A entrada da Serraria Souza Pinto se transformou em portal para uma dimensão onde tudo é possível, até mesmo inventar outro mundo. Durante todo o domingo, pincéis, canetas e tintas não pararam. Uaaaa! Muhahaha! Blof! Sblosh! – onomatopeias assim davam o ritmo da ação, enquanto personagens surgiam do papel. Cabelos azuis, rosas e verdes deixavam a dúvida sobre quem estava ali: quadrinistas ou personagens?
Para quem foi à 10ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), encerrada neste domingo (3), em Belo Horizonte, o que menos importava era a fronteira entre realidade e ficção. “Ainda não temos o balanço final, mas a expectativa é de que vamos superar o público de 2015, quando 70 mil pessoas vieram aqui”, informou Afonso Andrade, coordenador-geral do evento.
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FIQ-BH chega a sua 10ª edição com aposta na diversidade; confira a programação Exposição reúne mapas literários e representações da capital mineira desde os tempos do arraial Curral del ReiZiraldo ganha homenagem no traço de 85 cartunistas brasileiros No 'Manifesto antropófago', Oswald de Andrade ataca a lógica patriarcalAnelito de Oliveira lança 'O iludido', sua primeira obra de ficção em prosaCom trabalhos para o Cartoon Network, Leo trouxe a BH um lançamento: a HQ Hell NO. O protagonista é Lúcio, filho de Lúcifer. Meio humano e meio diabo, ele tem de lidar com o bullying dos irmãos demônios.
“Adoro o FIQ. O festival é importante para os quadrinistas e para o público, uma forma de incentivar a garotada a ler. Depois do quadrinho, certamente o menino lerá um livro”, afirma Leo.
O personagem Change sai dos quadrinhos e vira Felipe Gomes, desenhista carioca. Ele coproduziu para o FIQ a Melhores do mundo, HQ que reúne traços e personagens de quadrinistas de todo o Brasil. A publicação, adquirida apenas durante o festival, foi vendida por R$ 5, preço simbólico.
“Aqui temos um evento democrático, como procuramos ser no podcast Melhores do mundo.
“O FIQ é sensacional por reunir quadrinistas de todo o país. Admiro o foco que o festival dá aos quadrinhos. Os organizadores poderiam trazer videogame pra cá, por exemplo, mas não trazem para priorizar os quadrinhos. A meninada descobre o quanto HQ é legal”, diz o jovem. Ele apresentou três trabalhos em BH: O velho de papelão, Spectrus e Rafe.
A distância entre os quadrinistas e o público ficou bem menor com a internet.
O encontro de diferentes gerações é uma das características do FIQ. De um lado, os novatos. De outro estão autores há tempos na estrada, como Chantal Herskovic, que autografou o livro Juventude (Editora Miguilim), reunindo tirinhas publicadas no Estado de Minas. Chantal começou aos 15 anos, no extinto Diário da Tarde.
“No FIQ, a gente consegue conhecer o trabalho do outro. Encontramos artistas e roteiristas, é um intercâmbio de ideias.
NEGRO Os quadrinistas belo-horizontinos Marcos Vinícius e Osmar de Carvalho se cumprimentam fazendo o “x” com os braços na altura do peito. O gesto se “globalizou”, adotado por negros de todas as partes do mundo depois da estreia do filme Pantera Negra, no início deste ano.
Protagonizado pelo super-herói negro da Marvel Comics, o longa tem elenco preponderantemente formado por afro-americanos. Essa temática está presente na HQ Negro, criada por Osmar. “Os personagens são inspirados nos meus pais”, conta ele, filho de Tereza e Orias Carvalho.
“Minha mãe leu e adorou. A história se passa em Rio Vermelho, cidade da minha família. Também tenho o personagem Saci, que, diferentemente do folclore, aparece como vilão”, explica Osmar.
Participaram do FIQ 146 cartunistas (34 brasileiros, oito estrangeiros e 104 de Belo Horizonte) – metade homens, metade mulheres. “O FIQ está muito representativo. Temos muita gente nova produzindo com qualidade”, comemora o coordenador-geral Afonso Andrade.
As quadrinistas Daniella Lima e Bruna Andromeda dividiam o estande na Serraria. Daniella lançou o HQ Lica, uma cachorrinha, e Bruna criou uma gata. “Não tem briga entre elas”, avisa Bruna.