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''Admirável peregrino'': jornalista Arnaldo Viana fala sobre Wander Piroli

A pereginação por redações do péssimo advogado que se tornou notório jornalista, como o define José Maria Rabêlo, não foi por vontade própria. Wander Piroli não se alinhava às diretrizes dos veículos, vigentes ainda hoje, de não contrariar parceiros comerciais nem ofender a massa conservadora da sociedade. Mas a vida, como diria Nelson Rodrigues, é como ela é e não se deve contrariá-la. A pedido, vou falar desse personagem, que não admitia se omitir e esconder do povo o que é do povo. Não vou discorrer sobre sua veia de escritor, porque não sou versado em literatura. Nem tenho pretensão de sê-lo. A prudência recomenda fixar no homem. E só.

Wander Piroli não era de justificar ações nem de se desculpar pelo teor de seu texto ou por decisões como editor.

“Chefe, esta matéria vai levantar os cabelos do comando da empresa. Posso redigir?”, perguntava o repórter. “Evidente que pode, amanhã a gente vê o pênis.” No outro dia, uma reposta inteligente fazia murchar a furiosa ereção superior. Como fez seu grande parceiro, Bley Barbosa, quando os dois foram chamados pelo dono de um diário que reclamava do palavreado usado em algumas reportagens pertinentes a temas picantes. “Minha vó ligou reclamando dos termos, que considera indecentes.” “E, por acaso, estamos fazendo jornal para sua avó?”, rebateu Bley.

Piroli jamais se deu por vencido diante da insensatez. A caçada moralista imposta a O menino e o pinto do menino, com julgamento público, não pelo conteúdo, intenso e cativante, e sim pelo título e pela ilustração da capa, correu mundo. O escritor-jornalista não saiu por aí a dar explicações à intolerância, em defesa da obra.
Calou-se, à espera, diante de uma generosa dose de cachaça. Bom conhecedor da contraditória alma humana, sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria absolvido. A poeira desceu e o livro é um dos mais traduzidos e festejados de sua lavra.

O ótimo escritor e execrável ex-advogado não era dado a conceituar personagens. Eles falam por si. Situam-se em planos que os identificam plenamente. Falar o quê de Cintura Fina, da navalha amarrada à ponta de um barbante, viajante noturno pelos bares da Praça Vaz de Melo, uma dama debaixo do sol e uma mundana sob a mansa e vaga luminosidade da lua? Estava, assim configurado, pronto para defender seu território das ofensas e da então truculenta Guarda Civil.

Era apaixonado pela vida, por pessoas. Tanto que acordava com a aurora, para, da janela da sala do apartamento, no alto do Bairro da Serra, com um copo de pinga regada a suco de laranja, por-se a observar a massa trabalhadora descer o morro a caminho de serviço. Tentava descobrir se os olhos operários enxergavam esperança no fim da trilha.
Sim ou não, era preciso seguir. “Estamos todos condenados a ir em frente.”

O outro Piroli, o pescador, munia-se de vara e anzol não para matar peixes. E sim para conviver com o filho Bruno ou, carinhosamente, Bumba. Numa dessas aventuras, descobriu que os rios já não eram os mesmos. Não se conteve e reagiu aos poluidores com um relevante palavrão e um livro infantil, o primeiro do gênero a tratar com seriedade a questão ambiental. E foi o respeito pela natureza que o levou a enviar uma dupla de repórteres, texto e fotos, desafiando a orientação do jornal, para acompanhar, por dias, a dor e decepção de um lobo-guará, preso e achincalhado em uma tosca jaula montada na praça central de uma cidade do interior mineiro.

Esse Wander, vaqueiro de uma manada de búfalos no peito, ganhou do autor, na biografia prestes a ser lançada, o direito à fala. As frases destinam valor maior à obra. Como amigo e pirolista convicto, aplaudo Fabrício Marques, Aparecida Piroli, seus filhos e netos por este trabalho em reverência ao admirável, física e mentalmente, escritor-jornalista. Leitura obrigatória não digo, para não parecer imposição. Recomendável, sim.
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