Por toda parte se fala de Jofre. Sobretudo as mulheres, várias delas, incluindo a mãe e a filha. Jofre também fala de si mesmo e não é condescendente. Com ninguém. Mas o leitor vai descobrir o personagem e suas diversas facetas aos poucos na história narrada por André Nigri. Romance (ou novela) de estreia do escritor mineiro, Paralisia é estranho, o que é uma qualidade.
Repleto de ambivalência, o personagem central são muitos. Bom e perverso, mesquinho e generoso, afetuoso e vingativo. Assim, aos pedaços, o escritor cria um livro surpreendente, manejando recursos narrativos distintos para formar o retrato de um sujeito que todos conhecemos, mas talvez sem saber da extensão do que ele é capaz.
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A visão de mundo do personagem alterna sarcasmo com uma ternura um tanto idílica que o faz oscilar entre posturas bem distintas. Como vê essa dualidade?
O personagem se revela na ambivalência.
A fragmentação surge também na multiplicidade de vozes narrativas. Isso é reflexo da contemporaneidade?
A polifonia da segunda parte quebra a unidade de ação, que será retomada na terceira parte.
Como percebe (e expõe no livro) o que as pessoas são e o que elas aparentam ser para as outras pessoas?
Nós nos enxergamos de modo totalmente diferente de como somos vistos. O contraste se revela o tempo todo. Por exemplo, quem nunca experimentou a frustração de ter dito algo e logo depois ter se arrependido? Nossos pensamentos nunca coincidem perfeitamente com o que vemos.
Como se colocam as referências literárias que permeiam o livro, desde as epígrafes quanto no próprio corpo do texto?
A última coisa que desejaria era exibir qualquer tipo de erudição.
Como o Brasil aparece no livro? A visão de uma burguesia é bastante ácida, não?
Está insinuada por toda parte, sobretudo na terceira. Mais uma vez, ao me concentrar na vida de um personagem – Jofre é filho de uma burguesia parasitária, é um rentista, filho de um famoso advogado, famoso por livrar políticos de processos e favorecer empresários –, percebi que ele não poderia existir senão num país onde a segregação social, o preconceito, o racismo e outras formas de violência estivessem presentes. Há poucas sociedades em que a violência é mais velada do que a brasileira. Não temos a menor noção de coletividade. Nesse sentido, não somos uma nação, mas um aglomerado em que um pequeno grupo de privilegiados protege-se em enclaves, enquanto a imensa maioria está entregue à própria sorte. Fracassamos fragorosamente como nação..