Uai Entretenimento

Conheça Davi Motta, brasileiro que se destaca no balé Bolshoi

Davi estudou balé em Brasília e chegou em Moscou sem falar uma palavra em russo - Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
A rotina de Davi Motta é pesada. De manhã, aula de balé. À tarde, ensaios e, à noite, apresentações. Às vezes, duas, entre as 18h e as 22h. Ser bailarino em Moscou e integrar o corpo de baile do Bolshoi pode despertar a fantasia de muita gente, mas a verdade é que, para além do glamour, há muito trabalho duro, maturidade e disciplina envolvidos na carreira. Essa combinação chegou cedo para Davi, de 21 anos, e um dos quatro brasileiros do corpo de baile de um dos balés mais tradicionais da Rússia.

Davi não passava dos 13 anos quando desembarcou em Moscou para estudar na escola do Bolshoi. Chegou lá graças à professora Regina Corvello, que viu o menino, pela primeira vez, nas aulas do projeto social tocado pela mãe dela, Ofélia Corvello, em Cabo Frio (RJ). “Falei pra ela: ‘Mãe, deixa eu trabalhar o Davi para concursos’”, lembra.
Regina levou Davi para Brasília, onde começou no Taguatinga Dança.

Muitos concursos depois, ele chegou a ganhar, em 2017, o primeiro lugar da Competição Balé Russo, a mais prestigiada do mundo da dança clássica. Recebeu o prêmio das mãos de Yuri Grigarovich, coreógrafo e lenda viva do balé russo, diretor artístico do Bolshoi por muitos anos. O mês de férias, Davi passa entre Brasília e o Rio de Janeiro. Recentemente, foi a Brasília para homenagear a primeira professora, Ofélia, que completou 80 anos. No Theatro Municipal, na capital fluminense, dançou Les shylphides, com a primeira bailarina da casa, Claudia Mota, e Raymunda, com a primeira solista, Juliana Valadão. Em setembro, volta para Moscou com as energias recarregadas. A temporada vai exigir dedicação do rapaz: há solos importantes pela frente.

O contrato de Davi é para o corpo de baile, mas ele já dançou alguns papéis principais ao lado das estrelas do Bolshoi.
As solistas Svetlana Zakharova e Ekatrina Krysancva são adoradas e reverenciadas no mundo do balé, um universo particular no qual o estrelato é curto, mas intenso. As estrelas dançam, em média, até os 38 anos. Para os homens, essa média é até os 40 anos. Davi já pensa no futuro, em talvez abrir uma escola de dança, mas ainda não se preocupa. O caminho que ele traça no Bolshoi é em direção ao papel de solista, algo bastante provável para os próximos anos. “É uma carreira bem pequena, mas isso me dá vontade de fazer mais e melhor”, repara.

O rapaz é o único brasileiro a ter estudado na escola Bolshoi de Moscou. Chegou à Rússia em 2010,  sem conhecer o alfabeto cirílico nem o frio de menos 40 graus, mas aprendeu a língua e, em 2015, já integrava o corpo de baile oficial. O país, ele confessa, é duro.
Sobretudo o clima. Mas quando entra no Teatro Bolshoi, tem a certeza de que não deveria estar em outro lugar. “Sinto-me em casa”, garante.

Davi costuma dançar em média cinco a seis balés por temporada. Nos ensaios durante as tardes, antes das apresentações, treina as peças a serem dançadas na semana seguinte. Na conta final, ele dança, no mínimo, dois balés por dia. “Meu maior desafio é lidar com o cansaço físico”, confessa. “E nisso entra o emocional e o mental.” Mas vale a pena.

Ele tem orgulho de dizer que é formado na escola russa, berço de uma tradição que fez da dança clássica um espetáculo de precisão, graça e virtuosismo. Em tempos de críticos que proclamam a morte do balé, Davi tem uma certeza: “Apesar de não ter nada novo, a dança clássica evoluiu muito. Se você assistir aos vídeos de hoje e aos de antigamente, vai ver que é diferente. Há uma evolução no estilo de dançar, os bailarinos de hoje são mais altos, mais flexíveis e alongados.
A técnica mudou. E balé é estilo da pessoa, a gente pode fazer passo, mas vai ser diferente”.

 



NOVOS TEMPOS O século 21 e movimentos pela igualdade de gênero e raça trouxeram também uma nova forma de olhar para a dança. Depois do #Metoo, os corpos de baile dos teatros mais importantes do mundo se revoltaram com a tirania nos ensaios. Extremamente competitiva, a carreira é também conhecida por horas e horas de esforço físico insano em busca da perfeição, um comportamento até então aceito pelos bailarinos e protagonizado pelos mestres, coreógrafos e diretores de balé.

Davi acredita que um certo grau de firmeza é necessário. O corpo de baile do Bolshoi é formado por 300 bailarinos que se revezam em um repertório com 38 coreografias, todas clássicas na história da dança. Os dois palcos do Teatro Bolshoi têm programação o dia inteiro, seja com concertos, óperas ou balés.

“A Rússia tem a fama de ser rígida, mas isso funciona. O balé russo é considerado o melhor do mundo e tudo que é o melhor do mundo é muito cobrado. E é um trabalho no qual você lida com muita gente; então, conseguir colocar ordem em 30 pessoas que estão cansadas, machucadas, tem que ter uma pessoa capaz de dar um empurrão”, explica.

.