Adélia Prado ficou emocionada ao ver seus versos saltarem das páginas dos livros para bocas e corpos dos integrantes do grupo Palavra Viva. Os jovens se apresentaram quando ela recebeu o Prêmio Governo de Minas de Literatura, em junho de 2017. A três passos largos da poeta, “palavras em movimento” ocuparam mais do que o espaço do Teatro José Aparecido de Oliveira, onde ocorreu a cerimônia.
Em 5 de abril deste ano, era visível a emoção de Conceição Evaristo ao receber o mesmo prêmio na categoria conjunto da obra. A escritora se encantou com a performance do coletivo Pretas Poetas. “A noite não adormece nos olhos das mulheres/ a lua fêmea, semelhante nossa,/ em vigília atenta vigia a nossa memória”, dizia Júlia Elisa Rodrigues dos Santos, de 24 anos, estudante de ciências sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
RESGATE Os grupos Palavra Viva e Pretas Poetas resgatam a prática de falar versos, assim como faziam os gregos na Antiguidade. Não se trata de declamação. Tão antiga quanto a humanidade, a poesia nasceu da fala. E os dois coletivos mineiros comprovam que essa arte milenar aproxima os jovens da literatura.
A poesia entrou na vida de Júlia como forma de expressar o que é ser mulher negra. A jovem formou o Pretas Poetas com amigas da UFMG. O propósito do coletivo é incentivar a escrita como “mecanismo de resistência, espaço de liberdade e escuta”, diz a universitária. “A gente é silenciada em tantos outros espaços”, observa. O grupo se encontra quinzenalmente na Biblioteca Pública Estadual, na Praça da Liberdade.
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Adélia Prado convoca o povo a fazer poesia e rezar para enfrentar a criseFernando Righi lança seu novo livro, com poesia feita de flores e de espinhosMitologia e crise brasileira são temas de exposição de Leo BrizolaO coletivo pediu a ajuda da bibliotecária para selecionar livros de autores negros. “É parecido com os encontros que fazíamos na UFMG. Criamos um espaço íntimo e confortável, um espaço para ser livre”, resume Júlia.
Ao ouvir tantos autores, parece inevitável que elas queiram escrever suas próprias linhas. Ano passado, cada integrante do Pretas Poetas mandou uma carta para si mesma. “Sugeri isso para que todas entendêssemos que a escrita é nossa, indissociável da condição de mulher negra”, afirma Júlia.
Se a tendência é tirar das páginas os versos que serão falados, o oposto também pode ocorrer, afirma Ana Elisa Ribeiro, professora e pesquisadora no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-MG). Depois de dizer um de seus poemas, ela o publicará em Álbum (Editora Relicário), livro que será lançado em 5 de maio, na Casa Guaja.
Prenhez, escolhido para a quarta capa, foi declamado por Ana Elisa em diferentes ocasiões. “Foi selecionado porque funcionou falado. Pude senti-lo em situação de fala”, argumenta.
O projeto Palavra Viva tem 24 anos. Dedica-se à formação de jovens, explorando a interface entre teatro e poesia.
Cada um constrói o próprio repertório, que pode incluir textos de escritores brasileiros e estrangeiros. “A poesia falada incentiva o hábito da leitura e o gosto pela literatura”, diz Robson Vieira, coordenador-geral do grupo. “Há muita afinidade entre o que o autor expressa e o que gostaríamos de dizer. A fala do escritor é universal”, observa.
A interpretação poética deve ser fiel ao texto, mas abrindo um universo de significados. “A capacidade de atravessar o espectador é intensa. Amplia o poder da palavra devido às variações sonoras e emocionais”, diz Robson.
Palavra de especialista
Ana Elisa Ribeiro
Poeta
Poesia sem pompa
A poesia falada é uma das modalidades mais antigas do mundo. Mesmo totalmente oral, sem matriz escrita. O que temos hoje, na maioria dos casos, é poesia oral que tem matriz escrita. Alguns poetas compõem por escrito para ser falado.