Marielle Franco segue presente e vai continuar a ser lembrada. Pelo menos no que depender de um dos escritores mais aclamados da língua portuguesa, o moçambicano Mia Couto. O autor de livros como Terra sonâmbula, A confissão da leoa e O gato e o escuro, esteve na noite desta quinta-feira (12), participando de um bate-papo na Casa Fiat de Cultura para falar sobre o tema políticas da memória no tempo presente e dedicou sua fala à vereadora e ao motorista Anderson Gomes que foram assassinados em março no Rio de Janeiro.
"Esquecimento é quase sempre uma fabricação intencional. Ninguém se esquece do que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001 que matou 3 mil pessoas, mas poucos se lembram do que houve em 6 e 9 de agosto de 1945, quando bombas atômicas caíram sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, e mataram mais de 200 mil pessoas. Há quem queira esquecer o que não deve ser esquecido. Por isso dedico esse texto que escrevi e li para vocês à Marielle Franco e Anderson Gomes", ressaltou.
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Mia Couto lança em BH livro sobre importância da memória para o homem contemporâneoHomenageado pelo Fliaraxá, Mia Couto busca inspiração na naturezaFliaraxá homenageia o escritor moçambicano Mia CoutoO escritor - que também estava lançando 'O bebedor de horizontes', livro que encerra a trilogia As areias do imperador', comentou sobre como a memória e o tempo aparecem em suas obras, e de que maneira ele costura tempos, pessoas e mundos. "Nesse meu último livro, por exemplo, fiz uma pesquisa.
Mia Couto resgatou suas memórias pessoais como a do avô português que nunca conheceu já que os pais foram obrigados a se mudar para Moçambique. Ele revelou que uma de suas lembranças mais fortes na infância foi quando viu seu pai chorar ao receber uma carta de Portugal dando a notícia justamente da morte do avô. "Cheguei perto dele e perguntei se o vovô havia morrido. E ele me respondeu. 'Ele morreu lá. Aqui ele continua vivo.' De certa maneira continuava porque ele estava presente nas histórias contadas sobre ele e sobre os demais parentes que moravam em Portugal.
O moçambicano - vencedor de prêmios importantes como o Camões - falou sobre como a guerra civil em Moçambique (1977-1992) afetou sua vida e se fez presente em sua literatura seja nos livros 'Terra sonâmbula', 'O último voo do Flamingo' e 'A varanda do Frangipani'."Mesmo depois de tanto tempo, ainda me custa muito falar dessa guerra. Das nossas casas ouvíamos os barulhos das explosões, víamos carros com dezenas de feridos e mortos. Eu perdi muitos amigos. A minha única saída era a poesia. E esses livros foram importantes nesse sentido", frisou.
Mia Couto também respondeu às perguntas mediadas por Maria Nazareth Fonseca, professora de literaturas africanas de língua portuguesa da PUC-Minas e especialista na obra do moçambicano. Ele falou sobre o seu caótico processo de escrita, sobre inspirações, como concilia seu ofício de biólogo com o de escritor e como o Brasil foi e é importante em sua formação. "O Brasil tem uma importância na literatura lusófona - seja em Portugal, Angola, Moçambique - que o próprio Brasil desconhece. Recebemos influência de grandes nomes como Jorge Amado, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, tantos outros. Infelizmente, nunca vi o Brasil tão acabrunhado, triste.