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'A Seleção Brasileira sempre foi a nossa seleção', diz autor mexicano Juan Pablo Villalobos

É o futebol – que outro assunto poderia ser? – que dá início à entrevista com o escritor mexicano Juan Pablo Villalobos. Há 15 anos longe de seu país – viveu três deles em Campinas, cidade de sua mulher, a tradutora Andreia Moroni – Villalobos deixou Barcelona, onde mora com a família, para vir ao Brasil lançar seu mais recente romance, Ninguém precisa acreditar em mim (Cia. Das Letras, 264 páginas, R$ 54,90).


O escritor participou da última noite do Fliaraxá, no sábado, antes de voltar rapidamente para casa. Ele assiste hoje à partida Brasil X México em Barcelona. Villalobos, de 45 anos, brincou com o timing do lançamento da edição brasileira de seu novo romance. “Quem vai querer comprar um livro de um mexicano agora?”


A conversa sobre futebol não é meramente circunstancial. Nascido em Guadalajara, ele é fanático pelo esporte. Publicou, durante a Copa do Brasil de 2014, exclusivamente para o mercado brasileiro, o romance No estilo de Jalisco.

Esse seu primeiro livro escrito em português toma o encanto da Copa de 70, que fez do Brasil tricampeão mundial, como ponto de partida para retratar o país nos dias de hoje.


Autor de estilo direto que abusa do humor cáustico, Villalobos se tornou um nome conhecido já com seu romance de estreia, Festa no covil (2010). Nesse primeiro título da chamada “trilogia mexicana” – que seguiu com Se vivêssemos em um lugar normal (2012) e Te compro um cachorro (2015) – o autor revela as entranhas do narcotráfico pelos olhos do filho de um chefão da droga.


Ninguém precisa acreditar em mim
representa uma ruptura na obra de Villalobos, pois seu cenário não é mais o México, e sim Barcelona, cidade para onde o personagem mexicano Juan Pablo se muda para dar início a um doutorado. Só que ele acaba se envolvendo com um grupo mafioso.


A “criatura” carregar o nome e a mesma situação de vida de seu “criador” é o artifício que Villalobos utiliza para, come esse livro, parodiar a chamada autoficção. “Existe uma ideia muito ingênua de que não vale a pena ler ficção, porque você não aprende nada na ficção. E que, se você ler um livro autobiográfico, as experiências de uma pessoa, entre aspas, te darão uma lição de vida”, diz ele, que vai para a seara da não ficção em sua próxima obra.


No livro de contos Eu tive um sonho, com lançamento previsto para setembro na Espanha e no México, o escritor colheu testemunhos de 10 meninas e meninos, migrantes de Honduras, El Salvador e Guatemala, que fizeram sozinhos uma viagem para os EUA. É a resposta de Villalobos ao muro de Donald Trump. Confira abaixo sua entrevista ao Estado de Minas.

 

O que existe da Seleção Brasileira que jogou no estádio de Jalisco em 1970 nesta Copa do Mundo de 2018?

A paixão dos tapatíos (os nascidos em Guadalajara) pelo Brasil e pelo Rio foi toda construída através da memória futebolística.

E tem início na Copa de 70, quando o Brasil jogou na cidade (o Estádio Jalisco, em Guadalajara, foi palco de cinco dos seis jogos da vitoriosa campanha que deu à Seleção Brasileira o tricampeonato). A Seleção Brasileira sempre foi a nossa seleção. O México era eliminado, e todo o país passava a torcer pelo Brasil. Isso mudou, infelizmente. O futebol globalizado fez com que crianças gostem da Alemanha, Inglaterra, Espanha, França. E mudou também porque o México percebeu que dava para jogar bola. Mas sabendo e reconhecendo o óbvio: que o futebol brasileiro é muito melhor do que o mexicano. Mas a experiência na Copa América e na Olimpíada mostrou que o México consegue ganhar do Brasil.
Isso fez com que uma autoestima do mexicano surgisse e que a idealização do futebol brasileiro fosse caindo na real.

