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Conheça o mineiro por trás da gestão do Museu de Arte do Rio


O dia é 28 de abril. Na tarde de outono carioca de céu azul sem nuvens e temperatura alta (30 graus), muita gente trocou a praia pelo MAR. Não há contradição nessa afirmativa. Elas aguardavam ansiosas o momento de visitar a exposição O Rio do samba: resistência e reinvenção, com abertura prevista para as 16h daquele sábado, no Museu de Arte do Rio (MAR).


Quem fazia as honras da casa, acolhendo os que chegavam, sejam nomes das velhas guardas das escolas cariocas, sejam jovens ritmistas que passavam o som, era o ator e diretor mineiro Carlos Gradim. Coube a ele o discurso de apresentação para essa que tem sido apontada como uma das mais importantes exposições do museu construído no Porto Maravilha há seis anos.

Sem perder de vista a simbologia daquele momento, Carlos Gradim evocou em seu discurso a importância do samba para construir a imagem de Cidade Maravilhosa. A capital fluminense padece de baixa autoestima, com altos índices de violência, uma intervenção federal em andamento, assim como ações relacionadas ao tráfico e a milícias, além de ter antigos governantes presos por corrupção.

Há seis anos, a gestão de um dos principais equipamentos culturais da capital fluminense está nas mãos do Instituto Odeon, presidido por Carlos Gradim. Com formação em teatro, ele assumiu o papel de gestor quando ainda vivia em Belo Horizonte. O primeiro desafio foi o programa Valores de Minas, criado pelo governo estadual.
Depois, propôs o Plug Minas e, posteriormente, assumiu a gestão do Circuito Cultural Praça da Liberdade.

A partir dessas experiências, Gradim fundou o Instituto Odeon, que venceu a concorrência para gerenciar o MAR, antes mesmo de o museu abrir as portas, em 2013. Há um ano, o mineiro deu outro passo importante, quando o Odeon assumiu a gestão do Theatro Municipal de São Paulo.

Mesmo com a responsabilidade de administrar um orçamento de R$ 100 milhões por ano no Theatro Municipal e R$ 9 milhões por ano no MAR, Gradim não perde o jeito mineiro de acolher os amigos com um café e boa prosa. Vivendo no Rio há seis anos, adquiriu alguns hábitos litorâneos, como se exercitar na praia, mas, como presidente do Instituto Odeon, faz a gestão ao jeito das montanhas: quando chega, ouve mais do que fala e procura agir com cautela, sem afobamento.

“Valorizamos a escuta, procuramos ler o cenário e entender o ambiente. Lá atrás, quando a gente chegou na região do porto, percebemos que muita gente estava sendo despejada para a remodelação do Porto Maravilha. Era um momento muito significativo e sensível. As pessoas tinham as casas marcadas. Depois, chegava uma empresa indenizando e demolindo”, recorda-se.

MUSEU SUBURBANO
Por todas essas razões, Gradim lembra que a vizinhança estava arredia com a chegada do MAR.
“O primeiro projeto foi subir o morro. Colocaríamos à disposição a arte e o equipamento cultural para ecoar angústias deles, decorrentes do processo de revitalização. No nosso planejamento estratégico, ouvimos os representantes das comunidades. A partir dessa escuta, decidimos que seríamos um museu suburbano”, afirma.

Uma das primeiras propostas foi criar o grupo Vizinhos do Mar, que permite que os moradores dos 24 bairros no entorno possam visitar o museu gratuitamente, bem como levar convidados para conhecê-lo. “Queríamos chegar na Zona Sul, mas o nosso foco é inclusão e formação de público não usuário de equipamentos culturais”, diz. Na inauguração do MAR, em 1º de março de 2013, um dos destaques foi a obra Morrinho, que reproduz as comunidades dos morros da região – no entorno estão o Morro da Providência, a primeira favela carioca, e o Morro da Conceição.

Com essa proposta de dialogar com as comunidades, a exposição sobre o sambra mostra a trajetória do gênero, evidenciando a relação com cultura negra na cidade. “Para o brasileiro, o samba é um dos bens imateriais mais importantes; para o Rio, faz parte do DNA”, observa. Bem próximo ao MAR está a Pedra do Sal, local onde era feito o descarregamento por negros escravizados da carga dos navios que chegavam ao porto no período colonial.
O local é apontado como o ponto onde o gênero nasceu.

“Sou mineiro e tenho samba na raiz. Mas não temos em Minas essa tradição com a mesma força daqui. Tem sido muito emocionante ver como as pessoas estão se identificando. A exposição foi aberta no sábado (28/4). No domingo, o público triplicou, mais de 2,5 mil pessoas. Vi pessoas chorando por se reconhecer naquele lugar e ver a força que elas têm.”

Para gerenciar espaços tão importantes, Gradim fica três dias no Rio de Janeiro e três dias em São Paulo – quase não sobra tempo para BH. Ele conta com apoio de outros mineiros na direção do Instituto Odeon, como a ex-secretária de Cultura Eleonora Santa Rosa. Nos dois equipamentos, Gradim gerencia cerca de 600 funcionários.

TEATRO As tarefas à frente do MAR e do Teatro Municipal são muito diferentes, conforme aponta. “No MAR, tivemos a chance de inventar juntos. O MAR dialoga com as artes visuais, música e teatro.
Tem uma porosidade e escuta fortes.” Já o teatro é uma instituição centenária. “No Municipal, lido com o barro que conheço desde sempre, que é o teatro”, diz, em referência ao gênero ao qual a casa se dedica, a ópera.


Gradim também chegou ao Municipal, em 1º de setembro do ano passado, à maneira mineira, procurando escutar antes de tomar qualquer decisão quanto à gestão. “É um prédio imponente. O primeiro engarrafamento na cidade de São Paulo ocorreu na inauguração do Teatro Municipal. Foi ele que abrigou a Semana de Arte Moderna. É um lugar de criação e ebulição.”

Na ponte área entre Rio e São Paulo, Gradim ainda encontra tempo para se dedicar às produções teatrais. Em breve, pretende trazer para Belo Horizonte o espetáculo Justa, texto de Newton Morena dirigido por ele. A peça conta a história de uma prostituta que mata políticos. Gradim se formou em teatro pelo Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua estreia foi com a peça infantil Branca de neve e os sete anões.

Montou também Os meninos da Rua Paulo. No entanto, foi a peça Amor e restos humanos que o projetou para além das Gerais. Ele tem como grande parceira no teatro a premiada atriz e diretora Yara de Novaes. “No teatro, é onde me sinto mais feliz. Sinto-me mais preenchido. Gosto de contar histórias, dimensionar de forma crítica minhas angústias, levando para o mundo”, afirma.

SÓ BAMBAS
A pesquisa para a montagem da exposição O Rio do samba: resistência e reinvenção foi coordenada por Nei Lopes, que também compõe a curadoria, ao lado de Evandro Salles, Clarissa Diniz e Marcelo Campos. A mostra passa pela herança africana – a região do porto ficou conhecida como Pequena África, por ter sido, no período colonial, o lugar onde havia maior número de africanos fora daquele continente. A exposição reúne nomes importantes do samba, como Cartola, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, João Nogueira, entre outros. Traz ainda obras de Candido Portinari, Di Cavalcanti, Heitor dos Prazeres, Guignard, Pierre Verger e Abdias do Nascimento; gravuras de Debret e Lasar Segall; parangolés de Helio Oiticica. Raridades, como o prato de porcelana tocado por João da Baiana, e joias originais de Carmem Miranda.

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