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Marina Colasanti e Ana Maria Machado serão homenageadas no Festival Literário de Araxá


Quando a edição 2017 do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá) chegou ao fim, o criador e curador do evento, o produtor cultural Afonso Borges, se viu diante de um dilema. Afinal, o festival havia atraído 26 mil pessoas e homenageado um dos autores mais celebrados da literatura mundial, o moçambicano Mia Couto, tendo como patrono José Saramago (1922-2010). O que propor então para a sétima edição, que começa na próxima quarta (27) e vai até dia o domingo (1º), na cidade do Alto Paranaíba mineiro? “É sempre um desafio escolher esses nomes. As efemérides ajudam muito, tanto que em 2018 vamos ter como patrono Guimarães Rosa (1908-1967), cujos 110 anos de nascimento se completam justamente nessa semana, além do Graciliano Ramos (1892-1953), que há 80 anos publicava Vidas secas”, diz.

Mas ainda faltavam os homenageados, ou melhor, as homenageadas. “Como a gente já tinha dois homens, achava que tinham que ser duas mulheres. As escolhidas foram a Marina Colasanti e a Ana Maria Machado, que, na minha opinião, são duas das mais importantes escritoras do Brasil. Na parte local, ainda teremos o poeta João Rios Montandon como patrono e a autora homenageada será a Leila Ferreira”, afirma.

Marina Colasanti diz estar animadíssima com o convite e brinca que essas homenagens acabam vindo por conta da idade avançada. “Até vi que estão chamando a mim e a Ana Maria de damas da literatura, mas não é bem assim (risos).
Tenho 80 anos e continuo sendo irreverente, procurando sempre novas soluções, buscando ser ousada”, diz a autora, que vai participar de uma série de atividades na Fliaraxá. Uma das ações – novidade deste ano – é o Mastigando Autores, que promoverá encontros entre escritor e leitor em salas menores do Grande Hotel de Araxá, palco do Fliaraxá. Haverá ainda o Mastigando Leitores, com sessões frequentes de autógrafo na livraria do evento. “O que a gente percebe na grande maioria dos festivais de literatura é que os autores têm muito tempo livre. E no Fliaraxá quase todos ficam a semana inteira, circulam pelo hotel. Por isso a ideia de, além das mesas e dos debates que reúnem mais convidados, fazer essas atividades menores para que o público fique mais próximo do escritor. É uma tendência mundial”, diz Afonso Borges.

Marina brinca que esse encontros são uma espécie de “canibalismo amoroso” e observa que é sempre importante estar mais próximo dos leitores.
“Em um deles, vou falar para adolescentes. Volta e meia isso acontece, e gosto muito. Não dá para generalizar e afirmar que jovem não gosta de ler. Isso depende de que parte do país ele é, qual o nível de escolaridade, qual o tipo de escola e de professores que participaram de sua formação. Depende de uma série de fatores. De uma forma geral, quando uma criança é endereçada desde a infância para a leitura, ela segue isso pela vida afora”, afirma a escritora, que tem um livro de poesia para crianças e outro de ficção a serem lançados. “Estou sempre escrevendo. Não sei ser de outra maneira.
E também não saberia dizer se isso me deixa mais velha ou jovem. Idade não é forçosamente cronológica, mas o que a gente faz dela. Tem gente que já nasce velha”, analisa.

A ALMA DA LEITURA
O Festival de Araxá – que tem como curadores a professora Heloisa Starling, o jornalista Eugenio Bucci e o escritor Leo Cunha, além de Afonso Borges – definiu como tema da edição 2018 “Alma, Leitura e Revolução”. “O mundo está valorizando cada vez mais o materialismo, o capitalismo. A alma vem nessa contracorrente. E a revolução é a pauta do momento. O planeta precisa de mudanças no sentido da imaterialidade. Tem que vir do próprio ser humano, e tudo isso é construído através da leitura, do diálogo”, diz Borges.

A homenageada Ana Maria Machado acredita que, de certa forma, a temática dialoga com sua trajetória. “Acho que minha vida profissional deve tudo aos efeitos da leitura sobre minha alma. Deve, inclusive, às transformações que minha mente e meu espírito foram sofrendo ao longo da vida, ora dispostos a promover uma revolução, ora considerando que seria mais eficiente e proveitoso lutar por reformas mais justas e duradouras –que, para serem radicalmente eficientes, precisariam estar bem enraizadas, já que têm a ver com raízes”, afirma.

