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Mostra reúne obras do artista plástico José Alberto Nemer em BH


O artista plástico José Alberto Nemer é expoente de uma geração de desenhistas mineiros que despontaram para o cenário brasileiro nos anos 1970. Na década seguinte, realizou suas primeiras experiências com pinturas em aquarelas e, desde então, nunca abandonou a técnica. O ouro-pretano, hoje com 73 anos, expõe parte de sua recente produção no Centro Cultural Minas Tênis Clube a partir deste domingo (24). A mostra permanece aberta à visitação até 2 de setembro.

Cerca de 50 obras ocupam o espaço, entre 30 aquarelas e aproximadamente 20 instalações – que Nemer prefere chamar de “conjuntos”. Cada conjunto é formado por aquarelas pequenas, vinculadas a até três fotos, despretensiosamente tiradas pelo artista em cenários urbanos. “As fotos não inspiram as pinturas nem as pinturas inspiram as fotos. São processos simultâneos e confluentes”, esclarece Nemer.

Nos conjuntos, o artista exibe geometrias corriqueiras de nosso dia a dia que foram afetadas pela ação do homem ou da natureza. O conceito Geometria residual, que dá nome à mostra, perpassa todos os recentes trabalhos do artista.
“Faço uma analogia estética entre a aquarela e fotos que tiro de cenas urbanas, onde a geometria – que já esteve nítida, vigorosa e, de certa forma, ainda está ali, latente – teve seu rigor diluído. Não digo que são geometrias imperfeitas, mas sim residuais, pois sofreram o impacto de intervenções”, explica.

Asfaltos, muros, passeios, janelas e grades, tão comuns nas grandes cidades, são matéria-prima de Nemer. “Em minhas aquarelas, promovo o diálogo com uma abstração mais orgânica. Trabalho sempre a partir de algo que já foi rigorosamente geométrico, mas acabou corroído pelo tempo e por outras formas de desconstrução”, acrescenta.

O veterano, que em sua carreira transitou entre a pintura e o desenho, mostra nessa série uma nova faceta: a de fotógrafo. Ele nega, contudo, um investimento mais profundo na área. “Minhas fotografias não têm grandes pretensões, inclusive foram tiradas de celular. Mas elas têm, digamos, componentes conceituais”, avalia.

Ainda que os conjuntos exibam pinturas em pequenos formatos (7x10cm), a exposição é formada, em sua maior parte, por obras de médias e grandes dimensões, que chegam a até 1,5x4m.
A curadoria é do crítico e professor de arte Agnaldo Farias.

 

INTROSPECÇÃO Ao longo do período expositivo, Nemer vai participar de encontros com os visitantes. Em uma espécie de visita guiada (previamente agendada e ainda sem previsão de início), o artista poderá falar sobre seu processo criativo, além de responder a questões apresentadas pelos visitantes.


Ele exalta a possibilidade de troca entre um artista e seu público, idealizada pela equipe do Centro Cultural Minas Tênis Clube. “O espaço oferece uma programação bastante didática, com monitores e uma proposta realmente educativa. Gosto muito dessa ideia, porque ela ajuda as pessoas a absorver a arte, além de ampliar o conhecimento dos visitantes.”

Nemer já notou, em outras ocasiões, como suas obras são capazes de acalmar os espectadores, levando-os a um processo introspectivo de análise. Esse modo de fruição, ele supõe, tem direta ligação com o seu processo criativo. “Meus trabalhos não são produzidos sob uma febre criativa, mas a partir de silêncio e serenidade. Quando eles entram em exposição, as pessoas sentem esses elementos.”

“A própria técnica da aquarela costuma ser associada a uma orquestra de câmara. Não é uma banda, ou uma grande orquestra, mas algo mais intimista.

A exposição será feita de forma a enfatizar esse intimismo. Até a iluminação da galeria foi pensada a fim de induzir o público a uma reflexão mais calma, sem grandiloquência”, acrescenta Nemer.

