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Em novo livro, Fernanda Young aborda os desafios de ser mulher nos tempos de intolerância

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No decorrer da já extensa trajetória de Fernanda Young como escritora e roteirista, seus textos ficaram marcados pela pegada cômica, muitas vezes sarcástica, diante das mais diversas situações enfrentadas pelas personagens. Depois de lançar 10 romances, a autora, aos 48 anos, sentiu que era hora de se aventurar pela não ficção. No livro Pós-F: Para além do masculino e do feminino (Leya), que será lançado na quinta-feira (14) em BH, a autora analisa o que significa ser homem e mulher na atualidade.


“A intensa busca pelo conhecimento, aliada à observação, sempre pautou a minha escrita. No Brasil, estamos passando por um momento tão radical e ignorante que escrever parece tornar a vida muito mais verossímil”, explica Fernanda, que volta à capital como convidada do projeto Sempre um papo.

Apesar de se somar à produção autoral de Fernanda e de trazer certa carga teórica nas entrelinhas, o livro nasceu de uma primeira subversão. “Fui procurada pela Leya para escrever sobre feminismo para a coleção Politicamente incorreto, mas não quis assinar com esse nome por não acreditar na relação dele com o tema. Foi aí que surgiu a oportunidade de lançá-lo como uma produção minha”, conta.

“Nunca quis me revelar uma cientista sobre o assunto, achei que seria mais honesto tratar da minha própria realidade. O que está escrito em Pós-F não deve ser tratado como verdade absoluta, pois essa não é a minha função, mas enquanto uma série de apontamentos sobre aquilo que entendo em mim, usando, claro, tudo o que observo nos outros”, afirma.

Às vezes autobiográfico, outrora ensaístico, o livro explora diferentes temas em que o denominador comum é a discussão de gênero. Uma postura filosófica é assumida diante da feminilidade e suas implicações, como a beleza, a sexualidade e a maternidade. “Trato o feminismo como uma coisa que utopicamente deveria estar em desuso. Em pleno 2018, me constrange, e acho até meio cafona, ter que me reafirmar como feminista, porque o mundo não melhorou e em muitos aspectos até retrocedeu.
Nos dias de hoje, a mulher está à mercê do pior. É tratada como a menor de todas as minorias”, observa.

Fernanda lembra que o preconceito extrapola a figura da mulher em si, pois a potência de feminilidade em alguns homens, como no caso dos homossexuais afeminados, é também alvo de violência.

MEDO
Autodenominada “especialista em rejeição”, Fernanda Young não esconde o medo que sentiu ao escrever as palavras dispostas em seu novo livro, temendo ser mal interpretada. Caracteriza esse sentimento como “um lugar em que volto a ser aquela menina de 6 anos estranha e ignorada”. “Enquanto intelectual, não sou respeitada, muito porque não me prostro a beijar os pés dos coronéis da literatura e não hesito em assumir os erros do meu discurso. Mas o tempo tem sido gentil e tenho enfrentado uma boa jornada até aqui, baseada na minha liberdade. É aquela coisa: os cães ladram e a caravana passa”.

De acordo com ela, há um certo machismo pelo fato de ser uma escritora que não refuta a realidade de ser mulher
. “Estou presente no fenômeno de ser quem eu sou.
Não suporto quando vêm me perguntar quais são minhas autoras preferidas. Caguei! Entendo de literatura muito menos do que gostaria e acho um porre quando ficam buscando referências de outras em minha escrita, sem analisar a minha obra em si”, avisa.

Obra esta que Fernanda Young deve muito ao humor aliado à poesia e ao olhar anarquista. Apesar dos temas sinuosos abordados, ela se esquiva da inacessibilidade no que tange ao formato da publicação. Seus últimos livros – A mão esquerda de Vênus e Estragos, ambos publicados em 2016 pela Globo – são uma espécie de instalação artística, na qual o processo de escrita é exposto. Diferente disso, Pós-F não derrapa em outras linguagens e é, para ela, uma leitura fácil.

“Trata-se de um livro gentil. Gosto dele como objeto. Passei oito meses escrevendo e, durante esse processo, a editora Eugênia Ribas Vieira foi me pedindo uma série de desenhos, que no final, foram incorporados à narrativa”, explica.

VADIA
Em março de 2015, a escritora foi alvo de um ataque de cunho sexual por meio de um perfil falso no Instagram. Xingada de “vadia lésbica”, recorreu à Justiça contra o agressor.
“Fui assediada sexualmente e agredida verbalmente. Depois disso, consegui a identidade do indivíduo e enfrentei uma jornada longa e extenuante em tribunais para, no fim, o juiz roubar do agressor o seu papel”, critica.

Dois anos depois de Fernanda acionar a Justiça, o juiz Christopher Alexander Roisin, da 11ª Vara Cível de São Paulo, concordou que a intenção do agressor “era de insultar a autora” e o condenou a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais. O valor não tão expressivo, argumentou, levou em conta “o fato de a autora ter artisticamente posado nua, de modo que sua reputação é mais elástica.”

“Ao final do processo, fui punida”, comenta Fernanda Young. “É aquela velha história: a pessoa que se veste com a minissaia, a vítima, segue como culpada. Não posso passar por esse tipo de constrangimento porque fui agredida. Estou recorrendo e sei que será difícil, pois não tenho ‘amigos importantes’ para quem possa telefonar e resolver”, completa.

CANTADA No quinto capítulo de Pós-F, com o controverso título Tudo agora é assédio, a autora relativiza o tema – “Tem assédio sim, mas temos que saber discernir”, escreve. E sai em defesa da cantada: “Se passo na rua, hoje em dia bem menos, porque os homens, acho, estão mais educados, e sabem que não podem olhar para uma mulher e falar ‘gostosa’… Isso é assédio?”. A resposta, ela confessa ainda não ter. O título, defende, é uma provocação.

“Sou uma pessoa privilegiada. Quando se está em um estado de penúria social, quando não se tem acesso ao mínimo, você não pode se dar ao direito de assuntos privilegiados.
Assim, muitas mulheres passam por essa situação sem mesmo notar que estão sendo assediadas. Obviamente, dentro desses casos, temos que estar atentos”, conclui.

 

Abaixo, confira o trecho:

Neste momento, no Brasil, exige-se da conduta masculina algo que não condiz com a formação ética nacional. O que devemos, sim, é usar o biquíni enfiado na bunda, mesmo sabendo que podemos ser alvo de frases chulas, e aproveitar isso para mudar a educação que é dada aos homens. Porque, sim, eles são educados numa cultura que valoriza o “garanhão”. Caso o menino seja mais delicado, sensível, a sociedade trata de avisá-lo de que homem deve ser macho. Quando digo educar, quero dizer não somente dentro de casa, mas ressignificar toda uma conduta histórica, alimentada em milênios de patriarcado.

 

 

PÓS-F: PARA ALÉMDO MASCULINOE DO FEMININO
. De Fernanda Young
. Editora Leya
. 128 páginas
. R$ 34,90
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Lançamento quinta-feira (14), às 19h30, no projeto Sempre um papo. Auditório da Cemig (Rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho). Entrada franca.

 

*Estagiário sob supervisão de Ângela Faria.