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Há 15 anos sem expor em BH, Eustáquio Neves abre mostra nesta quinta

Há mais de 15 anos sem mostrar seu trabalho em Belo Horizonte, o fotógrafo Eustáquio Neves volta à cidade para a exposição Memória do filme, nome da série de trabalhos recentes. Além dos inéditos, a individual reúne exemplares das diversas fases de sua obra e pode ser vista pelo público a partir de quinta-feira (26), na cAsA – Obras Sobre Papel. A abertura para convidados será hoje, às 20h.

Há anos radicado em Diamantina, o artista conta que, depois de 30 anos de fotografia, o amadurecimento é natural e se reflete no modo de fazer. “Você começa a voltar a suas essências e fazer o que é mais simples. Claro que tenho uma preocupação estética, mas é mais simples.” Fiel à película, a nova série trata dos limites do registro fotográfico, em imagens fugidias que carregam, simultaneamente, memória e esquecimento, questões caras ao artista. “As exposições não são as que o filme deveria ter, são meio absurdas. É com a revelação que se vai ter algum registro, nos negativos não se vê praticamente nada”, conta.

O trabalho de Eustáquio é marcado pela manipulação das imagens, justaposição de elementos e interferências. “A gente é bombardeado de informação o tempo todo.
Tento recodificar essas informações e redistribuir isso com meus filtros ou acrescentando elementos. Nesses filtros, claro, tem uma crítica, inclusive sobre o que a gente recebe de informação.” O resultado é o que ele chama de fotografia expandida, diretamente com a noção de tempo, muito marcante no trabalho de Eustáquio. “Quando sobreponho ou justaponho negativos, eu trabalho com vários tempos para construir uma outra realidade, preciso dessas camadas, pois a fotografia direta não dá conta de responder às minhas perguntas”.

Eustáquio explica que gosta de transitar pelas diversas mídias e utilizar diversos procedimentos. “Tem o recorte tradicional (que é necessário), mas faço fotografia como se estivesse fazendo um filme ou escrevendo um livro”, diz, acrescentando que suas maiores referências estéticas vêm do cinema e cita os diretores Wim Wenders e Andrei Tarkovski como influências.

Para chegar ao resultado, vai para a internet, imprime, refotografa com filme, usa técnicas alternativas, pinta com tinta acrílica, resultando em matrizes que, atualmente, são impressas por via digital, devido à escassez de material analógico. “São meios que estão a nosso favor, não estão aí para atrapalhar”, comenta, anunciando que cerca de 10 dessas matrizes de seu acervo farão parte da exposição.

O interesse por experimentos levou Eustáquio a estudar química. Pretendia manipular fórmulas e testar combinações de elementos diferentes, mas desistiu ao perceber a padronização dos procedimentos. Encontrou essa liberdade no laboratório fotográfico, em que brinca “com o que dá certo e o que não dá, às vezes incorporo o que aparentemente não deu”.
No entanto, seu domínio não deixa muita margem ao acaso que não descarta, mas afirma ser muito raro. “Quando você está centrado num assunto qualquer, as coisas conspiram a seu favor. Muitas situações não são casuais, são evocadas e acabam sendo trazidas para o trabalho”, diz.

Diante da vasta possibilidade de trabalho no laboratório, Eustáquio as combina a partir de questões estéticas específicas. “A estética e o experimento vão servir para eu resolver uma ideia, discutir um assunto. Uso os recursos com que trabalho e busco sempre outros para resolver, não me conforto num processo, às vezes retomo algum procedimento, mas é importante pesquisar coisas novas, senão fica a estética pela estética”, explica o artista.

MEMÓRIA DO FILME
Exposição de fotografias de Eustáquio Neves. Na cAsA – Obras Sobre Papel (Av. Brasil, 75, Santa Efigênia, (31) 2534-0899). Abertura hoje, às 20h (mediante envio do nome completo para contato@obrasobrepapel.com.br).
De 26 de abril a 30 de junho, de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 14h. Entrada franca.

As primeiras séries

Futebol (1997-98)
“É uma série bastante expressiva, foi desenvolvida na região de Santa Tereza, em Belo Horizonte, e mostra o futebol informal, o que socialmente agrupa pessoas de diferentes níveis da sociedade. Mostra que o futebol é o esporte mais democrático”

Objetização do corpo (1999)
“Discuto o uso do corpo da mulher por todas as mídias para vender toda sorte de produtos e, para banalizar mais essa questão, faço parecer cartazes lambe-lambe que sofrem a ação do tempo e do homem”

Máscara de punição (2004)

“É um dos trabalhos em que discuto as questões da ancestralidade em cima da imagem da minha mãe. Parto da apropriação de um retrato de quando ela tinha 18 anos e justaponho com uma máscara de punição da época da escravidão. Quis discutir questões sobre essa liberdade que ainda estão mascaradas e persistem na nossa sociedade, não se pode esquecer”

Dead horse (2008)
“Parto da apropriação do galope do (Eadweard) Muybridge (1830-1904). A princípio, não era para ser uma série fotográfica, mas um vídeo, com a ideia da morte do cinema a partir da imagem em movimento que surge daí. Então, por que não matar o cinema na origem? Fiquei com essa coisa da morte do cinema na cabeça, daí Dead horse. Como dei um tratamento e ficou bem interessante, a série veio para a parede”.