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Livro registra trajetória de 25 anos do Teatro da Vertigem


Sensação de movimento oscilatório ou giratório do próprio corpo ou do entorno com relação ao eixo. Vertigem. O termo vem sendo, há 25 anos, traduzido para a dramaturgia como “busca, que também é aventura, pesquisa e experimentação”. A definição sobre a prática colaborativa foi proposta por Antonio Duran e está expressa no texto “Dramaturgismo e Vertigem”, do livro Teatro da Vertigem (Editora Cobogó), organizado pela professora e pesquisadora Sílvia Fernandes, que será lançado no domingo (19), às 17h, na sede do Teatro da Vertigem, no Bairro Bela Vista, em São Paulo. A obra conta a trajetória de mais de duas décadas de um dos grupos de teatros mais importantes do Brasil.

Organizada em cinco partes, a publicação traz textos dos atores, diretores e profissionais de outras áreas com destacada atuação, que estabeleceram relação com o grupo, como o professor de cinema Ismail Xavier e a historiadora Lilia Moritz Schwarcz. “A gente vinha acalentando a ideia do livro há algum tempo. Quando vimos que estávamos nos aproximando desse tempo de 25 anos, pensamos em produzir um material que pudesse deixar registrada nossa trajetória. Diante da efemeridade da nossa arte, não queríamos que nosso trabalho ficasse só para quem viu”, afirma Guilherme Bonfanti, responsável pela concepção de luz do Vertigem.
Além dos textos reflexivos, o livro é ricamente ilustrado com 115 fotografias dos espetáculos.

A coletânea de textos permite imersão no processo criativo do Teatro da Vertigem, de maneira a demonstrar como foi constituída a metodologia que possibilita a participação de todos os integrantes. Nas criações, o grupo leva em conta a arquitetura da cidade, propondo montagens em espaços não convencionais, bem diferentes dos palcos. Um exemplo é o espetáculo O livro de Jô, criado para ser encenado num hospital desativado, o Hospital Humberto I, em São Paulo.

A primeira parte do livro conta o processo de “invenção” do Vertigem. Um dos textos é assinado coletivamente. Os integrantes do grupo fizeram roda de conversa para falar da trajetória e também para projetar o que esperam para o futuro. “Falamos sobre tudo: memória, questões ligadas a recepção, pesquisa de linguagem. relação com a cidade”, afirma Guilherme.

O fato de levar as montagens para locais inusitados faz com que os espetáculos sejam de riqueza plástica bastante singular.
Por isso, a primeira ideia era produzir livro com essas imagens. No entanto, como o grupo também se caracteriza pela pesquisa de linguagem, a proposta se ampliou para abarcar textos reflexivos. “A Sílvia sugeriu que chamássemos outras pessoas para escrever, já que o Vertigem trabalha na área multidisciplinar: cinema, arquitetura, artes visuais, urbanismo. Que pudéssemos falar da relação com a cidade”, afirma.

Quando o grupo faz opção por não encenar em palcos convencionais, assume o desafio de propor soluções cênicas, de luz e figurino para os espaços escolhidos, o que requer pesquisa e o que levou ao desenvolvimento de uma linguagem própria. “Todo pensamento que desenvolvi com a luz está conectado ao Vertigem. Trabalhamos com a luz em processo. Como todo processo é colaborativo, relaciono-me com outras áreas de criação”, explica o iluminador.

Ele lembra que é preciso entender a arquitetura do espaço escolhido, como por exemplo, ao encenar em um hospital, ele passa a levar em conta os equipamentos e materiais para pensar a luz. “Para (o diretor) Antônio Araújo, o teatro e a cidade acontecem ao mesmo tempo, em atrito.
Nessa perspectiva, eu não poderia criar set com refletores. Tinha que negar equipamentos convencionais e trabalhar com a luz da cidade para iluminar a cena”, diz. E a cada espetáculo deve ser feita outra pesquisa. “A gente não pode ficar preso às descobertas do processo anterior. Os espaços são diferentes a cada espetáculo. Estamos no lugar da vertigem, sempre lugar pantanoso de quem não pisa com firmeza”, diz.



ENTREVISTA
Eliana Monteiro, diretora artística do Teatro da Vertigem

Como a relação com a cidade define a linguagem do Teatro da Vertigem?

A relação com a cidade é fundamental. As cicatrizes da cidade são muito importantes: os lugares dos acontecimentos. No Apocalipse 1,11, um dos motes foi o massacre do Carandiru, uma cicatriz na cidade de São Paulo. Para fazer o espetáculo, nós demos aulas para detentos por um ano. Tentamos viver a realidade deles o máximo possível para desenvolver nossa pesquisa.
Somos um grupo muito urbano. A maioria das nossas questões é ligada à cidade.

Em que medida a atuação do Teatro da Vertigem na interface da arquitetura e em diálogo com outras artes expande a linguagem teatral?

A questão do espaço no Vertigem está presente desde o início. Optamos por não fazer teatro em espaços convencionais. Fazemos em edificações que não foram feitas para teatro. A rua não está preparada. Está em movimento. Não fechamos a rua. Tentamos aprender a lidar com a rua e a rua a lidar com a gente. Isso expande o trabalho do ator e a dimensão de fazer teatro na rua. O livro de Jó trata da Aids, em 1995, quando ainda não tinha coquetel.
Todo mundo tinha alguém com esse problema que estava num mesmo local. Mesmo para quem não tem problema nenhum, a memória do espaço interfere na percepção do espectador. A memória do espaço muito importante para o Vertigem. O espaço conta história.

Como foi o processo de seleção dos textos para o livro?

A Sílvia Fernandes foi a curadora. Foi a pessoa que deu cara ao livro. O processo foi bem colaborativo. Com textos nossos e pessoas da academia nacional e internacional.

Como é sua trajetória no Vertigem?

Quando entrei, o grupo já tinha cinco anos de existência. Antônio Araújo foi meu professor. Quando assisti a O livro de Jó, em 1995, pensei que era o que eu queria fazer e tinha que ser com aquelas pessoas. Antes, fazia teatro por fazer. O livro de Jó foi um divisor. Não me vejo sem fazer teatro e sem fazer Vertigem.



Espetáculos marcantes

O paraíso perdido (1992), de Sérgio de Carvalho
O livro de Jó (1995), de Luis Alberto de Abreu
Apocalipse 1,11 (2000), de Fernando Bonassi
BR-3 (2006), de Bernardo Carvalho
História de amor (Últimos capítulos) (2007), de Jean-Luc Lagarce
A última palavra é a penúltima (2008)
Dido e Enéas (2008), de Henry Purcell
Kastelo (2010), de Evaldo Mocarzel, inspirada nos textos de Franz Kafka
Bom Retiro 958 metros (2012), de Joca Reiners Terron



TEATRO DA VERTIGEM
Sílvia Fernandes (org.)
Cobogó
336 páginas
R$ 80.