Uai Entretenimento

Pesquisadoras discutem a influência africana na língua portuguesa no Sesc Palladium

Abadá - S.m. Bras. Camisolão folgado e comprido usado pelos nagôs, semelhante ao traje nacional da Nigéria. Acarajé . S.m. Bras. Bolinho da culinária afro-baiana, feito de massa de feijão-fradinho, frito em azeite-de-dendê, e que se serve com molho de pimenta, cebola e camarão seco. Caçula . S. 2.g. Bras. O mais moço dos filhos , ou dos irmãos ou . S.f.
Bras. Movimento alterado que fazem duas pessoas ao pilão, quando socam o milho, o café. Dengo S.m. Bras. Faceirice, feitiço, requebro, denguice. 

O que as palavras abadá, acarajé, caçula e dengo têm em comum? São heranças das línguas banto, iorubá, grupo de línguas e dialetos africanos falados por negros trazidos, forçosamente, para serem escravizados no Brasil colonial. Há muito influência do falar dos africanos no português do Brasil, como mostram a fundadora da Mazza Edições, Maria Mazarello Rodrigues, a professora e pesquisadora Rosália Diogo e a jornalista fundadora da livraria Bantu, Etiene Martins. As três participam da roda de conversa ‘Como a influência africana na língua portuguesa nos afeta’ nesta quinta (10) às 19h, no Sesc Palladium, no Centro. A atividade marca as comemorações do Dia da Língua Portuguesa, comemorado em 5 de maio. 

São inúmeras palavras incorporadas, como destaca Etiene.
“Vou apresentar como o banto está presente no nosso dia a dia”, afirma. Ela lembra que a oralidade nas culturas africanas foi fundamental para que essas palavras não desaparecessem e também para dar outra identidade ao idioma falado aqui. “Há muita diferença do português do Brasil e o de Portugal e muito se deve à colaboração de nós, negros, aqui no Brasil”, destaca. Além de abadá, acarajé, caçula e dengo, Etiene lembra de outras palavras como borocoxó, por exemplo, usado para denominar o estado de espírito. 

A jornalista aponta a lacuna na formação escolar e também no ensino superior pela não existência de disciplinas que tratem da contribuição africana. ‘É nossa forma de falar’, diz. Para fazer resgate da influência, ela escolheu a palavra banto para nomear a livraria dedicada a títulos de autores negros de toda a diáspora. “Optamos pela grafia da palavra terminando com a vogal u, por ser mais universal.’ Ela lembra que a maior parte dos escravos trazidos para Minas Gerais é dos povos bantos. 

Quando se faz o resgate das palavras nos dialetos africanos, ao mesmo tempo, o movimento revela a composição da população de Minas, conforme destaca Rosália. ‘O tronco linguístico mais presente no Brasil é tributário da língua banto. Muita gente não sabe disso”, afirma.Coordenadora do Festival de Arte Negra (FAN), a pesquisadora lembra que a maior parte dos negros que foram trazidos para as Gerais é de Angola, Moçambique, República do Congo e Senegal.  Os quatro países nomeiam quatro viadutos na Avenida Antônio Carlos. ‘Os nomes foram dados depois de ter sido realizada pesquisa para identificar de onde veio a população negra que vive em Minas Gerais”, afirma. 

Rosália morou em Moçambique, em 2011, onde estudou parte do doutorado em decorrência de bolsa sanduíche, que permite ao pós-graduado realizar parte da formação em outro país.
‘Pretendo falar de minha experiência em Moçambique, minha segunda pátria. Lá também eles usam a expressão ‘tamo junto’ no sentido de união, afeto e amizade.É bem interessante a semelhança.’ Muito dos termos são repassados na capoeira, nas tradições das religiões de matrizes africanas. ‘Griôs, pai e mãe de santo, mestre de capoeira são guardiões que transmitem esse conhecimento’, afirma. 

Para Mazzarelo, apesar da importância inegável do congado, da capoeira e outras manifestações culturais negras para a oralidade, muitas vezes, os termos em banto e iorubá são repetidos sem compreensão mais profunda. Embora haja muitas palavras herdadas, a sintaxe dessas línguas é pouco conhecida. “Meu ponto de vista pode ser um pouco controverso. As línguas africanas não tiveram tanta influência a não ser nas palavras herdadas”, diz. Mazza, como é conhecida, lembra que sua avó é do tempo da Lei do ventre livre, mas ainda assim, o que faria com que ela e os oito irmãos tenham tido contato maior com a cultura dos negros do Brasil colônia. No entanto, ela pontua que muito se perdeu. “Eu era chamada de caguicha, mas não sei exatamente de qual nação africana o termo vem”, diz. 

Em sua opinião, isso ocorreu porque ao se tornar a língua oficial do Brasil o português suplantou outros idiomas falados por aqui. Mazza fez o mestrado na França, quando entrou em contato com publicações de autores africanos.  “Foi na Alemanha, Inglaterra e França que tomei conhecimento de publicações de autores africanos.” Isso foi fundamental para que ela, ao retornar a Minas, criasse a Mazza Editoras em 1981, quando tinha 38 anos. 

Atualmente com 77 anos, elabora projetos editoriais para aproximar o Brasil de países africanos, como Moçambique.
Mesmo sendo em português, Mazza lembra que há tantas diferenças que para publicar poemas de autores moçambicanos seria necessário tradução. Ela está dialogando a escritora Madu Costa. Um dos projetos é editar o livro com o nome provisório “Daqui, de lá” que mostra a diferença das expressões nos dois países.  

Para quem quer se aprofundar na discussão, Etiene sugere o Novo dicionário banto do Brasil (Editora Pallas, 2003), de Ney Lopes. Outra indicação é o livro Ponciá Vicêncio (Editora Pallas, 2003), de Conceição Evaristo. “O livro de Conceição é todo construído dentro da tradição banto”, pontua. Resgatar a etimologia dessas palavras, na opinião de Etiene, contribui para revelar parte da história do povo negro no Brasil, que, muitas vezes, foi negligenciada pela historiografia oficial.  


Roda de conversa: Como a influência africana na Língua portuguesa me afeta, com Etiene Martins, Maria Mazarello Rodrigues e Rosália Diogo. Quinta-feira (10) às 19h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium. Entrada gratuita, com retirada de ingresso 30 minutos antes do evento. Espaço sujeito a lotação.


 

.