A rotina de Davi Motta é pesada. De manhã, aula de balé. À tarde, ensaios e, à noite, apresentações. Às vezes, duas, entre as 18h e as 22h. Ser bailarino em Moscou e integrar o corpo de baile do Bolshoi pode despertar a fantasia de muita gente, mas a verdade é que, para além do glamour, há muito trabalho duro, maturidade e disciplina envolvidos na carreira. Essa combinação chegou cedo para Davi, de 21 anos, e um dos quatro brasileiros do corpo de baile de um dos balés mais tradicionais da Rússia.
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O contrato de Davi é para o corpo de baile, mas ele já dançou alguns papéis principais ao lado das estrelas do Bolshoi.
O rapaz é o único brasileiro a ter estudado na escola Bolshoi de Moscou. Chegou à Rússia em 2010, sem conhecer o alfabeto cirílico nem o frio de menos 40 graus, mas aprendeu a língua e, em 2015, já integrava o corpo de baile oficial. O país, ele confessa, é duro.
Davi costuma dançar em média cinco a seis balés por temporada. Nos ensaios durante as tardes, antes das apresentações, treina as peças a serem dançadas na semana seguinte. Na conta final, ele dança, no mínimo, dois balés por dia. “Meu maior desafio é lidar com o cansaço físico”, confessa. “E nisso entra o emocional e o mental.” Mas vale a pena.
Ele tem orgulho de dizer que é formado na escola russa, berço de uma tradição que fez da dança clássica um espetáculo de precisão, graça e virtuosismo. Em tempos de críticos que proclamam a morte do balé, Davi tem uma certeza: “Apesar de não ter nada novo, a dança clássica evoluiu muito. Se você assistir aos vídeos de hoje e aos de antigamente, vai ver que é diferente. Há uma evolução no estilo de dançar, os bailarinos de hoje são mais altos, mais flexíveis e alongados.
NOVOS TEMPOS O século 21 e movimentos pela igualdade de gênero e raça trouxeram também uma nova forma de olhar para a dança. Depois do #Metoo, os corpos de baile dos teatros mais importantes do mundo se revoltaram com a tirania nos ensaios. Extremamente competitiva, a carreira é também conhecida por horas e horas de esforço físico insano em busca da perfeição, um comportamento até então aceito pelos bailarinos e protagonizado pelos mestres, coreógrafos e diretores de balé.
Davi acredita que um certo grau de firmeza é necessário. O corpo de baile do Bolshoi é formado por 300 bailarinos que se revezam em um repertório com 38 coreografias, todas clássicas na história da dança. Os dois palcos do Teatro Bolshoi têm programação o dia inteiro, seja com concertos, óperas ou balés.
“A Rússia tem a fama de ser rígida, mas isso funciona. O balé russo é considerado o melhor do mundo e tudo que é o melhor do mundo é muito cobrado. E é um trabalho no qual você lida com muita gente; então, conseguir colocar ordem em 30 pessoas que estão cansadas, machucadas, tem que ter uma pessoa capaz de dar um empurrão”, explica.