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Estudante da UFMG se incorpora a obra interativa em exposição no CCBB

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Não acorda às 6h da manhã, como sugere a música Cotidiano, de Chico Buarque, mas às 8h e segue para o seu “trabalho temporário”, onde entra às 9h e permanece por sete horas consecutivas, inclusive nos feriados e finais de semana. Desde o dia 2 de maio, o estudante de artes visuais Rodrigo Marques, de 29 anos, tem batido ponto na fábrica de pipas que está funcionando a todo vapor no Centro Cultural Banco do Brasil, na Praça da Liberdade. O experimento faz parte da exposição Dragão floresta abundante, que apresenta obras do artista plástico Christus Nóbrega desenvolvidas durante residência dele na China. A mostra, obviamente, incorpora referências do país asiático, como a pipa, uma das invenções chinesas.

Na estrutura instalada no pátio do CCBB, os visitantes que se dispuserem a vestir o uniforme de operários confeccionam pipas. O “contrato de trabalho” estipula jornada de 15 minutos (podendo ser renovada), uso de uniforme e marcação de ponto. A cada 11 pipas confeccionadas, uma passa a pertencer a quem a produziu. Quem conseguir executar 1.000 unidades até o encerramento da mostra (a fábrica de pipas funciona até 2 de julho) leva o prêmio principal: uma pipa folheada a ouro criada por Christus Nóbrega.

“Estou achando muito interessante esta fábrica. E tem gente de todas as idades. Mesmo quem nunca fez uma pipa na vida pode ‘trabalhar’ aqui. Todos passam por um treinamento para ter noções básicas. É um trabalho de mentirinha, mas muito divertido”, afirma Anne Solemar, performer (monitor) que auxilia os “operários” na fábrica.

De todos os “funcionários”, Rodrigo é, de longe, o mais eficiente e o principal candidato a conseguir o feito de fabricar 1.000 pipas. Até agora, ele já produziu cerca de 220 peças – a exposição foi aberta no último dia 2. O estudante leva em média sete minutos para concluir uma pipa.
Sua meta é reduzir esse tempo para quatro minutos. “Teve dia em que cheguei a fazer 50 pipas. Tenho algumas técnicas para otimizar o trabalho e que estão até sendo copiadas aqui dentro. Brinco que é o modo rodriguiano de trabalhar. Uma delas é colocar o carretel de linhas – usado para amarrar a estrutura base da pipa – dentro do bolso para facilitar o manuseio”, conta.

CASA DE AMIGOS Caçula de uma família de sete irmãos, Rodrigo é o único que nasceu fora de Minas Gerais. Os pais dele se mudaram para Santo André, no ABC paulista, em busca de melhores oportunidades profissionais. Retornaram para o estado natal há 13 anos. “Moro em Contagem, mas, por conta dessa questão da ‘fábrica’, estou temporariamente na casa de amigos no Bairro Santa Efigênia.
Venho a pé para o CCBB. E daqui também é mais fácil para eu me deslocar para a UFMG (ele cursa duas disciplinas neste semestre no curso de artes visuais) e para o meu trabalho de muralista e pintor de faixas”, diz.

 

 

 

Rodrigo tomou conhecimento da exposição dentro da universidade e ficou sabendo que a produção estava à procura de performers para serem contratados para a fábrica. “Mas aí, sim, com salário, horário certinho e tudo mais. Não deu certo, e resolvi me empregar de outra maneira”, afirma, dando risada.

Trabalhar como operário não é novidade para ele. Aos 13 anos, quando ainda morava em Santo André, Rodrigo foi contratado por uma fábrica de bolsas, na qual trabalhou por dois anos. “Aqui não é muito diferente de lá não (risos). Também tinha muita criança, só que de maneira irregular, pois exploravam a mão de obra infantil. Aqui elas vêm porque querem se divertir”, comenta. A remuneração, segundo Rodrigo, também era similar. “No CCBB, para ganhar uma pipa, a gente tem que fazer 11.

Lá, a exploração era bem maior. A questão da fábrica, do operariado está presente na minha vida há muito tempo. Nasci no ABC, onde o movimento operário é muito forte”, observa.

Foi nesse período da adolescência que ele começou a ter contato com a cultura da China. As bolsas que produzia eram comercializadas na Feira da Madrugada, em São Paulo, onde conheceu vários comerciantes chineses. O curioso é que, há dois anos, Rodrigo começou a se interessar pela cultura do país asiático e vem estudando sobre arte e literatura chinesas.

“Foi uma feliz coincidência a história dessa exposição e da fábrica de pipas. Chamo todo esse processo de “negócio da China”. Minha ideia é vencer o desafio, que considero uma missão, vender a pipa de ouro e desenvolver vários projetos, como um ateliê, lançar um livro do pipoqueiro/poeta Washington Silvestre, que fica na Praça da Liberdade, e até fazer uma publicação sobre todo esse processo.”

Para não correr o risco de se esquecer de nenhum detalhe, ele anota tudo – inclusive a conversa com a reportagem do Estado de Minas – em seu diário, batizado de “Diário de um louco”. O nome, explica Rodrigo, se deve a um comentário que ouviu dia desses na fábrica de pipas. “Um professor disse: ‘Só doido mesmo para fazer 1.000 pipas’. Então decidi batizar o diário assim.
Acho que o mais bacana desse experimento é não só tentar concluir o desafio, mas questionar a relação do trabalho com a aprendizagem. E mais do que isso, incorporar-se a uma obra de arte e interagir com ela”, afirma.

 

CRIANÇAS SE DIVERTEM NO “TRABALHO” A maior parte dos “operários” da fábrica de pipas no fim de semana é formada pela garotada. Crianças de até 10 anos devem estar acompanhadas de um adulto. Foi o que fez Leonardo Drigo, de 32 anos, que levou o sobrinho Leandro, de 9, para visitar a exposição e a fábrica. Os dois se divertiram. “Nunca tinha feito pipa, mas gostei demais. A única coisa que estranhei é que na exposição tinha umas coisas escritas que não entendi”, comentou o garoto, referindo-se aos ideogramas chineses de algumas das obras de Dragão floresta abundante, que são resultado de uma residência artística em Pequim.

“Acho muito interessante as crianças conhecerem desde já como funciona esse processo trabalhista –a questão de bater ponto, dos turnos de trabalho, ainda mais de uma maneira lúdica”, comenta Leonardo. O pequeno Luiz Rocha, que foi com a mãe, aprovou a experiência do “primeiro emprego”. O menino só se queixou do tempo. “Tenho apenas 5 anos e já estou trabalhando. Acho que tinha que ser 16 ou 17 minutos. Só 15 é pouco. Vou ter que vir todo dia para ganhar aquela pipa”, disse o garoto, em referência à cobiçada pipa de ouro.

Dragão floresta abundante

Exposição de obras de Christus Nóbrega. Até 30 de julho, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). De quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada Franca. A fábrica de pipas vai funcionar até o dia 2 de julho, também de quarta a segunda das 9h às 21h.

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