A atriz Joana Caetano não havia se dado conta do potencial de sua voz, até que uma diretora de teatro chamou sua atenção para isso e a indicou para fazer um trabalho no mercado de audiolivros. Joana gravou O diário de Anne Frank, o relato da menina judia escrito durante a Segunda Guerra Mundial, entre junho de 1942 e agosto de 1944
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Conceição Evaristo é forte candidata a ocupar cadeira número 7 da ABLLivro registra trajetória de 25 anos do Teatro da Vertigem'Queermuseum' desafia 'censura' com mostra aos pés do Cristo no RioMostra exibe clássicos de Eisenstein no Cine Humberto MauroEmbora o trabalho exija técnica e disciplina, o narrador não fica isento de se emocionar com o livro, o que é outro aspecto a ser administrado. “Teve momentos em que realmente tive que dar uma parada para respirar e retomar a concentração”, conta Joana.
“Mesmo com todo aquele tumulto, a senhora conseguiu abstrair e entrar naquele universo. Além de a trama ser tocante, a narração emocionou. Acho importante dar esse feedback, para que o profissional saiba que está no caminho certo e fez um trabalho benfeito”, afirma a gerente.
Ao longo dos quatro anos de atividade do Ubook, Marta Ramalhete teve contato com cerca de 300 profissionais, entre dubladores, locutores, repórteres e atores. Nesse universo, pouquíssimos haviam tido contato com audiolivros. “É um mercado novo para todo mundo e é apaixonante como tudo o que envolve a voz. Além de ter um timbre adequado e dicção perfeita, o hábito da leitura é fundamental. O bom narrador tem que desaparecer.
Experiente nos palcos, nos sets de filmagem e nos estúdios de TV, o ator Paulo Betti já há algum tempo vem emprestando sua voz a obras como a trilogia do escritor Laurentino Gomes sobre a história do Brasil (1808, 1822 e 1889). “Levei tudo da minha experiência como ator para a narração”, diz Betti. “É um trabalho difícil e não consigo fazer mais do que três horas por sessão, porque exige muita concentração. Tenho que interpretar o texto de primeira, fazendo a ideia chegar até o ouvinte. Dividir e pronunciar bem as palavras, tenho que entender o que estou lendo, senão o ouvinte não se liga”, descreve o ator, que aponta o tom exato da leitura como o maior desafio. “Como dizer aquelas palavras? De forma solene? Coloquial? Qual é o tom de cada livro, de cada página, de cada capítulo, de cada frase? Mas é tudo fascinante.”
A seleção dos narradores de audiolivros tem que ser criteriosa, porque cada publicação requer um tipo de voz e de narração. “Há livros que pedem algo mais formal; outros, mais solto. Há histórias que ficam melhor com uma voz feminina ou mais madura.
“O texto que o narrador lê é exatamente o que está no livro; não há nenhuma adaptação. Por isso, tudo o que causa estranheza no leitor não pode entrar. Daí a importância do revisor. O leitor tem que mergulhar na história; não pode parar e ficar pensando no narrador”, comenta a gerente de produção. Ela afirma que a palavra-chave, quando se trata de audiolivro, é credibilidade. “Independentemente de ser ficção ou não, o narrador deve incorporar o autor, suas ideias. Nada pode soar fake.”
CURSO Foi por perceber um mercado em expansão que Marta Esteves e o dublador, locutor, professor e narrador de audiolivros Flávio Carpes criaram em junho passado um curso para qualificar profissionais de audiolivros. Em outubro, eles promoverão outra edição do curso, que é ministrado em dois sábados, com 16 horas no total.
Diferentemente do que fazem muitos de seus colegas, Flávio não costuma ler os livros antes de entrar em estúdio. Ele diz que sua decisão não se deve apenas à falta de tempo – há obras com até mil páginas, além dos livros em série –, mas tem a ver com a vontade de não estragar a surpresa. “Sei que há essas recomendações de ler antes, mas acho que tem um encantamento quando você entra em contato com o livro pela primeira vez e é isso que tento passar ao leitor. Tem sido uma experiência maravilhosa fazer parte disso. Livro é algo fantástico. A gente sempre aprende. O grande lance é fazer dessa profissão não apenas um ganha-pão, mas um prazer para a gente e, principalmente, para quem está ouvindo.”
Paulo Betti também enfatiza o aspecto do aprendizado relacionado a essa atividade. “A história do Brasil é tão rica e surpreendente.
NICHO CRISTÃO
Desde 1965 no mercado editorial, a Mundo Cristão decidiu embarcar nos audiolivros há aproximadamente um ano. Já são 20 títulos que abordam questões religiosas, espiritualidade e até obras clássicas de domínio público. “Percebemos que não dava para ser apenas uma publicadora de livros de papel. Tínhamos de ser uma provedora de conteúdo também no mundo digital, com os e-books, e no áudio”, afirma Renato Fleischer, diretor da Mundo Cristão Fleischer prevê “um longo futuro” para os audiolivros, por sua praticidade. “Mais do que atingir um público com alguma deficiência visual, ele tem conquistado todo tipo de pessoa. Quem está no trânsito, quem não tem muito tempo de ler, alguém que está em viagem. Muita gente já está preferindo o audiolivro.” O principal narrador da editora é Eduardo Costa Mendonça, mais conhecido como Duda Baguera. Ele trabalha com a voz há quase 30 anos e começou a ter experiência com audiolivro quando morava nos Estados Unidos, num momento em que a tendência não havia aportado no Brasil. “A voz é um universo gigante e cada uma das áreas – dublagem, locução, narração – tem suas especificidades”, aponta. “No caso do audiolivro, você precisa ser a voz na cabeça do leitor, mas, ao mesmo tempo, não aparecer.” Dada a carência de cursos na área, Duda diz que esse é um ofício que se aprende na prática. “Quanto mais você faz, mais você se especializa”, aponta o narrador, que enxerga no audiolivro outro benefício além da ampliação do mercado aos profissionais da voz. “Num país como o nosso, que não tem tanto interesse pela leitura, ouvir o livro pode ser um caminho para formar leitores.”