 

 

AQUARELAS - Doutor em artes plásticas pela Universidade de Paris, Nemer se estabeleceu no cenário brasileiro com uma produção que, logo no início da carreira, lhe rendeu diversos prêmios – como o concedido pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo no Panorama de Arte Atual Brasileira, em 1980. “Na época, esse prêmio foi uma espécie de coroação do desenho como linguagem autônoma, não como um simples processo de passagem do artista para a pintura”, avalia o artista. Sua trajetória, marcada por exposições no Brasil e no exterior, inclui ainda experiências como professor na UFMG e diretor do Museu de Arte da Pampulha.

Já a incursão nas aquarelas Nemer deve à psicanálise. Na década de 1980, propôs à sua analista entregar relatórios utilizando linguagem não verbal, valendo-se da técnica. Daí surgiu sua primeira série no formato, Ilusões cotidianas, que viajou o mundo. “Sempre me dediquei à linha pura e ao bico de pena. Com o tempo, comecei a me interessar pela aquarela, mas achava a técnica muito complicada. Os mestres me diziam que eu não podia utilizar o preto, porque a aquarela deveria ter transparência. Via-me como um incapaz”, lembra o artista.

Acreditando não ter o domínio daquela linguagem, Nemer optou pelo caminho da subversão.

“Minhas criações subvertiam a própria aquarela, com elementos que não eram permitidos à técnica. Era incomum, também, que aquarelas fossem feitas em grandes dimensões, e eu tive a necessidade de ir crescendo o tamanho dos trabalhos”, conta.

Ainda que na série atual tenha abandonado o figurativo em nome do abstrato, Nemer acredita que o desenho nunca se distanciou de sua produção. “Sempre utilizei papel para trabalhar. Tentei pintar em telas, mas percebi que aquele não era o meu barato. Um dos principais componentes da minha obra é a superfície do papel, que é justamente a base do desenho.”

DESDOBRAMENTOS O mineiro nota, nas aquarelas que compõem a exposição, semelhanças com o trabalho que produzia ao dar seus primeiros passos na pintura. “Sempre me inspirei por cenas do meu cotidiano, fantasias e ansiedades. Meus trabalhos mantêm, ainda, uma preocupação temática em promover o diálogo entre o rigor da construção geométrica e a liberdade do orgânico, do espontâneo.”

Ele rechaça, entretanto, a hipótese de que a experiência adquirida ao longo da carreira o fez aprimorar sua produção artística. “Há um desdobramento. Não diria uma evolução, porque não existe um nível de qualidade. A arte existe como ela existe”, pontua.

O talento com aquarelas, descoberto justamente em um processo de autoanálise, dá a Nemer o entendimento de que esta é a técnica que mais se aproxima de sua essência, como pessoa e artista.
“A aquarela é muito sutil, ao mesmo tempo em que exige um rigor e uma precisão muito grandes. Apesar do meu temperamento, sempre tive tendência para um trabalho mais intimista, silencioso e meditativo.”

As aquarelas o levaram, ainda, a um processo de amplo aprendizado. A impossibilidade de controlar o material artístico fez Nemer atentar para a necessidade de aceitação das diferenças e de atuação junto às impossibilidades impostas pela vida. “Às vezes, uma pintura não sai da forma como eu imaginava, o que mostra que não tenho total domínio sobre aquele material. Aos poucos, fui aprendendo com a própria aquarela que não havia como dominá-la totalmente. Deveria abrigar seus desvios, aceitá-la como parte expressiva e incorporá-la ao meu trabalho.”

“Meus trabalhos não são produzidos sob uma febre criativa, mas a partir de silêncio e serenidade. Quando eles entram em exposição, as pessoas sentem esses elementos” 

“Há um desdobramento (da produção artística ao longo do tempo). Não diria uma evolução, porque não existe um nível de qualidade. A arte existe como ela existe”

“Aos poucos, fui aprendendo com a própria aquarela que não havia como dominá-la totalmente. Deveria abrigar seus desvios, aceitá-la como parte expressiva e incorporá-la ao meu trabalho “

>> José Alberto Nemer, artista


NEMER: AQUARELAS RECENTES – GEOMETRIA RESIDUAL
Exposição de domingo (24/6) a 2 de setembro. Galeria de Arte do Centro Cultural Minas Tênis Clube. Rua da Bahia, 2.244, Lourdes. (31) 3516-1360. De terça a sábado, das 10h às 20h; domingo e feriado, das 11h às 19h. Entrada franca.

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