
Há oito anos Firmeza leciona no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC). Arte e educação estão presentes na vida dele desde a infância. Sua mãe, psicóloga e professora, trabalhava com crianças portadoras de Síndrome de Down. “Por essa relação indireta com a educação e muito teórica com as artes, demorei a ter clareza de que era um artista. Gostava muito de desenhar – e ainda gosto, embora não desenhe tão bem”, diz.
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“Esse projeto tomou uma proporção gigante. Lidava com essa questão de haver um poder midiático totalmente vinculado à construção daquilo que chamamos de cultura, que está sempre pelos vencedores e nunca pelos vencidos. A exposição partiu da pergunta crítica: o que é necessário para a construção de um artista? O que o formula? O trabalho dizia disto, desta subordinação do campo cultural ao campo mercadológico”, explica Firmeza.

O personagem japonês ensinou ao seu criador que o próprio mercado da arte brasileira pode ser frutífero para seu gênio criativo. É um cenário instigante e frágil, como ele define. “Há três anos, estávamos bombando, recebendo exposições de todo o mundo e com uma grande quantidade de galerias surgindo em São Paulo. Era revisionismo, uma espécie de mea-culpa norte-americana, ao mesmo tempo em que a arte eurocêntrica buscava se abrir. Agora, o mercado entrou nessa crise que o país atravessa, muito porque os colecionadores de arte são caras perseguidos pela (Operação) Lava-jato. Aqui, falando de forma rasa, a arte serve para lavar dinheiro”, dispara Firmeza.
“Nesta crise, a arte e a cultura são as primeiras a sofrer um corte absurdo, principalmente em fomentos e incentivos do dinheiro público. Nunca fui um artista que vendesse muitas obras, mas tenho uma relação legal com as instituições públicas. O mercado é frágil e, ao mesmo tempo, é muito claro do ponto de vista histórico. Vários artistas dos anos 1990 e 2000 desapareceram por estarem tão atrelados ao mercadológico. Quando o mercado quebra, essa turma não possui outro lastro”, analisa.
MULTIARTISTA Yuri Firmeza acredita que o artista, por natureza, não deve ficar preso a uma ou outra linguagem, por avaliar que a obra tem autonomia até em relação ao seu criador. Uma pesquisa pode virar texto, curadoria ou qualquer linguagem artística. “Há uma espécie de escuta, mais do que um desejo de falar. O artista parte de uma coisa muito pessoal, que é a escuta do seu trabalho, de onde ele vem e do que ele virá a ser. O método vira menos o lugar de chegada, a meta. Nós invertemos: é o caminho que vai nos dizer da chegada, e não o inverso. É assim que o trabalho vai tomando forma, seja como desenho, pintura ou fotografia. O caminho vai se construindo com o caminhar, com o perdão do clichê.”
Seja como fotógrafo, cineasta ou performer, há elementos que se repetem em sua obra. A contestação é recorrente no que ele produz. Em abril, Yuri integrou um projeto que percorreu 60 mil escolas brasileiras que fecharam as portas. “Não acho que toda arte é política, mas pode vir a ser e é bom que seja. Não do ponto de vista temático, mas como uma espécie de problema do pensamento. A política sai da macropolítica, deixa de ser substantivo e passa a ser verbo”, opina.
“Há outras formas de entendimento da política que a arte associa e dispara. No meu trabalho, posso colocar outros mundos, saindo do campo do impossível, tornando-se um gesto politicamente muito importante. Esse gesto carrega a dimensão de que é possível inventar novos modos de existir. Acho que a política não pode virar um tema, resultando em um trabalho que ilustre uma questão. O que faço não ilustra, nem representa nada, mas põe questões e as tensiona.”
Em seus trabalhos, Yuri busca desconstruir um saber pré-definido e, por vezes, equivocado sobre o corpo. “Faço isso enquanto homem, branco, heterossexual e cisgênero, mas hoje há tantos outros corpos, que demoraram, mas – ainda bem – estão sendo notados. Desde que comecei a dar aulas na UFC, percebo que as turmas estão mudando radicalmente. Há um processo muito rápido, no país e no mundo, de constituição de novos lugares, que trazem à tona discussões como sexualidade, gênero e raça. Ouço e aprendo muito com essa galera.”
Para Paulo Henrique Silva, curador da mostra Entre acervos, a relação entre corpo e performance é um dos trunfos da arte de Yuri Firmeza. “Lembro de ter visto um adolescente, cerca de 14 anos, observando as fotografias e, em seguida, olhando para o próprio corpo. O Yuri atiça o inventário corporal, aquilo que você nunca observa. Ele fragmenta esse composto de um todo e faz com que efetivamente olhemos para nós mesmos.”
Na opinião do curador, “não há como avaliar o trabalho dele sem pensar na questão local. A produção regional do Nordeste pulsa de forma diferenciada do âmbito nacional, levando em consideração que, hoje, existe São Paulo e o resto do Brasil. Uma identidade tão forte quanto a do Yuri acaba ganhando projeção diferenciada”.
ANDRELÂNDIA O corpo é justamente o ponto de partida de um dos trabalhos performáticos que Yuri Firmeza se dedica a criar, atualmente. “Será uma composição em tempo real, inspirada por uma cidade mínima, um lugar minúsculo, chamado Andrelândia, que fica no Pará”, conta o artista. Sua ideia deve se tornar uma exposição de 33 dias, com ações novas diariamente.
Antes, no próximo dia 23, ele apresenta sua mais nova incursão no mundo cinematográfico no 29º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, Apenas um gesto ainda nos separa do caos.