, Vila Rica mostrou-se, à primeira vista, pouco atraente para abrigar um povoado. No entanto, o ouro de aluvião fez com que se tornasse destino da Coroa portuguesa, bandeirantes e aventureiros de toda sorte no final do século 17. O metal precioso brotava nos barrancos das margens dos rios. Também era encontrado com facilidade no leito. Os quase 300 anos que separam o povoado que se formou e a Ouro Preto escolhida patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, em 1980, encerram capítulos da história do Brasil.

O jornalista Mauro Werkema remonta a memória da cidade que se tornou capital de Minas Gerais em 1823 no livro Ouro Preto na história, protagonismos, paradigmas, revisões, lançado em Ouro Preto, no último dia 15, no Museu da Inconfidência, e, no dia 18, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte.

Werkema realizou revisão bibliográfica e compilou informações dispersas. “Faltava trabalho mais denso e exaustivo sobre Ouro Preto, que foi capital de Minas por 177 anos. A cidade estabeleceu paradigmas em todas as áreas”, afirma. A publicação ainda traz revisões sobre a espoliação econômica de Minas Gerais, que passou tanto pelo Ciclo do Ouro e, tempos depois, pela mineração na cidade que está no perímetro do Quadrilátero Ferrífero.

A trajetória do município é apresentada desde o início da ocupação do território, ainda no Brasil colônia, até os dias atuais.

A lupa do jornalista perscruta a expansão de Vila Rica, insurreições e conflitos na sociedade nascente, o ideário republicano, os movimentos artísticos e culturais, como o Barroco e a poesia oitocentista inspirados pela Inconfidência Mineira, o casario e edificações que fazem da cidade patrimônio cultural da humanidade.

O autor morou em Ouro Preto duas vezes, atuando como secretário de Cultura e Turismo, entre 1993 e 1996, e como diretor do escritório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1987. “Trazia grande interesse na história de Ouro Preto e de Minas Gerais, desde os primeiros dias de Vila Rica. Esse desejo se aprofundou na vivência da cidade”, afirma.

Werkema pesquisou os fatos cívicos e culturais de Ouro Preto em busca do protagonismo na história brasileira. Em 1994, recebeu uma professora da Universidade da Califórnia (Ucla) que estudava as três ondas civilizatórios das Américas. “Ouro Preto representa o terceiro fenômeno civilizatório cultural. O primeiro ocorreu no México, com a cultura asteca, e o segundo com a cultura inca do Peru, sede do vice-reinado espanhol nas Américas”, pontua.

Depois longo tempo de pesquisa, a tarefa de escrever foi concluída em dois anos. “Algumas pesquisas e releituras foram necessárias para complementar informações.” De acordo com ele, o pioneirismo pode ser visto em diversas áreas, da ciência à legislação urbana, do processo de formação da República ao estabelecimento de movimentos culturais de vanguarda.
A chegada dos portugueses à cidade abre o Ciclo do Ouro e resulta na ocupação pioneira do território interior do Brasil colônia.

Lá, germinaram as sementes das insurreições contra o fisco português. Na veloz construção de cidades sob o impacto da mineração, Ouro Preto se tornou referência na elaboração de normas de administração urbana. Naquele ambiente, atuaram expoentes na arquitetura, pintura, na ornamentação escultórica de igrejas e seus púlpitos e altares, na madeira e na pedra, na literatura e na música. “O sentimento nativista brasileiro com a rebeldia contra a Coroa portuguesa se desenvolveu lá”, lembra.

A proclamação da República no Brasil deve muito à Inconfidência Mineira. Werkema destaca a atuação do ouro-pretano Bernardo Pereira de Vasconcelos junto a dom Pedro I, em 1822. “Ouro Preto fornece ao movimento republicano a imagem dos inconfidentes e de Tiradentes.” A cidade também tem papel decisivo no desenvolvimento da ciência brasileira, com a criação da Escola de Farmácia, em 1839, e a Escola de Minas, em 1874, pioneira no ensino de geologia, mineração, metalurgia, matemática e engenharia aplicada. “É significativo lembrar vários nomes da Escola de Minas, professores, pesquisadores, cientistas, engenheiros pioneiros em vários empreendimentos industriais que fizeram a modernidade de Minas”, diz.

Nas artes, destaque para Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Manoel Inácio da Silva Alvarenga na literatura; Aleijadinho, na escultura; e Manoel da Costa Athayde na pintura. Foi local de protagonismos de vários nomes, como o Barão Eschwege, Tomás Guido Marliere, do orador sacro Cônego Luís Vieira da Silva, o naturalista frei Joaquim Veloso de Miranda, o mineralista José Vieira Couto, e muitos outros.

A cidade segue como referência para os movimentos culturais brasileiros no século 20.
Em 1924, recebeu visita da caravana modernista, tornando-se campo de experimentação do Iphan nas políticas de proteção, conservação e restauração de monumentos e acervos históricos e artísticos. Também foi palco dos festivais de inverno promovidos pela UFMG. “Tem presença cultural e turística de repercussão nacional e internacional, embora ainda não explore seu imenso potencial turístico e cultural”, ressalva.

O jornalista pontua que, nos últimos anos, a preservação patrimonial ganhou maior compreensão e adesão da magistratura e do Ministério Público. “O Iphan tem hoje maior presença na proteção e preservação. Seus embargos e análises de projetos de intervenção encontram mais observância e respeito”, afirma, acrescentando que, contudo, faltam recursos para conservação como também para equipes técnicas. “No entanto, Ouro Preto é uma das cidades históricas que menos sofre desfigurações e destruições do patrimônio histórico e artístico”, diz.

 

OURO PRETO NA HISTÓRIA, PROTAGONISMOS, PARADIGMAS, REVISÕES
• De Mauro Werkema
• Legraphar
• 320 páginas
• R$ 50

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