Entre os demais participantes confirmados no Fliaraxá estão Leonardo Boff, Monja Coen, Silviano Santiago, Marcelo Rubens Paiva, Marcia Tiburi, Humberto Werneck, José Miguel Wisnik, Luiz Ruffato, Djamila Ribeiro, Wander Melo Miranda, Ricardo Ramos Filho, Ilana Casoy, Maria Paula Dallari Bucci, Ricardo Aleixo, Marcel Souto Maior, Pedro Muriel, Sergio Abranches, a youtuber Jout Jout, a família Klink, o angolano Gonçalo Tavares, o mexicano Juan Pablo Villalobos e o francês Philippe Lobjois, entre outros.

Afonso Borges não acredita que a Copa do Mundo atrapalhe o movimento da Fliaraxá.
Ele cita como exemplo a própria Pré-Fliaraxá, iniciativa ocorrida entre os dias 18 e 23, que, segundo ele, contou com uma presença maciça do público.”Tem muita gente que gosta de Copa, mas tem quem não liga. Não acho que seja necessário interromper os eventos culturais por conta do Mundial. Dá para conciliar as duas coisas. Tanto que vamos ter a transmissão dos jogos em um telão na área externa do festival para quem quiser acompanhar.”

COMIDA E MÚSICA

Na parte externa do Grande Hotel de Araxá será instalado, novamente, o Fliaraxá Gastronomia, voltado para a culinária mineira. Na programação musical, tardes e noites serão animadas ao som de artistas como Aline Calixto, Thiago Delegado, José Miguel Wisnik, Kristoff Silva, Marcelo Veronez, Lula Ribeiro, Celso Adolfo e Cláudio Fraga.

Três perguntas para...

ANA MARIA MACHADO
Escritora

O Fliaraxá sempre teve como um dos pilares a literatura infantil. A senhora, que tem tantas obras voltadas para esse público, sabe apontar qual é o caminho para se conquistar as crianças?
Não faço ideia. Sempre atuei de forma intuitiva, sem pensar em caminho, fórmula ou receita. Mas quando vejo uma pergunta como essa e tento analisar, confesso que me parece que pude ter sucesso nessa área por dois motivos. O primeiro é que sempre gostei muto de ler e fui leitora voraz de literatura. Por isso, me acostumei a me movimentar bem na linguagem literária, nas estruturas narrativas, na maneira de estruturar uma história e compor personagens.
O segundo motivo seria o fato de eu sempre ter convivido muito com crianças e adolescentes de diferentes idades. Venho de uma família grande e de convívio intenso. Tenho cerca de 20 sobrinhos, tive um filho em cada década ao longo de 1960, 1970, 1980; tenho netos. Ou seja, nunca dei aulas para crianças nem me preocupei em dar lições. Mas a cada história que inventava eu sempre soube a quem a estava contando; bastava pensar especificamente em uma criança da família como leitora-destinatária.

E de modo geral, qual o caminho para se conquistar os leitores, sobretudo num país em que se lê cada vez menos?
Não creio que o país tenha cada vez menos leitores; não é o que os números indicam. A questão está mais na qualidade do que está sendo lido, com preferência para autoajuda, livros religiosos etc. E isso está diretamente ligado à má qualidade de nossa educação, à formação deficiente de grande parte de nosso magistério, à superficialidade das leituras de tantos jornalistas, aos exageros acadêmicos das leituras de tantos intelectuais, enfim, ao que os letrados consideram que deve ser exemplo e modelo de leitura para os outros, mas não seguem em suas próprias leituras. Os números de leitura de Harry Potter, da saga Crepúsculo, de youtubers, de Thalita Rebouças e tantos outros mostram como os jovens estão lendo maciçamente. Os adultos é que estão lendo pouco... 

Guimarães Rosa é um dos homenageados desta edição, e a senhora tem uma tese sobre ele. Qual o principal legado de Rosa para a literatura?
Muita coisa. Para escolher apenas um aspecto, eu destacaria a extraordinária capacidade de descobrir a potencialidade oculta sob as palavras de nossa língua, seja revitalizando ou inventando palavras, seja detonando seus significados superficiais ou explorando sentidos profundos, seja agrupando-as por sonoridades ou famílias semânticas. E com esse material, dócil em suas mãos, partir para a criação de personagens consistentes e inesquecíveis, em situações de densa humanidade e conflitos éticos e existenciais.
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