Nos anos de 1950, Wander ganhou vários concursos de contos, promovidos pela PBH e publicados no Estado de Minas. Ele ganhou tantos que acabou ficando constrangido. Como precisava do dinheiro do prêmio, passou a pedir a amigos que se inscrevessem com o nome deles, para que o de Piroli não aparecesse. E assim foi feito. Décadas depois, a mesma estratégia foi usada, mas de um modo diferente: o genro de Wander, Eduardo Xavier Mascarenhas – casado com Adriana Piroli –, trabalhava numa agência do hoje extinto Banco Bamerindus. Em 1989, o banco promoveu o Concurso Nacional de Crônicas, Prêmio Rachel de Queiroz, e Eduardo pediu a Wander que escrevesse o texto. Assim também foi feito. O texto de Wander A pobre de minha mãe ficou entre os premiados.
A pobre da minha mãe
Mamãe sempre teve uma pobre, isto é, uma pessoa de poucos recursos que passava periodicamente lá em casa para comer, pegar algumas roupas usadas, algum dinheiro, essas coisas. Dona Zita foi nossa pobre durante anos, mas agora estava de mudança para o interior. Para não deixar mamãe sem nenhuma pobre efetiva, ela teve o cuidado de arranjar a Mulher do Esôfago.
Todos nós percebemos imediatamente, quando a Mulher do Esôfago chegou lá em casa, que ela era muito melhor do que Dona Zita para ser a pobre da mamãe. Era muito mais feia e tinha ainda a vantagem de ser muito mais pobre. Comprida, esquelética, tinha a cabeça grande, de forma que parecia um prego enferrujado. Os peitos sumidos, traseiro achatado, nada nela lembrava uma mulher.
Fora operada três vezes do esôfago e usava uma sonda perto do gogó. Por causa disso nós a batizamos logo de Mulher do Esôfago.
A Mulher do Esôfago frequentou nossa casa durante uns dois anos.
Mamãe conversava com ela, dizia: “Você não devia ter saído do hospital. Você ficou louca, dona Nailda”.
Mamãe queria que ela passasse o dia lá em casa, descansasse um pouco, depois papai a levaria de carro. A Mulher do Esôfago insistiu que estava tudo bem, ninguém se incomodasse, nós éramos bons demais para ela. Que Jesus, filho de Deus, nos protegesse.
Depois de ser alimentada mais uma vez pelo novo funil, a Mulher do Esôfago pegou sua sacola – dessa vez com o peso do Natal – e foi embora. O esqueleto ambulante, meio tombado de lado, andava com dificuldade. Prometeu pra mamãe que voltaria no sábado seguinte. Não voltou.