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Toda a experiência resultou em uma obra, exposta na 17ª Bienal de São Paulo, em 1977, composta dos poemas, das fotos e de instalação feita para a ocasião.
Numa iniciativa pioneira em Minas, em 1980, inaugurou a Gesto Gráfico Galeria de Arte, uma das maiores referências em arte contemporânea de Belo Horizonte. Ao longo de 29 anos, a galeria a ocupou integralmente, mas, depois de encerrar a atividade como marchand, as imagens que guardava de Catas Altas lhe despertaram a inquietude de artista.
Assim nasceu a ideia de retrabalhar o antigo material e apresentá-lo novamente, revisitado. Entre 2010 e 2016, Fátima se dedicou a completar os velhos escritos, acrescidos de anotações e recortes de jornal. Finalmente, mais de 40 anos depois, a experiência se materializa. Catas Altas do Matto Dentro, que contou com a parceria do artista e designer Marcelo Drummond, chega ao público em forma de livro e exposição. O lançamento será na quinta-feira (15), às 19h, no Museu Mineiro, noite de abertura da mostra com fotografias e poemas do livro, além de instalação inédita.
OURO E MINÉRIO Tantos anos depois, aquela experiência ainda remói na memória da artista. “A cidade estava jogada, esperando acontecer alguma coisa, via a potência daquele lugar e a apatia do povo”, diz, mencionando os personagens que conheceu, as histórias que ouviu e as imagens registradas.
Ao traduzir os dias vividos em Catas Altas, Fátima construiu um diálogo entre poemas e imagens, que traz como elemento central a ideia de paisagem, algo que percorre toda a história da arte. Os versos, de verve modernista – Bandeira e Drummond, diz, foram os grandes mestres –, ora trazem ritmos, rimas e simetrias, ora seguem a forma livre e, segundo a poeta, seguiram sua intuição. No entanto, sempre evocam imagens, refletindo a fé barroca; as montanhas, que determinam a paisagem e o sustento da gente; o olhar desconfiado que espia pelas frestas; e histórias sussurradas.
Os poemas e imagens captam a essência do “modo de ser mineiro” e de sua geografia – muitas vezes mitificados, para o bem ou para o mal. Os dípticos de palavras e imagens transitam entre o documental e a ficção, mas deixam claras a acuidade e a sensibilidade de um olhar específico, provavelmente só possível aos nascidos nestas terras.
Não por acaso, Catas Altas do Matto Dentro também guarda surpresas e segredos. A autora soube observar e registrar Minas, que no próprio nome traz sua fortuna e sua ruína. Registra a desolação de um universo perdido na história, mas também sua transformação ao longo do tempo e as consequências em sua geografia humana e física. Na narrativa, o ouro do passado e o minério do presente se fundem no mesmo ciclo que altera a paisagem da região. “Sobre o ouro tirado, falou agora na vez do minério”, escreve.
A segunda parte do livro, escrita entre 2010 e 2016, acentua as referências ao caráter predatório e trágico de uma economia extrativa que ainda vigora.
Impressão
Foi pelo mato dentro que a encontrei
jogada,
com o portão arreganhado,
esperando meia dúzia de turistas,
num triste desabafo do tempo.
Trilho
Catas Altas, suas catas, suas lavras,
sua riqueza foi guardada nos museus
e hoje é levada nos vagões.
As três irmãs I
Morro acima,
lá vão as três irmãs,
ciscando na rua um assunto.
Entre um passo e outro,
morro abaixo,
lá vêm elas assuntando,
as galinhas arredando,
os garotos arremedando.
Santas!
Entraram em casa com o corpo de Deus.
Éramos sete I
Éramos sete,
seis crianças,
cinco delas mortas a machadada.
A última se escondeu entre o colchão e o estrado
e viu tudo.
O meu corpo ficou para dentro do quarto,
minha cabeça rolou gritando por socorro
praça, pedra, quintal abaixo.
Ele ouviu tudo.
Agora, as sete janelas fechadas,
um sobradão amaldiçoado,
o medo do povoado,
o respeito à minha memória.
CATAS ALTAS DO MATTO DENTRO – MINAS GERAES
De Fátima Pinto Coelho
Barléu Edições
140 páginas
R$ 95
LANÇAMENTO E EXPOSIÇÃO
Quinta-feira (15), às 19h. Museu Mineiro (Av. João Pinheiro, 342, Funcionários, (31) 3269-1103). Entrada franca.