Depois de estrear em 2015 com Gigantes, Pedro Henrique Neschling volta à literatura com Supernormal. Mais conhecido por seu trabalho como ator, diretor, roteirista e dramaturgo, seu principal tema são os relacionamentos humanos. Em Gigantes, mostrou o caminho da transformação do homem ao relatar os anos de amadurecimento de cinco amigos de geração. No novo romance, traz um tema ao mesmo tempo delicado e urgente, especialmente em tempos de intolerância e deixa mais clara sua proposta literária.
Leia Mais
Fox estreia The resident, série sobre negligência profissional Após 16 anos afastada de novelas, Myrian Rios comemora o sucesso no SBTViúva de Saramago diz que encontrou diário no computador do escritorBox com peças do norueguês Henrik Ibsen é lançado no BrasilFestivais nacionais e consagrados no Brasil ganham edições em Portugal“No livro, trato justamente das rupturas da norma”, comenta Neschling. “Em nossa sociedade patriarcal e machista, uma mulher se desconstruindo como protagonista não serviria a isso. Quem entra nessa espiral de autoquestionamento precisava ser o ‘padrão do padrão’, o detentor maior de privilégios, ou seja, um sujeito como o Beto.
O escritor fez intensa pesquisa antes de começar a escrever, a fim de evitar mal-entendidos. “Em termos de protagonismo, a história fala do Beto, um homem branco hétero cisgênero, bastante privilegiado, e sua dificuldade de lidar com o desconhecido, com o diferente. No entanto, tive bastante cuidado em pesquisar, entrevistar e me aprofundar na realidade das transexuais para evitar construir a Helena – personagem fundamental na história – como qualquer tipo de estereótipo clichê de uma trans na visão cisgênera e, mais que isso, escorregar nas muitas cascas de banana que a ignorância sobre a realidade dessas pessoas me colocava”, conta ele, que, além de ler e de assistir a inúmeros documentários, conversou com mulheres trans generosas e disponíveis que compartilharam suas histórias e experiências.
Papel fundamental teve Amara Moira, travesti, doutora pela Unicamp. “Costumo dizer que é uma pessoa que veio do futuro”, observa Neschling. “Esse encontro foi fundamental para o livro ser como é.
REFÉNS Se, em Gigantes, Neschling revela seu cuidado ao tratar de transições que configuram a vida de uma pessoa quando adulta, em Supernormal, ele avança em um terreno movediço, mas volta de lá com troféus preciosos. Engana-se, por exemplo, quem acreditar que o livro se concentra em torno de Helena – depois da surpresa provocada pela sua entrada na trama, Neschling equilibra o interesse do leitor entre a trajetória de Helena e a desconstrução sofrida por Beto. “Trato da desconstrução do Beto através da Helena, falo sobre o momento em que nos questionamos se o que somos é o que queremos ser ou se somos meros reféns do caminho que percorremos”, conta o escritor, decidido a levar a história ao cinema. “E a amizade e o carinho que Beto e Helena têm um pelo outro é a mola que o impulsiona nessa jornada de autorredescobrimento, e, claro, como qualquer mudança interior, nunca é imediata. Busquei deixar essas dificuldades claras, assim como as inevitáveis recaídas em busca do antigo mundo comum.”
Como vivemos em um momento de transição (“Estamos entre o que deixou de ser e o que ainda não é”, já afirmou Zygmunt Bauman), isso se torna ainda mais desafiador. “Torço para que os conflitos do protagonista desse livro toquem e questionem as pessoas hoje, mas, daqui a algum tempo, que pareçam risíveis de tão antiquadas para novas gerações.” (Estadão Conteúdo)
SUPERNORMAL
• De Pedro Henrique Neschling
• Companhia das Letras
• 200 páginas
• R$ 34,90.