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Grupo Corpo apresenta ''Gira'' e ''21'' em curta temporada no Palácio das artes

Um quarto de século entre Gira (2017) e 21 (1992) comprova que Rodrigo Pederneiras está entre os maiores coreógrafos brasileiros. A questão certamente é ponto pacífico para o público que assiste ao Grupo Corpo nas turnês nacionais e internacionais. Mas e para ele? Rodrigo, bem como todo o grupo, pôde ver em perspectiva o Corpo de 1992, que concebeu 21, e o Corpo de 2017, que criou Gira. O grupo coloca os dois espetáculos lado a lado na turnê nacional, que contemplou São Paulo e chega a Belo Horizonte entre 22 e 26 de agosto, seguindo para Salvador e Rio de Janeiro, em que as duas obras serão apresentadas.

O público poderá conferir o que mudou e o que se consolidou na linguagem do grupo em quase três décadas. Em especial, é oportunidade de ver como Rodrigo Pederneiras – que coreografou ambos – reinventou-se. “Quando começa ficar fácil demais, tem alguma coisa errada. Busco por algo que não tenha imaginado. Crio obstáculos para mim”, diz. Voltam ainda em estado de graça com a temporada de lançamento de Gira, que teve todas as sessões lotadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, tendo sido necessário abrir horários extras para atender à demanda de público.

Gira tirou Rodrigo do eixo. Com trilha composta pelo trio Metá Metá – Juçara Marçal (voz), Kiko Dinucci (guitarra) e Thiago França (sax) –, o coreógrafo teve que encontrar Exu, espírito na umbanda conhecido pelo caos e pela criação do mundo.
Para os desavisados, Exu pode ser energia difícil de lidar. Não para bailarinos. Se Exu é movimento, ele está na base da dança.

Rodrigo aceitou a provocação: leu muito e, sobretudo, vivenciou a experiência de uma gira, na Casa do Divino Espírito Santo das Almas, comandada do pai Marcelo Augusto de Oliveira. “O Marcelo me ajudou muito. Temos dois bailarinos que já participavam. Passei a frequentar para aprender o beabá das coisas e conhecer cada elemento. Foi um desafio brutal”, recorda-se.

Para entender a gira, momento em que Exu se manifesta, deixando mais evidente que o desarrumar é a única forma de ligar a terra ao céu, o humano ao divino.
“Exu veio como tema e tive que criar a partir daquela música. Quando coreografo e me pego numa mesmice, costumo criar uma sinuca para ver como posso sair dela. Gira é a maior sinuca que já me deram”, afirma Rodrigo.

Gira e 21 marcam diferentes ciclos para a dança brasileira. Foi a partir de 21 que o Corpo passou a convidar músicos para criar trilhas. Para 21, as composições são de Marco Antônio Guimarães, do Uakti. Para Gira, a tarefa ficou por conta do Metá Metá. A trilha ainda teve participações especiais do poeta, ensaísta e artista plástico Nuno Ramos, que assina uma das letras, e da cantora Elza Soares em duas faixas. Ao longo dos anos, o grupo estabeleceu parcerias com nomes de relevância da música brasileira. Para citar alguns exemplos: Caetano Veloso (Onqotô, 2005), José Miguel Wisnik (Onqotô, 2005, e Nazareth, 1993), Tom Zé (Santagustin, 2002, e Parabelo, com Wisnik, 1997), Lenine (Breu, 2007, Triz, 2013), e João Bosco (Benguelê, 1998), Ernesto Lecuona (Lecuona, 2004).

“A ideia de convidar músico para compor foi do Paulo (Pederneiras).
Na época, ele dizia que grandes compositores criavam para o balé, como Tchaikovsky. Por que não fazer trilhas exclusivas com compositores da música popular?” A dinâmica de coreografar a partir de trilha original estabeleceu processo de criação que constituiu a linguagem do grupo de 43 anos. “Deu muito certo. A troca de ideias é muito produtiva. Sempre é mais forte. A relação com os compositores ocorre de forma aberta, tranquila”, diz. Para o próximo espetáculo, nada mais, nada menos do que Gilberto Gil foi convidado a compor.

Ao criar 21, o Grupo Corpo também buscava levar para a linguagem da dança traços de brasilidade
. “Quando fizemos 21, tínhamos na cabeça como fazer a dança mais brasileira, do nosso jeito. Logo depois veio Nazareth, brasileiríssimo”, comenta. Esse aspecto se tornou parte do DNA da companhia.
“Ao longo do tempo, cresceu e se consolidou. Sai assim porque a gente é brasileiro. Lentamente, desenvolvemos uma linguagem muito nossa”, diz Rodrigo Pederneiras.

E quando se olha para os bailarinos em cena, não há dúvida de que a linguagem do Grupo Corpo passa pelo quadril. “Uma marca é o movimento do quadril. Desenvolvemos uma forma de movimento que gera sensualidade. Esse balanço que só a gente (brasileiros) tem. Somos feitos de misturas.” O movimento do quadril já estava em 21, quando os bailarinos dançavam peças musicais extraídas das combinações entre os números 6, 5, 4, 3, 2, 1 – que, somados, dão 21. O espetáculo se estrutura em hai-kais visuais.

Ao olhar para a criação de 26 anos atrás, Rodrigo avalia que, na atualidade, faria algo diferente. No entanto, não mudou nada. Manteve a estrutura exatamente como era.
“Foi início do caminho trilhado, de feitura da linguagem que a gente tem hoje tão reconhecida. O 21 é um marco especial. Ao remontar, penso que tal coisa não faria dessa forma. Mas ainda é contemporâneo. A peça não envelheceu”, avalia.

GIRA E 21
Com o Grupo Corpo. Direção e coreografia de Rodrigo Pederneiras. De amanhã (22) a domingo (26). De quarta a sábado, às 20h30; e domingo, às 19h. Grande Teatro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400). Ingressos: Plateias 1 e 2: R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia); plateia superior: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), na bilheteria do teatro ou pelo www.ingressorapido.com.br.
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