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Exposição em BH convida visitante a ser operário de fábrica de pipas

Organização da mostra reflete deslocamento do artista pela China. - Foto: Bruna Neiva/Divulgação

Grandes inventos da humanidade surgiram na China. Um deles, a pipa, está presente em Dragão Floresta Abundante. A obra Passeio controlado convida o público para participar de uma fábrica de pipas. A ideia é promover uma aproximação com a milenar tradição do brinquedo, remetendo também às atuais condições do sistema de produção industrial e a desvalorização de trabalhos manuais e métodos artesanais.

Quem for ao CCBB vai ter a oportunidade de ‘trabalhar’ nessa fábrica, com direito a uniforme, cadastro digital, ponto e turnos de trabalho. A curadora Renata Azambuja explica que, a cada 11 pipas que o visitante/operário produzir, ele ganhará uma. “Esse número 11 é simbólico, porque a nova legislação trabalhista brasileira passou a vigorar em 11/11 do ano passado. E quem produzir 1.000 pipas (uma pessoa atingiu a marca em Brasília, onde a mostra ficou em cartaz no início do ano) vai ganhar uma pipa folheada a ouro. É algo único, justamente para que as pessoas possam ter essa experiência fabril, além de pensar e refletir sobre leis do trabalho, o modo de produção contemporâneo”, afirma a curadora. A montagem ainda apresenta centenas de pipas estampadas com fotos de chineses que já exerceram o ofício de produzir o objeto.

Outra fábrica em destaque é a de nuvens.

Fotografias apresentam diferentes pontos de vista que Christus Nóbrega tinha da janela do cômodo em que residia em Pequim, encarando a chaminé de uma fábrica que contribuía diretamente com a poluição do ar. “Todos os dias, tirava fotos da chaminé. Esse período em que fiquei lá foi um dos mais poluídos da história da China. Era uma coisa impressionante. A gente não conseguia enxergar um metro à frente. Nas fotos, apaguei as chaminés digitalmente e deixei só a fumaça, que parecia nuvens. Foi uma maneira de poetizar a situação”, explica o artista.

RESIDÊNCIA NA CHINA

 

Radicado há 15 anos em Brasília, o artista plástico paraibano Christus Nóbrega já está acostumado a conviver com os famosos azulejos de Athos Bulcão (1918-2008).

Por uma feliz coincidência, os dois se ‘reencontraram’ em Belo Horizonte e dividem a partir desta quarta-feira (2) o espaço do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), na Praça da Liberdade, onde será aberta a mostra de trabalhos de Nóbrega Dragão Floresta Abundante, enquanto a exposição 100 anos de Athos Bulcão permanece em cartaz.

“Nossas obras vão conviver em perfeita harmonia. Há um diálogo entre as duas mostras. É bacana, até porque não houve nenhum planejamento. Coincidiu de estarmos expondo juntos. A ideia da minha exposição, que está espalhada pelo prédio do CCBB, é fazer com que o público viaje pelo hall, pelas salas, pela bilheteria, assim como ocorreu comigo na China. Ela não deixa de ser a história de um deslocamento”, diz o artista.

Dragão Floresta Abundante é resultado de uma residência artística de Christus Nóbrega em Pequim, entre os meses de outubro e dezembro de 2015. Nesse período, ele frequentou a Central Academy of Fine Arts (Cafa),  tendo sido convidado pelo Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). “Essa mostra é a experiência de um artista num lugar estrangeiro e que, para nós, ocidentais, é um país muito fechado, seja por questões políticas ou culturais, ou pelo próprio idioma.
Tudo isso afasta a gente da China, apesar de ela estar muito presente no nosso cotidiano por meio do consumo. Christus surge com uma outra questão, um outro olhar. É um artista vendo a China”, afirma a curadora Renata Azambuja.

Os trabalhos que compõem a mostra mesclam fotografia, registros de performances, desenhos feitos por meio de um equipamento GPS, recorte laser e algoritmos, além de obras interativas. Logo na entrada do prédio da Praça da Liberdade, o visitante vai se deparar com uma espécie de Muralha da China. “É um paredão feito de caixas de papelão carimbadas com a inscrição ‘Made in China’, que não deixa de ser uma brincadeira com a questão da muralha, mas fazendo uma alusão a algo perecível, a essa sociedade produtora de consumo que é a chinesa”, afirma Renata.

Christus Nóbrega, que é mestre e doutor em arte contemporânea pela Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde menino, seu imaginário é povoado pela China – como um lugar fantástico e misterioso, mas também bem inacessível. “Quando o Itamaraty fez o convite, foi muito emocionante. Não deixa de ser a realização de um sonho infantil. Mesmo tendo estudado um pouco de mandarim, pesquisado sobre a cultura e tradições chinesas, a China é muito mais do que eu imaginava. Realmente me maravilhei e me senti bastante estimulado. Acho que isso acabou se refletindo no meu trabalho.”

DIÁLOGO Um dos motivos da escolha do artista de João Pessoa para fazer a residência foi justamente a aproximação de sua arte com a China.
“A curadora do programa de residência, Tiffany Beres, e os organizadores do programa no Itamaraty reconheceram na minha produção diálogos com a arte chinesa e, assim, uma possibilidade de aproximação entre os dois países. Um dos aspectos dessa aproximação foi o uso de papéis recortados, já que a China tem no paper-cutting uma técnica milenar e delicada, utilizada tanto por artesãos como por artistas. Porém, diferentemente de como é feito na China, utilizo como suporte a fotografia, enquanto os chineses usam o papel vermelho”, conta Nóbrega.

Uma das obras que refletem essa ponte entre o brasileiro e a China é Roupa nova do rei, que consiste numa série de autorretratos de Christus recobertos com mantos de papel recortados por artesãs chinesas. Eles  são afixados sobre as imagens com o uso de alfinetes de ouro. “O autorretrato está presente no meu trabalho há algum tempo e também sempre pesquisei sobre o papel e o recorte. O resultado ficou bem interessante.”

O título da exposição se relaciona ao nome que Christus Nóbrega ganhou durante a residência. Dragão Floresta Ambulante é a tradução literal do nome Lóng Pèi Sem, que foi dado a ele por Gloria Lee, estudante de fotografia de Taiwan que o ciceroneou nesses dois meses. “Ela foi a pessoa responsável por me introduzir nos rituais da China e, no dia do meu aniversário, 28 de novembro, que acabei passando lá, Gloria me presenteou com esse nome chinês. O primeiro logograma significa dragão; o segundo, abundante; e o terceiro, floresta. Em uma tradução livre, significa aquele que faz coisas bem-aventuradas e grandiosas. A Renata, curadora, adorou e achou que casava muito bem com a proposta da exposição”, relata.

Outra obra interessante é 89 passos.
89 linhas.
Desenhos sobre a paz, que aborda o protesto na Praça da Paz Celestial, em 1989. A icônica cena do jovem desarmado que se dispôs a impedir com o corpo a passagem de uma fileira de tanques de guerra se tornou histórica. “Na China, esse episódio não faz parte do coletivo deles, é algo proibido de comentar. Mas essa obra é um trabalho de performance do Christus. Ele colocou uma câmera no chão, dentro de uma mochila, e através do GPS foi criando 89 passos através de desenhos. A obra traz algumas fotos desse percurso. É a interpretação artística dele sobre o episódio”, diz Renata Azambuja.


Dragão Floresta Abundante

Exposição de obras de Christus Nóbrega produzidas a partir de residência na China. Até 30 de julho, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). De quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada Franca

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