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Artista Marco Paulo Rolla fala sobre mostra 'Ópera' no Palácio das Artes

“A performance não é! Não tem forma exata.” A inquietude da busca caracteriza o processo criativo de Marco Paulo Rolla. A obra do artista recebe retrospectiva na exposição Ópera, com curadoria de Júlio Martins, até 21 de outubro na Galeria Mari’Stella Tristão do Palácio das Artes.

 

“Procuro enxergar em que estou me repetindo para não me repetir de forma tão óbvia. Busco ser mais aberto, mais múltiplo”, afirma. Nas artes, Marco Paulo está no entrelugar. “O inconsciente, para mim, é a coisa mais inteligente que a gente tem. Não preciso ter medo dele”, afirma.


Marco Paulo conversou com a reportagem, no sábado, no Bar Estabelecimento, no bairro da Serra, depois da abertura da exposição. Comemorava com uma turma de amigos artistas, Brígida Campbell, Bruno Vilela, Nydia Negromonte e Marcelo Drummond.

 

Em sua obra, o artista dialoga com as imagens que estão ao seu redor propondo uma “arqueologia das imagens”. Olha para o sistema capitalista de maneira crítica, mas não vê no dinheiro a razão dos problemas da sociedade contemporânea.
Para ele, a raiz das questões está no humano, inclusive na maneira como lidamos com o capital. “Busco distanciamento para sentir um pouco a perversidade do sistema capitalista.” O desejo é o lugar que Marco Paulo quer acessar. Algo que cada indivíduo acessa, quando consegue sentir. E o sentir não está mediado pela razão. Diferentemente, pode ser encontrado no inconsciente.

A expressão do inconsciente perpassa os trabalhos produzidos entre 1992 e 2018. “Os temas me escolheram: o ser humano e a dualidade. O ser humano é multiplicidade.
É antagônico. Deixo o sentimento falar por onde ir. Procuro reagir ao que vivo no cotidiano”, afirma. A retrospectiva conta com fotografias, desenhos, vídeos, objetos, cerâmicas, música. Mas, sem dúvida, a performance é o que alinhava o campo que ele denomina de multi-indisciplinaridade. “A performance pede energia poderosa. A presença que requer a consciência da energia do corpo carnal. Não se pode enxergar o corpo como uma máquina.
É a energia que faz o olho brilhar”.

Marco Paulo Rolla - Foto: Túlio Santos/EM/D.APressPor essa concepção de arte que rompe as disciplinaridades, as caixas, não há rigidez no processo criativo de Marco Paulo. Pode estar focado em um tema ou material e, no meio do caminho, desviar para outro interesse. “O inconsciente é o que guia. Descarta ou guarda as coisas pelo sentimento e não pela razão”, afirma.

Ao se ver diante da curadoria feita por Júlio Martins, Marco Paulo enxerga o conjunto de sua obra. “Escolhemos para abrir dois desenhos que foram colocados lado a lado, um de 1992 e outro de 2018. A gente consegue ver entre eles coincidência, mais do que isso: coerência. Não foi premeditado. Foi vivido”, afirma. Aos 51 anos, ele se vê como artista que tem menos medo do corpo, que lida melhor com o embate artista versus mercado, sobrevivência versus inspiração. De forma intuitiva, viu emergir de sua obra o ser humano e a dualidade entre o dramático e o racional.

Ao olhar para o capitalismo, não busca respostas óbvias.
“Não acredito que o dinheiro é o problema. Rico e pobre querem ter dinheiro. O dinheiro seria uma solução se fosse redimensionado aos olhos humanos. Se pensássemos humanamente com o dinheiro”, diz. Faz arte para todas as classes sociais. “Dizem que trabalho com temas relacionados aos ricos, mas os pobres desejam as mesmas coisas”, completa. Ao olhar para o tapete vermelho da cerimônia do Oscar, mais do que olhar para o glamour das estrelas de cinema, Marco Paulo percebe que, quando centenas de fotógrafos direcionam o foco para determinada celebridade, deixam outros na escuridão. “As lentes iluminam as pessoas quando outras ficam escurecidas, nas sombras”, afirma.

A formação artística começou bem antes de entrar para a graduação na Escola de Belas Artes. “Sou músico desde os cinco anos de idade. Tocava piano”, lembra.
Natural de São Domingos do Prata, veio para Belo Horizonte na adolescência para estudar na Fundação de Educação Artística. Aos 17 anos, integrou a Companhia Estupefato, dirigida por Eduardo Guimarães Álvares. “Ele foi meu grande mestre, com quem aprendi sobre a multiplicidade de linguagem: improviso cênico, música, imagem, narrativa quebrada. Foi minha escola mais importante. Tinha aprendizagem de outra ordem”, diz. Nesse período conheceu referências artísticas como encenador, coreógrafo, escultor, pintor e dramaturgo norte-americano Bob Wilson.

A opção de ser artista que transita por diferentes linguagens nem sempre foi aprovada pelos pares. Marco Paulo considera que os artistas mais jovens compreendem e dialogam mais com sua obra do que os artistas contemporâneos ao início de sua carreira. “Ser múltiplo não era bem-visto nos anos de 1980. Era como se estivéssemos atirando para todos os lados. Me sinto feliz em ver que pessoas mais jovens têm interesse na minha obra”, diz.

Uma das admiradoras de Marco Paulo é Brígida Campbell. “Marco Paulo é um artista referência na cidade. Tem trabalho superpoético, que transita em várias linguagens, que desperta curiosidade e interesse. A obra dele desloca a gente em termos de espaço e sensibilidade. É um artista de resistência, batalhando neste mercado complexo”, afirma Brígida. Mas entre os contemporâneos, também há muita admiração. Nydia lembra como ele coloca em diálogo diferentes linguagens, como um trabalho fortalece o outro. “Muito interessante a acidez que tem nos trabalhos”, completa.

Há 10 anos, Marco Paulo é professor na Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). “Foi uma forma de amenizar a sensação de menos-valia no sentido mercadológico e social do artista. Maneira pela qual minha vivência na arte pudesse ser refletida em outra pessoa. Se nada desse certo, isso valeria a pena.” Marco Paulo também criou o Ceia (ceiaart.com.br), que ele define como “iniciativa independente de artista” – plataforma digital em que ele constrói pensamento sobre arte, bem como parte para produzir eventos e editar livros no campo da arte.

Além do fazer artístico, Marco Paulo defende a construção de conhecimento que não seja eurocentrado. “O Brasil se esquece de se autorreferenciar. De pensar a partir das nossas vivências. Não sou contra a teoria europeia. Mas existe teoria na África e no Brasil. A realidade tem que ser redimensionada por nós”, diz. O artista está em busca de visão “transmutatória”, que “possibilite rever nossos olhares, conceitos. Ao rever nossos olhares podemos mudar a realidade”.

ÓPERA
Exposição retrospectiva de Marco Paulo Rolla. Galeria Mari’Stella Tristão do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400). Terça a sábado, das 9h às 21h; domingo, das 16h às 21h.



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