Ninguém precisa acreditar em mim faz paródia da chamada autoficção. É um reflexo de algum incômodo que você sente em relação a esse subgênero?
Começa como uma brincadeira, mas uma brincadeira ao mesmo tempo muito séria, que diz respeito a uma ideia de que a literatura autobiográfica é mais verdadeira, entre aspas. Existe uma ideia muito ingênua de que não vale a pena ler ficção, porque você não aprende nada na ficção. E que, se você ler um livro autobiográfico, as experiências de uma pessoa, novamente entre aspas, te darão uma lição de vida. Acho isso de uma inocência terrível, mas cada vez mais o lugar da ficção em nosso tempo está mais marginal. Isso é resultado de uma visão de mundo dominada pelo dinheiro, pelo pragmatismo, de que tudo que você faz tem que ter uma utilidade. Então, para que serve a ficção?


O humor cáustico é outro dos mecanismos na sua obra. Por que essa escolha?
Posso teorizar por que escrevo através do humor, mas a explicação é muito simples. Tento escrever um livro que eu gostaria de ler. Tento escrever um livro que pode ser encaixado numa tradição literária de que gosto.

A literatura que eu leio, que eu curto é uma literatura se não humorística, ao menos irreverente, não solene. Não gosto da ideia de uma literatura muito séria, muito arrogante no sentido de achar que está falando coisas profundas, transcendentes. Gosto de trabalhar com materiais que vêm da nossa experiência cotidiana, com coisas às vezes consideradas frívolas, banais, triviais. Para chegar ao profundo, você tem que começar a fazer um buraco na superfície.

Além de o personagem Juan Pablo ser um mexicano em Barcelona, o que mais existe de real em Ninguém precisa acreditar em mim?
A grande questão é que, no final das contas, em certa medida, toda literatura é autobiográfica. Inclusive aquela que parece mais longe dos seus dados biográficos, sempre vai ter na estrutura mais profunda uma questão mais autobiográfica. Por exemplo, você coloca os personagens numas situações que, sem perceber, estão na situação da sua família. E não é sua família, mas os relacionamentos são parecidos. Minha pergunta (ao escrever o livro) também era: quem fica mais exposto? Aquele que faz uma literatura autobiográfica e diz tudo “isso é verdade” tem que enfrentar uma série de questões delicadas, como pessoas que se veem retratadas num livro. Ou aquele que escreve ficção e sempre está se expondo, sem se dar conta. Neste livro, o ponto de partida é autobiográfico.
Um cara do México, que estudou literatura e vai fazer doutorado em Barcelona. A partir daí, o romance tenta responder a uma pergunta: o que teria acontecido se quando eu tinha esse ponto de partida uma organização criminosa tivesse me chantageado para eu trabalhar para eles? A resposta é o romance.

Sua obra seria diferente se você tivesse permanecido no México?
Ela não seria a mesma, isso é um fato. Essa distância, o fato de eu estar expatriado, foi muito produtiva em termos literários nos primeiros sete, oito anos, para eu poder enxergar de uma perspectiva diferente a realidade mexicana. Depois, virou um problema, porque comecei a sentir que não entendia o que estava acontecendo no país. E que o país que eu conhecia não existia mais. E que corria o risco de eu fazer uma literatura exótica, que é o pior que poderia acontecer. Quando estava passando por uma crise de identidade literária, achei em um livro do artista mexicano Gabriel Orozco a seguinte ideia: um artista tem que trabalhar com o que tem por perto. Vi que a posição dos meus narradores tinha que ser congruente com a posição que tenho como pessoa no mundo. Sou um imigrante, não sou mais só um mexicano que mora no México.

Seu livro mais conhecido, Festa no covil, o colocou na estante da narcoliteratura. Isto lhe incomoda?
É fato que tenho dois livros, Festa no covil e Ninguém precisa acreditar em mim, que têm a ver com a questão do tráfico. Seria ingênuo da minha parte achar que isso não seria etiquetado como narcoliteratura. Para mim, como escritor, isso não tem a menor importância. Não sou um escritor de gênero, no sentido de que há escritores no México que só escrevem narcoliteratura, criaram personagens para fazer séries. Meus livros entram nesse tema da narcoliteratura de outro jeito, há outros temas e uma intenção de ir além do contexto, além das manchetes da notícia. Tenho a aspiração de que esses livros, daqui a 20, 30, 40, 50 anos, quando espero que o tema do tráfico seja coisa do passado, ainda sejam legíveis, interessantes.

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